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domingo, 8 de fevereiro de 2009

Capítulo 5 – A perda de Analice

19ª Sessão

___ Luiz! Quanto tempo, que bom revê-lo! Pensei que não fosse terminar seu tratamento.
___ De maneira alguma desistiria dele. Sabe que mesmo não tendo concluído sinto que tive uma melhora muito grande, consigo controlar-me muito bem agora.
___ Como foram as gravações?
___ Maravilhosas.
___ Quando será o lançamento?
___ Em breve.
___ É, o tempo passa muito rápido, nem dá para acreditar que já se passaram mais de oito meses desde o ultimo dia que estivemos juntos – comentou o psicólogo ao examinar as fichas de rascunhos escritos sobre as sessões anteriores de Luiz.
___ Realmente, não vi o tempo passar. Daqui a algum tempo, eu estarei velho, de cabeça branca e...
___ Mas muita coisa ainda acontecerá antes disso, tenha certeza. Fiquei sabendo que Analice gravou um comercial. Com aquele tamanho de barriga deve ter ficado muito bonita.
___ Sim, ela sempre foi e continua sendo a mulher mais bonita que existe.
___ Deve estar contando os dias para dar a luz, não é mesmo?
___ Sim, agüentar uma barriga daquela não é nada fácil, estamos na maior expectativa!
O psicólogo sorriu amigavelmente.
___ Por acaso lembra-se donde havíamos parado na sessão anterior? – questionou o psicólogo logo em seguida.
___ Não tenho nem idéia, eu lembro de falar sobre um depoimento, eu ia depor, era isso?
___ Pelos meus rascunhos é isso mesmo. Tentarei fazer com que retorne exatamente aí. Como já conhece todo o processo, pode deitar e tentar relaxar. Eu o conduzirei lentamente até que passe pelo túnel donde farei alguns exercícios de relaxamento mental de forma...
___ Antes de começarmos, quero te contar que andei pesquisando algumas coisas e lendo alguns livros de psicologia. Achei interessante desvendar esse campo sobre o consciente e o inconsciente – comentou Luiz.
___ Sim, logicamente como psicólogo sou fascinado por tal assunto. Esteja à vontade para contar-me o que for de seu desejo.
___ A espécie humana sofreu três grandes problemas em seus processos de descoberta. A primeira foi causada por Copérnico, ao tirar teoricamente a Terra do centro do universo. A segunda, por Darwin que, ao definir a origem das espécies na luta pela vida, tentou tirar do homem a pretensão de ser filho de Deus. A terceira é a descoberta do inconsciente, que retirava do homem o domínio sobre sua própria vontade. O inconsciente determina as ações do sujeito, sem que este o perceba. Normalmente, quando uma pessoa durante processo de hipnose, recebe uma ordem que não pode cumprir, em geral acorda abruptamente do transe, bastante incomodado e torna-se particularmente resistente a entrar em nova hipnose.
___ Conheço no geral sobre isso, mas olvidara desses detalhes.
___ Estive lendo sobre traumas também. Acho que já conversamos sobre isso, mas mesmo assim, desejo comentários novos. O que me diz sobre traumas?
___ Os traumas sofridos não podem ser percebidos pela consciência, pois eles passam direto para o inconsciente e lá permanecem enquistados.
___ Porque isso acontece?
___ É uma maneira normal do próprio organismo manifestar-se diante das coisas que nos acontecem na vida. Tanto é que a primeira tendência que temos com as coisas negativas que nos sucedem é tentar esquecê-las.
___ Quando fazemos a hipnose ou regressão, as recordações inconscientes vão emergindo e entrando para a elaboração e o domínio da consciência. Seria isso? – perguntou Luiz.
___ Sim.
___ Mas não entendo bem. Como uma pessoa não é capaz de se lembrar de algo tão importante que inclusive o acarreta perturbações em sua conduta? Porque é necessário tanto esforço e a colaboração de um médico para que os fatos retornem a consciência? O que impede o acesso às lembranças?
___ Isso chama resistência. Tal forca humana mantém o evento traumático inconsciente, protegendo o individuo da dor e do sofrimento que seriam trazidos junto com seu conhecimento. Quanto maior a dor a ser vivida com a recordação, mais a resistência é mobilizada, tornando-se mais difícil à recordação do trauma. As forcas do próprio paciente e da sua consciência então, passam a serem mobilizadas para vencer a resistência. Também vale lhe dizer que a descoberta da resistência leva imediatamente a outra questão chamada de repressão. Se existe uma necessidade de uma forca grande para impedir que o trauma se torne consciente, isso é sinal de que as recordações traumáticas não estão imobilizadas no inconsciente, se a resistência deve ser aumentada na proporção em que o trauma é maior, quanto mais doloroso o evento reprimido, maior é a forca que o individuo deverá fazer para se tornar consciente. Se o processo não quer permanecer inconsciente, é licito supor que nunca quis tornar-se inconsciente, e se assim ocorreu, foi porque uma forca maior, em determinado momento de crise, negou o conhecimento a sua consciência. Isso se chama repressão.
___ Se bem entendi, a repressão fica demonstrada como conseqüência lógica da resistência.
___ Exato.
___ O que me diz sobre as estruturas da personalidade humana?
___ Esse assunto é longo. Para estudar sobre isso é preciso consultar muitos filósofos e antigos pensadores estudiosos também sobre o assunto. Explicarei-te o básico.
___ Certo.
___ O homem possui o id, um reservatório de energia se é que assim posso denominá-lo. Todos nós, desde o momento do nascimento, somos uma fonte de energia que busca no mundo a satisfação do que necessitamos para o próprio desenvolvimento. Existe também o ego que pode ser definido como o intermediário entre o desejo e a realidade. É ele que concilia os desejos e as proibições internas ou da realidade objetiva. Depois disso vem o superego que é responsável pela estruturação interna dos valores morais, ou seja, a consciência moral do homem, a parte responsável pelas proibições.
___ E onde fica o ego, no inconsciente?
___ Ele situa-se em parte no consciente e em parte no inconsciente. Como sede da angustia provocada, ele é mobilizado diante de um sinal de perigo e desencadeia uma serie de mecanismos repressores que impedirão a vivencia de fatos dolorosos, os quais o organismo não está pronto para suportar. Por situar-se em parte no inconsciente poderá mobilizar mecanismos inconscientes que não serão percebidos pelo sujeito. Existem muitas coisas que acontecem na vida humana que as pessoas não se dão conta e isso incorpora na personalidade. Existem pessoas que negam a realidade e não percebem aspectos que as magoariam ou que seriam perigosos. Outras fazem uso da projeção, tendendo a projetar no mundo externo todos os seus sentimentos maus ou eventos dolorosos de sua responsabilidade, sem assim, assumir aquilo em si própria. Outra coisa que acontece é a racionalização, ou seja, as pessoas se abstraem das vivencias e com premissas lógicas, tentam justificar suas atitudes como que para provarem que são merecedoras do reconhecimento.
___ E quanto à formação reativa, o que seria isso?
___ Simplesmente se caracteriza por uma atitude com sentido oposto ao desejo recalcado. Algo que acontece muito é a identificação, diante de sentimentos de inadequação, a pessoa internaliza características de alguém valorizado, passando a sentir-se como ele. A identificação é um processo necessário no inicio da vida, quando a criança está assimilando o mundo. Mas permanecer em identificações impede a aquisição de uma identidade própria.
___ O que me diz sobre regressão em questão de comportamento?
___ As pessoas regridem voltando a níveis anteriores de desenvolvimento quando passam por uma frustração evolutiva. Junto a isso, ocorre muito o deslocamento donde descarregamos sentimentos acumulados, em geral sentimentos agressivos, em pessoas ou objetos menos perigosos. Outro fator que posso citar é a sublimação, quando os desejos afetivos que não podem ser literalmente realizados, são satisfeitos em atividades simbolicamente similares e socialmente produtivas. Esse é o mecanismo de defesa considerado mais evoluído e característico de um individuo normal.
___ O que me diz sobre sonhos?
___ Os sonhos segundo a psiquiatria, são fenômenos psíquicos que nos facilitam compreender o inconsciente. O ego quando enfraquecido no sono diminui o limite que separa a fantasia da realidade e então, o sonho fica sendo uma criação intermediaria entre o desejo reprimido e as proibições morais que aparentemente não são transgredidas. De toda forma, como não sou especialista no assunto, acho que essa resposta pode variar de sonho para sonho. Alguns livros classificam os sonhos como comuns, repercutindo nossas disposições físicas ou psicológicas, reflexivos, exteriorizando impressões e imagens arquivadas na mente e ainda alguns chamados de espíritas, donde realizamos atividades reais e efetivas do espírito durante o sono.
___ Pode detalhar mais?
___ Os sonhos espíritas são popularmente chamados de viagem astral, pois o espírito exerce uma atividade real e efetiva que dependerá de sua evolução. Conforme lhe expliquei, os sonhos comuns são tidos pelo envolvimento direto com o presente consciente das ondas de imagens, pensamentos e sentimentos do próprio ser e das experiências do seu cotidiano dia após dia. No tipo reflexivo, registramos impressões e imagens arquivadas no subconsciente, seu presente remoto; no inconsciente, seu passado remoto até reencarnações distantes e no super consciente, seu futuro.
___ Em todos eles ocorre o desprendimento do espírito?
___ Sim, é o momento de breve emancipação da alma.
___ E porque esquecemos nossos sonhos já que os temos todas as noites e muitas das vezes nem nos damos conta disso?
___ Porque estes não foram registrados no cérebro físico, apenas no perispírito, de forma a não termos predisposição cerebral para ocorrerem as lembranças. Quem se prepara para dormir, após garantir um dia bem vivido, encontra uma fácil maneira de ter bons sonhos durante o repouso do corpo e a liberdade do espírito.
___ Quer me definir o que se trata perispírito?
___ É como um canal de manifestação para as atividades do espírito. Ao certo posso dizer que é o responsável pela união do espírito ao corpo físico.
___ Como me explicaria isso medicamente?
___ A atividade cerebral emite ondas e produz faixas especificas para determinados estados de consciência, ou seja, temos o sonho profundo num estado de transe, temos o sono da memória, temos o estado de meditação donde a consciência é aumentada e também a consciência normal nos momentos de vigília e tensão. Geralmente vivemos entre os dois últimos citados e quando relaxamos, seja no momento de dormir ou não, nossos padrões de ondas mentais vão se aproximando dos outros dois. Existem diversas maneiras de relaxamento consciente e métodos de ter a reparação do cansaço físico ou esgotamento mental, sem necessariamente ter que dormi muito.
___ É verdade que durante o desdobramento ficamos ligados ao corpo por um cordão fluídico?
___ Exatamente. Esse cordão somente se rompe após o desencarne.
___ Dizem que tal cordão é prata, o que diz?
___ A cor pode variar segundo os meus conhecimentos. A densidade também e tudo depende do grau de evolução.
___ Conforme a evolução é maior ou menor o comprimento do cordão, quero dizer, a permissão para os movimentos de locomoção do espírito?
___ O cordão apenas reflete o nível evolutivo. Deve ter claro que é a sua evolução que vai lhe limitar a locomoção e não o cordão fluídico. Percebe a diferença?
___ Sim, acho que entendi.
___ Mas alguma pergunta?
___ Estive lendo que não herdamos inteligência, isso é verdade?
___ Creio que sim. As pessoas herdam uma série de estruturas biológicas que predispõem ao surgimento de certas estruturas mentais. Portanto não herdamos a inteligência pela hereditariedade. Nosso organismo amadurece em contato com o meio ambiente. O ato de conhecer é prazeroso e gratificante em qualquer fase da vida e constitui-se numa força motivadora para o próprio desenvolvimento humano. O conhecimento é que possibilita novas formas de interação com o ambiente, proporcionando uma adaptação cada vez mais completa e eficiente deixando-nos mais aptos a lidar com situações novas. Junto a isso, montamos nossa estrutura básica de pensamento ou de ação que corresponde, de certa maneira, a estrutura biológica que muda e se adapta.
___ Como assim?
___ Quando nascemos, somos dotados de capacidades mentais prontas, mas apenas alguns reflexos e tendências inatas que organizam nossas ações. Com o nosso continuo desenvolvimento, nos adaptamos mais complexamente a realidade, exigindo formas de comportamento e pensamento mais evoluídos. O desenvolvimento é um processo que busca atingir formas de equilíbrio cada vez melhores, ou seja, a aquisição sucessiva que tende a uma forma final, qual seja a aquisição do pensamento operacional formal. Podemos dizer que uma pessoa adulta atinge uma forma de equilíbrio com o ambiente, desenvolvendo estruturas e modos de funcionamento para viver em equilíbrio com o meio situado. Conforme crescemos, ao longo da vida, passamos pelos períodos e estágios de maturação que é um elemento básico do processo de desenvolvimento. Na infância, o ser se sente no centro da realidade, porque é inconsciente de si mesmo e à medida que se constrói como uma realidade interna ou subjetiva, o mundo exterior vai se objetivando. Depois o alcance do pensamento irá aumentar, mas lenta e gradualmente, e assim a criança continuará bastante egocêntrica e presa às ações. Conforme se cresce, observa-se um marcante declínio do egocentrismo intelectual e um crescente incremento do pensamento lógico. A tendência lúdica do pensamento, típica da idade anterior, quando o real e o fantástico se misturavam nas explicações fornecidas pelas crianças, será substituída por uma atitude critica. A partir da adolescência, o sujeito será então capaz de formar esquemas conceituais abstratos e realizar com eles operações mentais que seguem os princípios da lógica formal, o que lhe dará uma riqueza imensa em termos de conteúdo e de flexibilidade de pensamento. Com isso adquire capacidade para criticar os sistemas sociais de seus pais e constrói os seus próprios, tornando-se capaz de aceitar suposições pelo gosto da discussão tornando-se consciente do seu próprio pensamento, tendo justificativas lógicas e se relacionando naturalmente. A teoria da aprendizagem propõe experiências diretas que determinam a gama de comportamentos disponíveis no repertorio do cotidiano.
___ Entendo, conseguiu esclarecer as dúvidas que tinha.
___ Bem, acho melhor iniciarmos a sua terapia de regressão.
___ Claro, já conversamos o bastante por hoje.
___ Então fique relaxado e tente manter-se em posição que favoreça o...
Conforme o psicólogo pronunciava as palavras, Luiz ia caindo num relaxamento profundo donde se convertia para o mundo guardado em sua mente, o seu passado longínquo.
___ Onde mesmo havíamos parado? – questionou o psicólogo assim que Luiz retornou ao ponto finalizado na ultima sessão.
___ Paramos no meu depoimento, mas não sei nada sobre isso agora.
___ O que visualizou?
___ O médico examinou Verinha e disse a Bruno que não havia nada mais a fazer e que seus dias de vida estavam mais próximos do fim. Bruno deu a notícia para dona Suzana pedindo a ela que avisasse os familiares de Verinha para que pudessem ir vê-la ainda viva. Enquanto isso, Ivon comentava com um soldado que Ulisses não confessara porque não conseguia articular as palavras e sendo assim, culpou-o pelo estado físico do preso acusando-o de ter exagerado na tortura. Na fazenda, eu oferecia uma grande quantia em dinheiro a Joaquim para que ele ajudasse Ulisses a fugir da cadeia. Joaquim aceitando, foi ao presídio e conseguiu chegar escondido até a cela onde estava Ulisses. Não me pergunte como, pois não sei, mas Joaquim conseguiu montar a fuga e Ulisses desapareceu.
___ Tem certeza de que não sabe o que Joaquim fez?
___ O que Joaquim relatou depois do incidente foi que Ulisses lhe golpeara durante a visita com uma pedra e assim perdera os sentidos ficando desmaiado. Provavelmente, saindo do cárcere, Ulisses matara o policial vigilante e fugira.
___ Na verdade quem matou o policial foi Joaquim?
___ Não sei e creio que isso não importa, o valido é saber que Ulisses conseguira fugir.
___ Entendo, continue.
___ Odelmo contou a Omário que vários agentes estavam atrás de Ulisses, porém, não havia mais donde pudessem procurá-lo. Joaquim contou-me que Ulisses conseguira fugir e acrescentou que achara muito estranho um militar ter deixado em sua cela um punhal para que ele se suicidasse.
___ Quem fizera isso?
___ Não sei.
___ Mas será que o punhal lhe fora dado realmente nessa intenção?
___ Provavelmente.
___ Continue.
___ Omário perguntou a seu cunhado Joaquim qual a quantia que lhe havia dado para ajudar Ulisses a fugir da prisão. Cheio de esperteza Joaquim despistou a conversa, porém, enfezado por tal desconfiança, Omário advertiu-o de que pagaria muito caro por aquilo caso descobrisse que fora meu cúmplice.
___ E você, conte-me mais de como estava.
___ Eu estava aparentemente bem, logicamente muito preocupado com tudo.
___ E Margarida?
___ Disse a ela que fosse passar alguns dias na casa de seus pais até que a poeira do caso abaixasse e as coisas melhorassem pela redondeza. Como ela concordou com a idéia, acompanhei-a até a casa de seus familiares e chegando lá, Henrico logo ao me ver, disse que precisava muito falar comigo. Nos encaminhamos para o escritório e sem jeito, Henrico me explicou sobre sua situação com Ana, contou-me todos os detalhes de seu casamento e revelou que por mais que amasse sua esposa e sentisse carinho por ela, não tinha desejos sexuais quando se deitava com ela para dormirem juntos.
___ Então ele ainda não conseguira manter relações sexuais com a esposa?
___ Exato. Ele deixou claro que precisava de ajuda, pois não era adequado que sua esposa tivesse a impressão de que ele não a queria e em todo caso, seria muito humilhante que sua esposa e outras pessoas ficassem sabendo que ele era impotente.
___ Claro, seria muito vergonhoso. Você o ajudou?
___ Não entendia muito a respeito disso e indiquei-lhe um antigo amigo meu que era especialista nisso. Ele disse que o procuraria e assim agradeceu-me mais de uma vez.
___ Como Henrico estava mantendo a si e a Ana se a herança dela somente seria liberada com os filhos do casal?
___ Henrico mudara muito depois da morte do pai e com o casamento e as dificuldades dentro do lar, fora se tornando um homem batalhador. Como podemos perceber, aos poucos ele foi se sentindo afeiçoado pela própria esposa que apesar de não ser muito esbelta, era uma boa pessoa, gentil, companheira e dedicada.
___ Avance um pouco mais.
___ Ivon levou um testamento meu a um tabelião corrupto para que falsificasse o documento.
___ Porque fazia isso?
___ Porque ele e Maryana, ou melhor, a falsa Marselha, estavam de olho em todos os meus pertences e queria comprovar que sendo filho de uma criada, poderia não ser filho legítimo de Mario Ricardo.
___ Mas que testamento era esse?
___ O testamento de meu pai que Maryana roubara do meu escritório e eu nem se quer percebera a falta dele.
___ Maryana continuava em sua casa?
___ Sim e muitas vezes podia perceber o quanto ela era falsa. Fazia-se de boazinha em tudo, mas estava tramando as piores falcatruas contra mim.
___ Você retornou para a fazenda após deixar sua esposa na casa de sua sogra?
___ Não. Estava retornando quando Omário me cercou e arrastou-me para a prisão. Pedi que voltasse atrás em sua decisão e permitisse-me retornar para a fazenda uma vez que não existia nenhuma ordem de prisão para mim. Furioso ele disse que minha prisão tinha a ver com a fuga de Ulisses. Tentou fazer com que confessasse quem ajudara Ulisses a fugir, porém nada lhe disse.
___ Ele fez algo grave com você? Torturou-te também?
___ Não, por sorte minha. Dias depois, enquanto continuava preso no mesmo local imundo e sem espaço, Maryana pedia ajuda a Omário para provar que eu não era filho de Mario Ricardo e assim, tirar-me toda a fortuna que herdara de meu suposto pai.
___ Omario sabia que ela era uma impostora e não se tratava da verdadeira Marselha de Liz?
___ Não, ela também o enganava.
___ Foi aí que os dois começaram a ter um caso e ela tornou-se amante dele?
___ Sim. Para conseguir a ajuda dele, algo ela teria de fazer e o preço cobrado não ficaria apenas nos charmes lançados e trocas de beijos.
___ Entendo. E a história do testamento, Ivon conseguiu falsificá-lo?
___ Sim, mas como Ivon não tinha dinheiro para pagar o serviço, que custava muito caro, Ivon assassinou o tabelião com uma punhalada no peito. Porém, Joaquim que a dias desconfiava de que ele e Maryana estivessem tramando algo contra mim, tinha seguido-o até o cartório e viu quando ele cometeu o crime, mas mesmo assim, de nada ficou sabendo sobre o testamento que fora falsificado.
___ E você não deu falta do testamento?
___ Sim, ao abrir o cofre para retirar alguns outros papeis e documentos, percebi que o testamento desaparecera e tentando descobrir o que acontecera, perguntei por Bianca se ela sabia de algo. Bianca me disse que ela e uma criada tinham visto Maryana no local, mas não sabia de nada quanto ao sumiço do testamento.
___ E o que você fez?
___ Interroguei Maryana.
___ Descobriu algo?
___ Não. Ela fingiu indignação e me disse que era melhor ir embora já que desconfiava dela. Enquanto isso, Ivon e Omário interrogavam o padre José Albino sobre a minha origem e a maneira como minha mãe sobrevivera durante todos aqueles anos, principalmente antes de ter ido para a fazenda. Omário disse ao padre que Maryana, como filha da irmã de Mario Ricardo, tinha o direito de saber tudo a meu respeito. O padre esclareceu que meu pai redigira um testamento donde ele assinara como testemunha, portanto, eu era pertencente legitimo dos bens e as propriedades que herdara. Assim que os dois foram embora, José Albino me procurou na fazenda e comentou comigo sobre as muitas perguntas que os dois sujeitos haviam feito a respeito de meus pais.
___ Do que eles desconfiavam?
___ Que eu não fosse filho de Mario Ricardo. Comentei com o padre que estava muito preocupado com o desaparecimento do testamento.
___ E de fato, com toda essa complicação, era mesmo para se preocupar.
___ Maryana contou para Ivon que eu já sentira falta do testamento e ele, sarcasticamente, entregou a ela o documento falso dizendo que ia guardar o outro verdadeiro para qualquer eventualidade.
___ Avance um pouco.
___ Em seus últimos momentos de vida, Verinha pediu perdão aos pais por ter fugido, mas revelou que de nada se arrependera, pois se sentira muito feliz ao lado do marido. Em seguida, ela beijou Bruno e fechando os olhos deu seu ultimo suspiro.
___ Verinha morreu?
___ Sim. Bruno chorou junto dos parentes familiares e foi a partir desse dia que ele pode perceber o quanto se apegara pela esposa.
___ E você? Ficou sabendo da morte dele?
___ Não de imediato.
___ Continue contando sobre o testamento, o que aconteceu?
___ Ivon dizia para Joaquim que eu era um impostor e faria de tudo para provar isso, já que assim, Maryana poderia tomar posse da suposta fortuna de Marselha.
___ Maryana colocou o testamento falso donde pegara o outro?
___ Sim e eu, ao ver que o documento aparecera, fiquei imaginando o que se sucedera achando que algo estava estranho. Comentando com Caio as minhas suspeitas de que alguma coisa estava errada, ele disse não acreditar que houvesse algum problema. Enquanto isso, Joaquim insistia que deveriam prevenir-me, pois Maryana com a ajuda de Omário e Ivon, podiam ter feito uma cópia do testamento.
___ Porque o próprio Joaquim não foi conversar contigo?
___ Não tínhamos muita afinidade um com o outro e provavelmente não ia acreditar no que ele me dissesse.
___ Entendo.
___ Odelmo disse a Omário que já concluíra as investigações e descobrira que minha mãe trabalhava como prostituta antes de procurar pelo emprego na minha fazenda.
___ Você sabia disso?
___ Não, jamais imaginaria isso. Se para mim fora um choque descobrir que ela, minha própria criada, era minha mãe, pior seria saber que fora uma prostituta.
___ Alguém mais sabia do passado dela?
___ Não sei, talvez o padre e Sílvio que a conheciam desde quando ela ficara grávida.
___ Continue.
___ Omário pediu autorização do governador para impugnar o testamento de Mario Ricardo. O governador autorizou, mas advertiu que teriam de provar o fato dito de que eu não seria filho legitimo, pois caso contrário, o cargo dele estaria em jogo.
___ E Joaquim, não descobriu mais nada?
___ Sim, ele comentou com sua irmã que a descrição dada por Ulisses no dia em que este o ajudara a fugir, se encaixava perfeitamente com o perfil do tenente Ivon e, portanto, fora ele que dera o punhal para que Ulisses se suicidasse. Margoni Pilar alertou Joaquim dos problemas que poderia ter com o cunhado caso este desconfiasse dele saber de todos aqueles detalhes, porém Joaquim disse-lhe que o único prejudicado seria seu próprio cunhado Omário que ajudara incentivando no roubo e falsificação do testamento. Para concluir, revelou a irmã que Omario estava traindo-a com Maryana. Enquanto isso, Ivon percebia que Maryna estava tentando passá-lo para traz e advertiu-a de que como cúmplices, ela não se livraria dele com facilidade, pois ele era o único conhecedor de que ela era uma impostora, portanto, poderia revelar a todos sua verdadeira identidade na hora que bem quisesse.
___ Interessante. Quem joga sujo acaba se sujando, não é verdade?
___ Logicamente. Ivon ameaçou denunciar-la caso ela decidisse tirá-lo do negócio, uma vez que podia contar com a ajuda de Omario de primeira mão e este era ainda mais esperto para tais tipos de tramóia.
___ Avance mais um pouco e continue.
___ Omário estava abrindo um processo para averiguar a veracidade da declaração de Bianca e para concluir seus planos. O padre José Albino deveria desaparecer de forma que não desse seu testemunho a meu favor. Averiguando o caso, ele mandou a polícia até a fazenda para prender Bianca e pagando um rapaz qualquer mandou que esse matasse Padre José.
___ Quer dizer que o padre também morreu?
___ Não, foi apenas baleado e visando a própria sobrevivência decidiu desaparecer do povoado uma vez que ficou desconfiado do que estava acontecendo. Helena compareceu ao chamado no cartório e olhando para o testamento falso que lhe entregaram, não reconheceu a assinatura de seu pai.
___ Então o pai de Helena também era uma das testemunhas?
___ Sim, ele e o padre José haviam assinado o testamento como testemunhas. O pai de Helena por certo deveria ter sido muito amigo do meu.
___ Você e Helena cresceram juntos?
___ Nada me faz lembrar da infância, eu conheci meu pai já no leito de morte e somente quando tomei posse de tudo e fui para a fazenda é que me lembro de conhecer Helena e seu pai que logo também morreu.
___ Pois bem, continue.
___ Omário colocou Bianca frente a frente com alguns homens dos quais ela já cumprira serviço como prostituta e estes a reconheceram. Ao chegar na fazenda fiquei sabendo que os policiais haviam levado minha mãe e esbaforido fui verificar o que acontecera. Invadindo o depoimento dado por um dos sujeitos clientes de Bianca, perguntei o que estavam fazendo com minha mãe e porque tinham levado-a sem minha permissão. Omário que nada me respondeu, disse a Bianca que se ela confessasse que mentira e que eu não era filho de Mario Ricardo, não a acusariam diante do juiz sobre seu passado. Vendo que minha mãe chorava muito e estava desesperada, retirei-a dali voltando com ela para a fazenda. Quando a notícia se espalhou e chegou aos meus ouvidos, fiquei muito chocado e disse a Margarida que era muito triste saber que Bianca tinha chegado a tamanho extremo e mais do que nunca comecei a ter profundo ódio dos meus pais.
___ Mas então seu pai não tivera um caso com sua mãe, e sim, apenas uma noite?
___ Não sei, para ser sincero, nem sabia se realmente Mario era meu pai. Como poderia achar as possíveis provas disso se minha mãe a cada noite se deitava com alguém diferente?
___ Então Omario e Maryana conseguiram o que pretendiam?
___ Ainda não sei, mas parece que sim.
___ Avance mais um pouco.
___ Bianca pretendia fugir quando Sílvio convenceu-a de que eu era um homem bom e ia saber perdoá-la. Em seguida, ele veio conversar comigo e pediu-me que não a menosprezasse, pois independente de tudo, ela era a minha mãe e me amava muito. Margarida vendo meu estado de tristeza também tentou me consolar e fazer com que fizesse as pazes com Bianca. Ainda conversava com minha esposa numa troca de carícias quando um policial chegou invadindo à casa grande para prender Bianca. Sem saber o que fazer, eu pedi a Sílvio e Margarida que despistassem o militar enquanto pretendia fugir com minha mãe pela área dos fundos.
___ E você conseguiu?
___ Sim. Margarida disse que ia chamar Bianca e depois de muito tempo é que retornou para dizer que ela não se encontrava na casa. Enquanto isso, Sílvio tentava puxar conversa para distrair o policial e dar tempo ao meu plano de fuga. Bianca poderia ter tido e feito o que fosse, mas a realidade é que ela continuaria sendo minha mãe e deveria ajudá-la.
___ E o que fizeram ao verificar que haviam fugido?
___ Omário furioso, ordenou que nos perseguissem e matassem-nos. Ao chegar em sua casa, ele esbofeteou Margoni Pilar varias vezes e culpou-a pela nossa fuga imaginando que ela contara tudo para Margarida já que as duas eram muito amigas.
___ Não conseguiram achar você e sua mãe? Para onde foram?
___ A carroça onde estávamos sofreu um acidente e caímos no rio. Estávamos correndo muito quando ao passar sobre uma pedra, esta rescindiu a roda traseira e perdemos o rumo e controle dos cavalos que se soltaram também.
___ Caíram no rio? – questionou o psicólogo curioso e interessado pela historia.
___ Sim. Um dos policiais que nos procuravam ao ver a carroça caída sobre o rio e imaginar o que supostamente acontecera, informou Omário do acidente sofrido dizendo que provavelmente estaríamos mortos.
___ Mas continuavam vivos?
___ Sim.
___ Daremos uma pausa por aqui. Relaxe e respire fundo.
___ Certo.
Analisando as ultimas ocorrências relatadas, o psicólogo circulou alguns trechos de seu rascunho verificando as expressões demonstradas no rosto de Luiz. Muita coisa ainda viria pela frente, mas em determinado momento, naturalmente Luiz nada mais conseguiria relatar, já que a continuação do decorrer do passado poderia interferir os acontecimentos e decisões do seu futuro. Diante daquele tratamento, nem tudo poderia ser revelado e muito dos detalhes ainda permaneceriam ocultos. Caberia a Luiz ter o livre arbítrio para continuar sua vida, tomando suas próprias decisões e buscando a recuperação dos erros que sabia ter cometido duas vezes, se não mais do que isso. Sua consciência diante da vida estava adquirindo proporções cada vez maiores e muitas coisas sucederiam em sua vida presente tendo decorrência daquele longo passado.
Levantando-se novamente da poltrona, o psicólogo aproximou-se de Luiz reiniciando a sessão.
___ Podemos continuar?
___ Claro. Conforme estava relatando, Joanina comentou com Henrico que se eu e Bianca havíamos fugido era por que tínhamos culpa.
___ A família dela não sabia?
___ Do passado de Bianca ou do meu envolvimento com os rebelados?
___ Os dois.
___ Não, creio que não. Os comentários eram livres e circundava entre todos, mas estava fazendo de tudo para que a confirmação do caso não ficasse esclarecida perante todos. As desconfianças já eram grandes por demais e para mim já bastavam.
___ O depoimento do padre José Albino ia esclarecer tudo.
___ Sim, se ele não houvesse desaparecido misteriosamente do povoado.
___ Entendo.
___ Odelmo foi à casa de Margarida para avisar que a carroça onde eu e Bianca viajávamos caíra no rio e provavelmente deveríamos estar mortes.
___ Imagino que sua esposa ficou desesperada.
___ Muito, mas não tinha como avisá-la de que continuava vivo.
___ Avance mais um pouco.
___ Omário pressionou o governador para que intercedesse a favor de Maryana argumentando que se padre José Albino nunca comparecera para depor significava que eu não era filho legitimo. Omário conversou com Maryana e esta conseguiu o que queria sendo considerada a dona da fortuna deixada pelo meu pai. Enquanto isso, a família já tomava as precauções imaginando que a miséria dessa vez não tardaria mais. Foi Caio quem informou Henrico da decisão do juiz em favor de Maryana, deixando explicito que logo ela tomaria posse da minha fortuna.
___ E Margarida, ainda continuava na fazenda?
___ Sim, mas Maryana foi procurá-la para pedir que desocupasse a casa e assim se apresentou como a verdadeira herdeira de Mario Ricardo. Para completar a ironia, ela garantiu a minha esposa que eu nunca existira, portanto, Margarida não podia se considerar viúva e nem tinha o direito de usar o sobrenome de casada.
___ O sobrenome era algo valioso na época, não?
___ Sim, avaliava uma pessoa praticamente quase sempre pelo próprio sobrenome.
___ Avance mais um pouco e continue.
___ Margarida disse a Gertrudes que todos a desprezariam, assim como fariam com seu filho que daquele momento se tornara ser um bastardo.
___ E Bruno, uma vez viúvo e sabendo que você poderia estar morto, não foi procurá-la?
___ Sim e inclusive se ofereceu para dar seu sobrenome a criança. Diferente de antes, naquele momento, Bruno podia oferecer um bom status a Margarida pela sua condição superior e majoritária dentro do quartel. Joanina comentou com o filho que o oferecimento de Bruno era uma ótima idéia.
___ Mas Margarida com certeza não deveria achar o mesmo, ou estou enganado?
___ Não sei.
___ Bruno não podia fazer nada para ajudar Margarida a permanecer com os bens ou provar que tudo fora tramado contra você?
___ Se ele soubesse talvez até pudesse, mas a trama ficara muita oculta e de forma alguma ele poderia intervir na decisão dada pelo juiz.
___ Então Margarida seria desapropriada de tudo?
___ Sim, já estava sendo. Bruno tentou fazer algo por ela, pediu ao general Zeca Ramos que intercedesse a favor dela, mas logicamente isso seria em vão.
___ Mas aqui vale a advertência que toda causa tem um efeito e toda ação sofre uma conseqüência. É lógico que todos os participantes dessa confusão, em determinado momento, pagarão por tudo que estavam fazendo.
___ Sim, mas antes disso, muita coisa aconteceria e até lá, Maryana se esbaldaria no luxo que jamais tivera direito algum.
___ E a verdadeira Marselha, ainda era viva?
___ Creio que sim, como posso saber?
___ Continue, talvez a resposta esteja mais além.
___ Margoni Pilar acusou o marido de ter tentado prejudicar a mim, Margarida e o nosso filho para favorecer Maryana.
___ Mas foi exatamente por conta dele que Maryana conseguiu, Margoni estava com toda a razão e afirmo que tinha muita coragem para dizer isso ao marido. Dessa vez ele não bateu nela?
___ Não sei, se duvidar é bem capaz que sim.
___ E sua esposa, como estava nessa situação toda? Além de perder-te ainda estava perdendo tudo o que tinha?
___ Isso mesmo. Margarida estava desesperada e desde o dia do acidente, ela ia até o local do rio me procurar, mas logicamente não encontrava ninguém por ali.
___ Sabe me informar onde estavam?
___ Não.
___ Se concentre, é impossível que não saiba, já se passaram vários dias desde o ocorrido.
___ Sim, estou visualizando. Bianca e eu fomos capturados pelos rebeldes e levados para o acampamento onde Ulisses estava.
___ Então, definitivamente se uniu aos rebeldes?
___ Sim, dessa vez de corpo presente.
___ Avance mais um pouco. Algo novo nessa confusão toda?
___ Nada interessante por enquanto. Pedi que me deixassem voltar para a cidade, uma vez que a fazenda deveria estar sendo rondada por policiais. Ulisses sugeriu-me que enviasse um recado para Margarida através de um dos garotos do povoado mais perto. Resolvi que deveria acatar a sugestão dele e dando uma esmola informei o endereço donde a carta deveria ser entregue.
___ Para onde estava mandando-a?
___ Para a casa de Joanina.
___ Porque, achava que Margarida fosse estar lá?
___ Sim, estava praticamente adivinhando que Margarida seria expulsa da fazenda tendo de abandonar a propriedade sem nem ao menos retirar os seus pertences.
___ Mas foi isso que aconteceu?
___ Sim, Margarida não pode levar nem mesmo as suas roupas, apenas algumas trocas de vestidos que pode guardar escondidos junto à pequena mala do nosso filho.
___ E Margarida recebeu a carta?
___ Não. Gertrudes ao pegar a correspondência entregou para Joanina e esta convenceu a irmã de que seria melhor Margarida continuar pensando que eu estava morto.
___ Mas porque?
___ Egoísmo de Joanina.
___ O que ela pensava conseguir escondendo a verdade?
___ Já que eu além de traidor do governo perdera tudo o que tinha, seria melhor Margarida esquecer-me e futuramente, poderia se casar com Bruno.
___ Bruno não descobriu que você estava vivo?
___ Não, ninguém mais ficou sabendo, o segredo morreu entre Joanina e Gertrudes.
___ Avance novamente.
___ Joaquim comentou com sua namorada que Omário, seu cunhado, Ivon e Maryana haviam falsificado o testamento para despojar-me de meus bens.
___ Joaquim era o único que sabia dessa falsificação?
___ Sim, além dos próprios integrantes e de sua namorada que estava por dentro do caso e de todo o ocorrido.
___ E quem era essa namorada dele? Ela é nova integrante na historia, não?
___ Sim, mas era uma pessoa de total confiança, posso garantir.
___ Ela ajudou no caso?
___ Sim, aos poucos ficará sabendo como.
___ Então prossiga.
___ Caio conversou com Margarida e garantiu a ela que eu não a enganara. Enquanto ele tentava animá-la e fazer com que aceitasse a realidade dos fatos, o acampamento donde estava foi atacado por soldados e sendo baleado fiquei gravemente ferido. Perdi muito sangue e...
___ Foi o seu fim? – questionou o psicólogo vendo o rosto deprimido de Luiz.
___ Não. Ainda continuei vivo.
___ Preferiria se tivesse morrido?
___ Logicamente não, mas...
___ Foi capturado?
___ Também não.
___ E porque mantém essa cara de desgosto?
___ Talvez ficasse impossibilitado de andar, pois não mais sentia meus membros inferiores.
___ Que dificuldade. Porque estava traindo o governo?
___ Não entenderias, mas eu tenho minha consciência totalmente tranqüila.
___ Tudo bem, é isso que importa – garantiu o psicólogo. - Avance mais um pouco pela linha do tempo e continue descrevendo tudo.
___ Omário disse a Maryana que a amava, mas não poderia dedicar muito tempo a ela, pedindo assim, que compreendesse sua situação de homem casado.
___ Certo.
___ Joaquim disse ao cunhado que o meu testamento verdadeiro e real estava em suas mãos, já que o juiz estava com o falso.
___ Como assim?
___ Uma vez que ele sabia de tudo, dá para perceber o que fez? Usou de esperteza e trocou os documentos.
___ O que pretendia fazendo isso? Ajudar-te?
___ Sim, mas antes disso, ia sair lucrando em muitos aspectos, para começar com as chantagens que pretendia fazer.
___ Foi o que eu imaginei.
___ Ele pediu uma quantia mensal para Omario, tendo ainda a permissão para visitar a irmã em troca de seu silêncio. Enquanto isso, Ivon sendo o único que sabia da identidade falsa de Maryana, exigia que ela convencesse Omário a permitir que ele se mudasse para a casa dela.
___ Casa dela que você diz, na verdade é a sua casa.
___ Isso.
___ A da cidade ou a casa grande da fazenda?
___ A da fazenda donde Maryana estava morando, a propriedade grande e luxuosa que herdara do meu pai e desde então apenas investira nela preservando o patrimônio.
___ Gostava muito de lá?
___ Sim, lembro-me dos primeiros passeios que fiz com Margarida para mostrar-lhe as plantações e as redondezas próximas do rio. Existe local nela que guardarei sempre com muito carinho.
___ Entendo.
___ Continuando, Omário concordou com o pedido de Ivon, mas pediu à sua amante que observasse o comportamento dele. Enquanto isso, só para completar o contexto dos acontecimentos que repercutiam pelo ambiente familiar, vale contar que Henrico confessou a Ana que estava se tratando e queria fazer amor com ela.
___ Interessante notar como os casais acabavam se apaixonando depois de casados. Tudo era totalmente diferente, se hoje as pessoas se apaixonam, namoram, muitos nem casam, outros tem os filhos e só então depois vem o casamento, naquela época se casava sem nem ter visto o cônjuge. Os costumes rígidos eram estabelecidos conforme o vigor dos acontecimentos da época.
___ E conforme o grau de adiantamento espiritual das pessoas – completou Luiz.
___ Voltemos ao seu passado, o que mais me conta? Henrico consegue ficar curado?
___ Sim. Ana inclusive comentou com Margarida o sucesso do relacionamento entre ela e Henrico.
___ Só por curiosidade, você ficou sabendo que Margarida não recebera a carta?
___ Sim, Joanina escreveu-me uma carta contando que Margarida e o filho haviam perdido o sobrenome e me tratando como um pobre foragido, pediu-me que deixasse Margarida e o filho viverem com ela, pois assim, não lhes faltaria teto e nem comida.
___ Você recuperou seu estado? Ficou realmente incapacitado?
___ Não, como médico conhecia uma erva essencial e pedi a Bianca que me ajudasse nas compressas o no tratamento. Fiquei mancando muito tempo, mas depois a ferida cicatrizou e continuei normal. Muitas vezes sentia dores no local e tinha de manter repouso com medo de que algo pior acontecesse, mas por sorte tudo foi decorrendo normal, sem nenhuma complicação maior.
___ Conseguiram fugir?
___ Sim, mas logo nos descobriram e como estávamos preparados para o pior, resolvemos enfrentar a tropa e armamos um confronto.
___ Se feriu novamente?
___ Não, mas foram muitos os feridos e o general Zeca não resistiu aos ferimentos, morreu com dois tiros. Não sei se houve muitos mortos, mas o derramamento de sangue foi violento. Com o reforço dos militares, o acampamento foi bombardeado com explosivos e Ulisses perdeu a esposa e o filho.
___ Quanta tragédia!
___ Minha vida não foi muito boa desde então. Não quero me lembrar desse período, acho que ele nada vem ao caso e me traz muitas lembranças negativas.
___ Algum arrependimento?
___ Não, mas sofria muito por estar longe de Margarida e de meu filho.
___ Margarida não soube da sua sobrevivência?
___ Não, até esse momento garanto que ela não sabia de nada.
___ E os militares?
___ Não, ninguém. Apenas a mãe e a tia de Margarida.
___ Pode avançar o quanto quiser e achar que deve, não pule nada importante.
___ Sim, mas estou um pouco cansado.
___ Relaxe, eu te darei alguns minutos. Descanse a mente que em breve retornaremos as lembranças.
___ Certo.
Após alguns minutos...
___ Volte a se concentrar – informou o psicólogo.
___ Sim.
___ Pode me dizer o que aconteceu? Em qual parte do tempo se faz presente sua mente?
___ Estou um tanto adiantado.
___ Pois bem, o que tens para me contar?
___ Meu filho completou três anos.
___ Então faz três anos que você não vê sua esposa?
___ Sim, isso mesmo.
___ E ela ainda acha que você está morto?
___ Exato.
___ E a mãe dela?
___ Joanina vivia criticando a filha por falar de mim para o menino.
___ E o que ela falava de você?
___ Dizia apenas coisas boas. Margarida contestava sempre com a mãe dizendo que a criança tinha o direito de saber quem fora seu pai, no caso, eu mesmo.
___ Porque nunca tentou procurar sua esposa e dizer pessoalmente a ela que você estava vivo, que sentia saudades, etc?
___ Era muito arriscado.
___ Os militares pararam de procurar pelo grupo dos rebelados?
___ Sim, é o que creio e parece nesse determinado momento pelo qual estou visualizando.
___ Prossiga.
___ Margarida começou a trabalhar como voluntária na Santa Casa e lá encontrou com Bruno que fora ferido em um combate. Enquanto isso, Joanina recebia flores enviadas a Margarida justamente por Bruno.
___ E o que sua sogra achou disso?
___ Ela comentou com Gertrudes que se Bruno continuava interessado em Margarida, ia apoiar o romance dos dois já que ele poderia dar um sobrenome ao seu neto.
___ Isso quer dizer que os dois estavam tendo algum romance?
___ Não sei, mas imagino, visualizando todos os fatos como estou fazendo agora, que Margarida estava se vendo sem saída.
___ Legalmente você não tinha nenhum direito?
___ Não.
___ Joanina entregou as flores para a filha?
___ Sim.
___ E Margarida?
___ Não ligou muito, se sentiu inclusive um pouco transtornada com o fato. Dias depois, Margarida e Bruno se encontraram e ele disse que continuava apaixonado por ela. Seu amor por ela ficara adormecido, mas nunca deixara de existir.
___ E os outros personagens?
___ Bem, Helena ouviu uma conversa entre Maryana e Ivon onde ele a aconselhava de pedir ao Omário que desaparece com o padre José Albino.
___ Mas ele não estava desaparecido?
___ Sim, mas poderia aparecer, inclusive tinham algumas pessoas do povoado comentando que o vira pelas redondezas.
___ Novamente queria tê-lo morto?
___ Sim, isso aliviaria o caso, a preocupação de Ivon e sua falsa prima.
___ E o que ela achou disso?
___ Mariana ficou de pensar. Em seguida contou ao Ivon que estava grávida, mas não tinha certeza de que Omário arriscaria sua posição por ela.
___ Logicamente.
___ O faria se a amasse realmente.
___ E quando ela pretendia contar para ele?
___ Não sei, mas a coragem para isso lhe era mínima, se é que existia alguma.
___ Avance mais um pouco.
___ Bruno pediu Margarida em casamento.
___ Ele não desconfiava que você pudesse estar vivo?
___ Não.
___ E Margarida aceitou?
___ Se aceitou se viu forçada a isso.
___ Tem consciência do sentimento que os envolvia?
___ Não, mas sei que o sentimento entre eu e ela, desde tal época era maior do que os laços afetivos que ligavam os dois.
___ Sentimentos ou dívidas provindas de tempos remotos?
___ Tanto faz. Se tiver dividas para resgatar ao lado dela, não me importo, pois ela é uma pessoa maravilhosa e não a trocaria por nenhuma outra mulher. Meus sentimentos por ela engrandecem a cada dia que passa.
___ Dirá o mesmo se souber que ela se casou com Bruno?
___ Sim, pois nesse momento tenho segurança do amor que ela tinha e continua tendo para comigo. Muitas vezes penso que eu não a mereço, já fiz ela sofrer muito desnecessariamente, sem ter culpa de nada.
___ Ela pode estar tentando cumprir uma missão de amor ao seu lado.
___ Sim, pode ser. Estou aprendendo muito ao lado dela. Estou aprendendo aos poucos a ser um homem mais calmo, concentrado e equilibrado. Ainda tenho muito para crescer e evoluir.
___ Claro. Todos nos temos. Estaremos sempre em busca da perfeição. Não devemos desviar muita a concentração, retorne aos acontecimentos – solicitou o psicólogo.
___ Gertrudes aconselhou Joanina a contar para Margarida toda a verdade de que estava vivo antes que ela aceitasse o pedido de Bruno.
___ Nunca que Joanina faria isso – comentou o psicólogo.
___ Acertou. Joanina ficou tão brava com o conselho da irmã que chegou a ameaçar Gertrudes caso ela dissesse alguma coisa a Margarida.
___ Isso é que eu chamo de mãe preocupada.
___ Sim, mas nesse caso, Joanina estava preocupada com a situação da família e não com a felicidade da filha.
___ Como sempre, não é mesmo?
___ Ela também estava no mesmo barco que corria o risco de se afundar, entende?
___ Sim, e visualizo que para se salvar estava disposta a fazer sua filha pagar pelo preço do resgate, custasse esse o quanto fosse.
___ Exatamente.
___ Avance mais um pouco e continue.
___ Alguns meses depois eu voltei ao povoado para ver Margarida, mas Joanina me impediu e ameaçou chamar os guardas se eu insistisse novamente.
___ Porque não tentou falar com Margarida sem ir à casa da mãe dela?
___ Mas como?
___ Sei lá, quando ela saísse de casa.
___ Mulheres não saiam de casa estando desacompanhadas e para mim seria perigoso se alguma das criadas me visem.
___ Bem, se tu o dizes é porque sabe do risco que correria.
___ Henrico e Joanina marcaram a data do casamento de Bruno e Margarida.
___ Então ela aceitou?
___ Sim, deixo claro que fez isso, pois foi muito pressionada pela mãe.
___ Do mesmo modo como fora ao se casar contigo?
___ Exatamente.
___ Continue.
___ Margarida confessou varias vezes não ter certeza de estar agindo certo, mas iria se casar pois julgava, segundo o que todos lhe diziam, ser o melhor para ela e o filho. Uma coisa ela fazia questão de deixar bem claro, não apenas para a família, mas para Bruno também.
___ E o que era?
___ Ela nunca deixaria de me amar – disse Luiz se emocionando.
___ Continue.
___ Fiquei rondando a casa cautelosamente durante os dois dias seguintes. Já cansado e sem êxito, estava decidido de retornar quando meu filho apareceu na varanda. Fiquei muito emocionado e descontrolado ao vê-lo.
___ O que fez?
___ Assobiei. Foi algo fantástico, pois ele estava sozinho na varanda, não sei como descuidaram dele daquele modo.
___ E ele foi até você?
___ Sim. Mas não tivemos muito tempo, pois justamente em seguida, uma criada saiu à procura dele e começou a gritar por seu nome.
___ Não pensou em levá-lo consigo?
___ Não, isso daria muitas preocupações a Margarida, além do mais, levá-lo comigo não seria o melhor que podia fazer, não tinha condições favoráveis para criá-lo junto ao grupo de rebelados.
___ Entendo.
___ Meu filho, assim que entrou dentro de casa, comentou com Margarida que conversara com um homem que tinha o mesmo nome que seu pai. A única coisa que deu para falar a ele foi o meu nome e garantir que voltaria para vê-lo.
___ Não disse a ele que era seu pai?
___ Não, tive medo, mas dizendo o meu nome imaginava que, caso Margarida lhe tivesse dito algo sobre mim, ele saberia que era seu pai.
___ Margarida ficou desconfiada?
___ Sim, mas não acreditava que pudesse ser eu mesmo ou que o filho estivesse falando a verdade.
___ Sim, depois de tanto tempo.
___ Suas esperanças já haviam se esvaído. Gertrudes comentou com Joanina que certamente a criança estivera comigo e dessa forma tinham de tomar cuidado para que eu não voltasse a ver o menino.
___ Margarida se casa com Bruno?
___ Creio que sim. Antes disso, aconteceu o noivado. Omário não foi convidado e comentou com Margoni Pilar que era uma afronta o fato de Margarida não os ter convidado para a festa de noivado.
___ Justo ele, o traiçoeiro?
___ Sim, veja só, ainda se via no direito de reclamar. Margarida tinha suas desconfianças sobre ele e no fundo sabia que ele fora o principal causador de todos os problemas e também da minha suposta morte. Margarida o odiava e sabia que fora ele quem destruíra a minha vida.
___ Avance novamente.
___ Daniela provocou um aborto em Maryana.
___ Como assim provocou? Sem Maryana saber?
___ Não, pelo contrario, foi à própria Maryana que pediu a ela para preparar um chá abortivo com arruda e outras ervas.
___ Sou totalmente contra o aborto.
___ Eu também, acho isso um crime. Todo ser tem direito à vida e desde o momento em que é fecundado, ele já é um feto concebido.
___ Não dispersemos. Continue.
___ Um dos rebelados, ao ir até a feira tentar levar um recado para Margarida, ficou sabendo através de comentários, que ela estava noiva e ia se casar muito em breve.
___ Você ficou sabendo?
___ Não de imediato. Enquanto isso, Bruno beijava Margarida e lhe dizia palavras românticas sempre deixando claro que a amava muito. O rebelado, de volta ao acampamento, contou-me que não conseguira falar com Margarida, mas descobrira que ela ia se casar com Bruno. Ele comentou-me também que no povoado alguns diziam que ela era viúva e outros que nunca se casara e permanecia solteira.
___ Solteira?
___ Sim, como se eu nunca houvesse existido uma vez que perdera o meu sobrenome, entende?
___ Sim. Bela complicação!
___ É verdade, só eu que vivi tudo isso é que sei o que passei e sofri. Ainda bem que tudo já passou.
___ Continue, estamos num ponto muito importante.
___ Exato. Esse ponto é muito importante mesmo, pois deve imaginar o quanto fiquei nervoso, cheio de ciúmes e raiva ao receber essa noticia.
___ Era uma das piores que poderia ficar sabendo.
___ Mas ainda podia impedir.
___ Fez algo para impedir?
___ Não sei agora.
___ Avance e tente descobrir.
___ Não sei.
___ Não sabe de nada?
___ Sei que Margarida estava preste a se casar e já tinha ocorrido o noivado.
___ Como se sente agora, nesse momento presente?
___ Estou bem, pois sei que ela não mais o amava.
___ Sente uma confiança nisso que acabou de me dizer?
___ Sim.
___ É capaz de mantê-la?
___ Tentarei.
___ A confiança é um fator muito importante em qualquer relacionamento, tanto entre marido e mulher como entre pais e filhos, amigos, etc.
___ Compreendo isso e sei que estou aprendendo a confiar nas pessoas, principalmente em minha esposa.
___ Conseguiria esquecer o passado e refletir em sua vida o valor da fidúcia, o significado do seu casamento com Analice e a responsabilidade que tens na mão?
___ Sim, pelo menos é o que desejo. Quero muito esquecer o passado e ter uma vida tranqüila, sem sentir tanto ciúmes de minha esposa. Ela nunca me traiu verdadeiramente e mesmo que tenha cometido os maiores erros do mundo em não me ter falado a verdade tanto sobre Bruno quanto sobre Tiago, devo perdoar, pois todos estamos propícios ao erro.
___ Inclusive você, é por isso que não deve se cobrar e se lamentar de mais.
___ Mas errei muito mais do que devia, alias, fiz tudo errado.
___ O erro é apenas uma tentativa de acerto. Você não tinha consciência de que estava cometendo tamanhos erros.
___ O amor de Margarida era muito puro e nunca me conscientizei disso.
___ O alimento do amor é a reciprocidade e a admiração pelo individuo do outro ser. Admiramos a pessoa amada por ela nos completar. Um relacionamento é sustentado pela cumplicidade, ou seja, ter metas em comum, saber repartir e compartilhar as dores, os momentos difíceis. Devemos ter cuidado com os relacionamentos que são canibais, que a principio parece normal e com o tempo começa a consumir as pessoas. Falta liberdade de ação, vem a duvida, a dependência, a perda da opinião própria pela busca da segunda opinião, de buscar sempre agradar ao outro. A intimidade é tudo em um relacionamento. Seu grandioso valor esta na capacidade de abertura, na transparência e sinergia que desperta nos parceiros.
___ Entendo.
___ Vamos continuar, depois fazemos os comentários. Avance novamente e relate tudo – solicitou o psicólogo.
___ Margoni Pilar deu os parabéns a Margarida por seu noivado com Bruno e perguntou se ainda o amava. Margarida respondeu que sentia carinho por Bruno, mas garantiu que nunca voltaria a amar alguém como um dia me amara. Enquanto isso, Ulisses me dizia que chegara o momento de retribuir minha ajuda por estar do lado deles e por isso ia me ajudar a recuperar minha esposa. Margarida estava pronta para ser levada até a igreja quando eu, Ulisses e outros homens vestidos de soldados invadimos a casa e raptamo-la.
___ Então ela não se casou?
___ Não, foi por pouco.
___ Continue.
___ Margarida se surpreendeu ao ver que fora eu quem a raptara. Sem saber como se expressar, a primeira coisa que ela disse foi me jurar que não sabia que eu estava vivo e só aceitara se casar para dar um nome ao filho.
___ Imagino que não quis acreditar nela, ou melhor, seu ciúme não deixou.
___ Exato. Fiquei totalmente furioso. Insisti em saber por que Margarida escolhera o homem a quem mais odiava. Ela apenas sabia repetir o que já explicara. Muito irritado disse a ela que continuava sendo minha mulher e seria inconcebível haver outro casamento. Ela foi ficando muito aflita e começou a chorar. Enquanto discutíamos, Omário conversava com um de seus conhecidos, envolvido no caso, e lhe dizia que precisavam me matar para não ficarem mal diante do governador. Martolo, que também conversava com Bruno, disse a ele que talvez eu estivesse vivo e assim, ele deveria se esquecer de Margarida.
___ Porque talvez, Martolo não o viu para comprovar essa suposta dúvida?
___ Não, com aquele disfarce ninguém me reconhecera, pelo menos imagino que não.
___ Bruno jamais ia aceitar isso.
___ Omário exigiu que Joaquim lhe entregasse o meu testamento e em troca lhe ofereceu dinheiro. Maryana esbofeteou Ivon ao descobrir que ele não estava com o testamento verdadeiro. Agora, tem algo importante para dizer.
___ Diga.
___ Marselha estava chegando na cidade.
___ Sabe disso apenas agora, confirma?
___ Sim.
___ Prossiga.
___ Com a chegada da verdadeira Marselha, todos os planos de Maryana estariam acabados.
___ Mas ela também não sabia da chegada de Marselha, ou sabia?
___ Não, ninguém nem ao menos desconfiava que Maryana não fosse Marselha. Continuando, Bruno disse a Martolo que mesmo lhe custando a vida, estava finalmente decidido a recuperar Margarida e matar-me de uma vez por todas. Gertrudes insistiu com Joanina que Ricardo Paulo precisava saber que seu pai estava vivo e era um homem honrado.
___ E quanto a você e sua esposa?
___ Margarida continuava confirmando seu amor por mim, me dizia a todos os instantes que me amava e tinha esperança de que pudéssemos voltar a sermos felizes.
___ E a historia do testamento?
___ Sim, deixe-me concentrar. Bem, Henrico contou a Joaquim que o Tenente Ivon falsificara o testamento e o verdadeiro fora roubado. Henrico acusou o amigo de ter roubado o testamento.
___ E de fato foi o que aconteceu.
___ Sim.
___ Continue me contando sobre você e sua esposa – pediu o psicólogo refazendo alguma de suas anotações.
___ Margarida jurou-me que não tivera nenhuma intimidade com Bruno e mais uma vez explicou que só aceitara se casar com ele para dar um sobrenome ao filho.
___ Avance mais um pouco.
___ Numa fuga, acabamos esquecendo Margarida para trás.
___ Esquecendo?
___ É, na verdade foi um mal entendido. Eu a confundi com outra mulher que também vestia um traje de mesma cor e Margarida, que tinha ido passear logo pela manha no rio, nem ficou sabendo da nossa fuga. Quando ela chegou ao local, este estava vazio, sem deixar vestígios de para onde havíamos ido. Foi uma fuga inesperada e surpresa, muita às pressas.
___ E o que aconteceu com ela?
___ Quando vi que ela não estava no meio da turma, retornei para procurá-la e acabei dando de cara com Bruno.
___ E aí?
___ Consegui fugir dele e na tensão cheguei a realmente esquecer-me de Margarida.
___ Não a achou?
___ Não.
___ E Bruno?
___ Saiu atrás de mim, mas fui mais rápido. Ainda tentando me capturar, ele encontrou o padre José Albino em uma cabana abandonada. O padre lhe explicou tudo o que acontecera e contou do homem que ainda pretendia matá-lo. Enquanto isso, Ivon exigia que Joaquim lhe devolvesse o testamento que roubara. Ivon negou e respondeu que o testamento pertencia a mim.
___ Avance novamente.
___ Margarida, muito cansada e machucada, conseguiu nos achar e chorosa revelou-me que fugira de Bruno. Eu não quis acreditar e novamente voltamos a discutir.
___ Você era muito desconfiado e não tinha nem um pingo de confiança nela.
___ Às vezes, quando começo a me analisar, acho que ainda sou assim.
___ Mas não deseja ser, estou certo?
___ Sim.
___ Continue.
___ Bruno, Martolo e Helena se encontraram. Ela comentou com Bruno que tudo não passara de uma terrível intriga do tenente Ivon e de Omário contra mim, pois o testamento apresentado era falso. A polícia invadiu a casa de Joaquim a procura do testamento. A namorada dele lhe disse que era muito perigoso continuar guardando o testamento em casa e que deveria devolvê-lo ao seu legítimo dono. Henrico comentou com Bruno que pensasse muito bem antes de acabar com a minha vida, pois Margarida nunca o perdoaria. No mesmo dia, Joaquim foi espancado por ordem de Omário. Henrico procurou Margoni Pilar para contar que seu marido mandara espancar Joaquim na intenção de recuperar o testamento e proteger Maryana, sua amante.
___ Avance um pouco.
___ Caio procurou Bruno e pediu a ele que conseguisse uma audiência com o governador. Bruno disse que se realmente fora cometida uma injustiça comigo, ele seria o primeiro a fazer de tudo para esclarecer a situação.
___ Mas ele não estava com raiva de você, inclusive queria matá-lo?
___ Sim, mas a verdade é que Margarida não o amava mais e ele tinha consciência disso, sabia que me matar apenas ia piorar tudo e como Henrico dissera, ela nunca o perdoaria. Continuando, Maryana ficou furiosa quando Helena mencionou o fato dela ser uma impostora e lhe deu uma bofetada. Helena devolveu a agressão e as duas se agarraram numa briga feia. Margoni Pilar foi à casa de Joaquim e entregou a Henrico o meu testamento.
___ Mas este não estava com Ivon?
___ Acontece que Ivon havia escondido o testamento verdadeiro exatamente na casa de Omario.
___ Porque fez isso?
___ Porque Omario poderia mandar procurar o testamento em qualquer lugar, mas jamais desconfiaria que o testamento estava em sua própria casa.
___ Muito inteligente. Omario alguma vez procurou esse testamento na casa de Ivon?
___ Sim, invadiu a casa de Ivon mais de uma vez a procura do documento e logicamente foi em vão. Como dizia, Margoni encontrou o documento no meio de alguns livros seus e julgando ser o certo, entregou para Henrico. Caio contou a Bruno que o meu processo seria reaberto, pois haviam encontrado o verdadeiro testamento e se tudo ficasse esclarecido, me devolveriam os bens e o sobrenome de meu pai.
___ Assim, seu casamento continuaria sendo legal.
___ Isso mesmo. Continuando, Odelmo disse a Omário que Henrico já apresentara o testamento verdadeiro e o governador ordenara que o caso fosse reaberto.
___ Interessante. A justiça divina nunca falha.
___ Maryana disse ao tenente Ivon que ele precisava matar Helena porque ela era uma mulher muito perigosa e sabia da falsa identidade de Maryana em não se tratar da verdadeira Marselha. Ivon sugeriu a Maryana que a acusasse de roubo, o que era algo muito grave na época. Caio perguntou a Helena se ela gostaria de ser sua esposa. Ela respondeu que ia pensar na proposta.
___ O que aconteceu com a historia do testamento?
___ Padre Albino que permanecia protegido pelos soldados e Helena, diante do juiz, reconheceram o testamento verdadeiro que continha a assinatura do meu pai. Enquanto isso, Sílvio confessava-me que sempre fora apaixonado por Bianca e que gostaria de se casar com ela.
___ Maryana acusou Helena de roubo?
___ Sim, disse aos policiais que sua casa fora invadida durante a noite e varias de suas jóias haviam desaparecido garantindo que reconhecera uma delas no pescoço de Helena. Dessa forma, Helena foi presa e acusada de roubo.
___ Avance um pouco.
___ A namorada de Joaquim ameaçou Omário de contar para todos que ele mandara agredir seu cunhado, além de ter falsificado um testamento e seqüestrado um sacerdote para favorecer sua amante, caso Maryana não retirasse a queixa contra Helena.
___ E a queixa foi retirada?
___ Sim.
___ Continue.
___ Margarida estava deixando uma carta para mim e retornando as escondidas para a cidade. Ao retornar, Margarida encontrou com Bruno num campo de batalha. Eu que furioso já estava atrás dela, achei-a junto de Bruno e meu sangue ferveu mais ainda. Estava preste a enfrentar Bruno e buscar Margarida quando Sílvio me golpeou exatamente para que não fosse atrás dela. Nesse momento, Bruno nos viu e Margarida, desesperada, suplicou a Bruno que não me matasse. Margarida deixou claro para Bruno que me amava e queria ficar comigo que era seu marido, acontecesse o que fosse. Chorando e soluçando, ela o implorou que me deixasse em paz. Bruno irritado e furioso, perguntou como ela podia ser tão obcecada por um homem que a comprara. Não consigo saber sobre o que mais conversaram, apenas sei que eu estava desmaiado nesse momento e inclusive começo a sentir uma leve vertigem.
___ Pode avançar se sentir que isso facilita.
___ Sílvio disse a Bianca que gostaria de se casar com ela e prometeu fazê-la muito feliz. Conversando com Bianca, pedi a ela que fosse até a cidade para certificar se Margarida chegara bem. Nesse exato momento, um dos soldados enviado por Omário para me matar, atirou em Bianca que se colocou na minha frente para me salvar. Bianca ficou gravemente ferida e pegando minha arma, matou o soldado com um só tiro.
___ Torne a avançar.
___ O governador ordenou ao juiz que desse a sentença a meu favor, mas que não relacionasse o nome de Omário no caso, pois não deviam desprestigiar os membros do partido.
___ O que aconteceu com Bianca, ela se recuperou?
___ Não. Bianca, em seus últimos minutos de vida, revelou ao filho que sofrera muito quando fora obrigada a se separar dele, mas que sempre o tivera em seu coração. Logo em seguida, ela faleceu. É muita tristeza, posso avançar?
___ Sim, me fale sobre Margarida.
___ Martolo encontrou com ela e nesse momento eu também apareci. Pedi a ela que fosse embora comigo. Martolo disse-me numa afronta que ia dar ordens a seus homens para que atirassem contra mim caso insistisse em levá-la comigo. Enfurecido, perguntei a Martolo se ele pretendia matar-nos como Bruno ordenara que matassem a minha mãe.
___ Mas não foi Omario que ordenou isso?
___ Sim, mas eu não sabia e logicamente desconfiava de Bruno.
___ Entendo, continue.
___ Disse a Martolo que ele e seus homens estavam em minoria e, portanto, era melhor se retirarem. Enquanto isso, Joaquim procurava o governador e pretendia contar-lhe tudo o que sabia sobre Omário.
___ O que aconteceu quanto à investigação do caso do testamento?
___ O governador ao analisar tudo novamente, verificou o erro cometido e informou à família de Margarida que o Estado devolveria os bens e o meu sobrenome. Enquanto isso, Sílvio acusava Bruno de covarde e traidor por ter tentado matar-me, informando-o em seguida que quem morrera fora Bianca.
___ Ele também pensava que o culpado fosse Bruno.
___ Sim.
___ E o que Bruno fez ao ser acusado de algo que desconhecia?
___ Ele interrogou o soldado que atirara contra mim e este confessou que recebera ordens de Odelmo Benitez. Ao saber disso, Bruno tentou esclarecer a situação e mandou Odelmo para a prisão. Omário, cinicamente, propôs a Bruno que declarasse diante das autoridades que Sílvio estava louco e que pedisse a libertação de Odelmo. Bruno, furioso, disse que ia agir com o rigor da lei. Logo depois, Martolo contou a Bruno que Margarida e eu havíamos ido embora.
___ E Maryana, como estava no meio de sua própria mentirada?
___ Maryana disse a Daniela que precisaria me devolver tudo, mas garantiu que Omário ia lhe dar uma fazenda onde ela viveria como uma rainha.
___ Será que ela era tão tola assim?
___ Mas realmente Omario tinha lhe prometido uma fazenda.
___ Duvido que ela consiga se safar do que fez sem ficar impune. E Marselha, não estava chegando à cidade?
___ Bem, não sei nada sobre ela no momento.
___ Certo, continue.
___ Bruno confessou a Martolo que tentara violentar Margarida e fora por isso que ela fugira comigo.
___ Então ele tentou violentá-la?
___ Sim, ele estava muito enfurecido porque ela lhe garantiu que queria a mim e já não sentia nada mais por ele. Bruno jurou estar arrependido do que fizera e queria uma oportunidade para pedir-lhe perdão. Martolo perguntou a Bruno se ele ainda tinha esperanças de que Margarida o aceitasse. Bruno começou a chorar e nada respondeu.
___ Avance um pouco.
___ Omário disse a Sílvio para que me procurasse e me desse o recado de que estava com meu filho. Se em três dias eu não aparecesse, nunca mais voltaria a ver o menino.
___ E ele realmente raptara o menino?
___ Não. Mas Ricardo de fato havia desaparecido.
___ E onde estava?
___ Uma índia o encontrara perdido na praça.
___ Como ele foi parar nessa praça?
___ Não sei, acho que a criada se descuidou dele e a índia o levou achando que estivesse perdido.
___ Bem, continue – solicitou o psicólogo.
___ No meio de uma batalha, Bruno me contou que meu filho desaparecera. Ulisses me disse que aquilo deveria ser apenas uma mentira dele para matar-me. Meu filho estava numa cabana, no meio do campo dos ciganos, junto da índia que o estava tratando como um filho.
___ Avance de novo.
___ Omário ficou sabendo que Maryana usurpou a identidade da minha verdadeira sobrinha.
___ E o que ele a diz?
___ Apenas a avisou de que se o juiz descobrisse a verdade, ela não teria como se salvar.
___ Continue.
___ Bruno desafiou Omário para um duelo e disse ao governador que estava cansado de ver Omário destruir a vida das pessoas e não pagar por nada do que fazia. Martolo perguntou a Bruno qual era o motivo do duelo com Omário e Bruno respondeu que estava cansado de tantas falcatruas e admitiu que torcia pelo exército dos rebeldes. Enquanto isso, Sílvio entregava-me à mensagem de Omário.
___ Interessante saber que Bruno também estava se tornando um rebelado.
___ Sim.
___ Me conte de você e Margarida – pediu o psicólogo.
___ Margarida estava retornando para a cidade e pediu varias vezes que não me entregasse, pelo menos enquanto não recebesse notícias suas. Logo depois, Marselha chegou na cidade e procurou pelo padre José Albino.
___ Porque ela procurou por ele? Ela o conhecia?
___ Não sei. Creio que não, pois caso contrário, ele teria desconfiado da identidade falsa de Maryana ao se fazer passar por Marselha.
___ E ela o encontrou?
___ Sim. O padre, ao saber que aquela possivelmente era a verdadeira Marselha de Liz, lhe contou tudo o que Maryana fizera para ficar com a minha fortuna e pediu a ela que denunciasse Maryana por usurpação.
___ Marselha conhecia Maryana?
___ Sim, as duas eram amigas. Se Maryana não conhecesse Marselha, não teria tido oportunidade de fazer o que fez.
___ Logicamente, minha pergunta foi totalmente tola. Prossiga.
___ O padre a convenceu quando disse que uma família fora destruída por causa da ambição de Maryana. Com o desenrolar dos acontecimentos, Maryana foi presa.
___ E Margarida, retornou para a cidade?
___ Sim, ela voltou para a casa e contou para Joanina e Gertrudes que seu filho estava nas mãos de Omário. Margarida suplicou a Margoni Pilar que convencesse o marido a devolver a criança. Margoni Pilar, tomando as dores da amiga e desde muito irritada com o marido, principalmente por ele assumir perante todos que Maryana era sua amante, recriminou o marido pelo seu comportamento e mais uma vez ela foi agredida por ele. Enfurecida ela separou suas coisas tomando a decisão de se separar de Omário.
___ E para onde ela vai?
___ Para a casa da namorada de Joaquim.
___ Quer alguns minutos de descanso?
___ Não, está tudo bem comigo.
___ Então continue.
___ Bruno e Margarida se encontraram sem mais nem menos. Bruno pediu perdão e prometeu ajudá-la a encontrar o filho. Enquanto isso, Omário e Ivon discutiam quando Ivon atirou em Omário que caiu gravemente ferido. Ivon tentou fugir, mas Joaquim e Henrico o impediram. Omário morreu nos braços de Maryana. Margarida tentou forçar Maryana a lhe dizer onde estava seu filho e a esbofeteou com força. Helena, aparecendo no local, tentou fazer as pazes com minha esposa dizendo que não se podia obrigar ninguém a amar o outro e desse modo, não tinha como ela querer que eu a amasse, pois meu coração já era todo de Margarida e só lhe restava desejar que ela fosse feliz ao meu lado. Margarida aceitou o pedido de desculpa vendo a sinceridade de Helena e também desejou que ela fosse feliz ao lado de Caio.
___ Helena aceitou a proposta de casamento?
___ Sim, Caio era um bom homem, trabalhador e honesto. Além do mais, ele a amava e nem se importava pelo fato dela ter sido minha amante e, portanto, não ser mais uma moça casta.
___ E você, o que lhe aconteceu?
___ Margarida mandou dizer-me que não deveria me entregar, pois Omário não estava com a criança. Enquanto isso, Ana comunicava com seu irmão que estava esperando um filho de Henrico e exigiu que este lhe devolvesse sua parte na herança, pois caso contrário, o processaria. Margarida espalhou folhetos pela cidade com o retrato de Ricardo e a índia, ao receber um destes, confessou estar com o menino e o entregou para Joanina.
___ Você recebeu o recado a tempo?
___ Não.
___ Foi o que temi. O que te aconteceu? Caiu na armadilha?
___ Sim. Caio informou-me que meu filho já fora devolvido. Pedi a ele que me levasse Margarida e o menino para que pudesse me despedir, uma vez que estaria indo para a prisão dentro de algumas horas. O governador acabara de dar ordens a Bruno para que fosse executado num prazo de trinta e duas horas. Helena foi à prisão pedir-me perdão por tudo que fizera para separar-me de Margarida e contou-me que ia se casar com Caio. Margarida e meu filho também foram me visitar na prisão e eu contei que seria executado logo na manha do dia seguinte. Margarida sofreu uma crise nervosa e foi retirada da cela a força por um soldado. Desesperada, ela se ofereceu de ficar com Bruno para o resto de sua vida, se em troca, ele me ajudasse a fugir.
___ Bruno aceitou?
___ Sim, ele entrou na cela onde eu estava e me disse que em outras circunstâncias teríamos sido bons amigos, mas infelizmente havíamos nos apaixonado pela mesma mulher. No final, Bruno revelou tristemente que eu ganhara a batalha amorosa, pois tinha conquistado com mais força o coração de Margarida. Dessa forma, ele me libertou dizendo que fazia aquilo mais por Margarida do que por mim e que era para eu fazê-la feliz já que ela me escolhera e era a mim que amava. Ao sair da prisão, me encontrei com Margarida e choramos juntos durante muito tempo. Naquele momento era como se houvesse nascido novamente. Juro que apenas estava esperando pela morte, nada mais.
___ Mas Bruno não podia ter...
___ Não. O governador ao saber que ele me libertara, ordenou que o executassem imediatamente por motivo de traição.
___ Ele não fugiu?
___ Ele tinha muito caráter para fugir como um covarde.
___ Mas era sua vida que estava em jogo.
Luiz começou a chorar e entre soluços pode pronunciar com grande sofrimento aquilo que estava engasgado em sua garganta:
___ Ele ia morrer por Margarida, mas não só por ela, eu era o culpado de tudo.
___ Mas ele agiu por conta própria.
___ Sim, mas...
___ Se acalme.
___ Uma vez que perdera Margarida, ele não encontrara mais motivos para viver.
___ A vida é feita de escolha e nelas temos sempre de enfrentar as perdas.
Luiz continuou em soluços sem nada mais dizer.
___ Lhe darei alguns instantes, respire fundo e tente conter o choro. Relaxe suspirando bastante, profundamente. Pense em momentos alegres, pense em momentos que fizeram você se derreter de ternura. Sinta o gosto de mel em sua boca, sinta o perfume das flores que você acha bonitas, sinta a temperatura de uma noite de verão estrelada, ouça a música alegre, imagine junto dela uma melodia de um rouxinol, mantenha seu coração pleno de boas emoções...
Após alguns minutos, Luiz garantiu estar mais calmo e retornou ao seu relato:
___ Ao retornar para a fazenda, ainda tive a capacidade de questionar Margarida se ela tivera algo a ver com a atitude de Bruno e se tivera que dar algo em troca do favor. Margarida chorando, confessou que prometera ir embora com Bruno se ele me salvasse da morte. Sem querer brigar com Margarida, até porque percebera que Bruno já abrira mão dela e provara ser um homem muito decente e justo, me despedi dos meus amigos e prometi a Margarida que voltaria. Enquanto isso, Bruno pedia a Martolo que entregasse uma carta para dona Suzana e outra para Margarida. Bruno estava preste a ser fuzilado quando eu e os homens do grupo dos rebeldes aparecemos para resgatá-lo. Começou uma batalha, Bruno foi atingido e acabou por morreu nos meus braços. Dona Suzana encontrou com Margarida no cemitério e disse que Bruno pedira para ser enterrado ao lado de Verinha.
___ Estou um tanto chocado. Bruno realmente morreu?
___ Sim. Ele morreu em nome do seu amor. Ele pensou mais em Margarida e também um pouco em mim, do que em si próprio. Ele morreu no meu lugar.
___ Bruno era um homem de uma grandeza fantástica.
___ Sim, devo a vida por ele, percebe?
___ Chego a me arrepiar só de pensar nisso. Acho que futuramente você ainda vai se encontrar com Tiago, não pensa o mesmo?
___ Tomara que sim, mesmo sabendo do envolvimento dele com Analice, quero tê-lo mais do que nunca como amigo e espero que um dia consigamos realmente ser companheiro um do outro.
___ Fico feliz em ouvir você dizer isso. Não vamos dispersar, continue relatando.
___ Margarida recebeu uma carta minha onde a informava de que logo estaria de volta, pois o outro governo já tinha o controle do país. Henrico disse a Caio e ao padre José Albino que vira o meu nome na lista dos mortos. Margarida sofreu uma crise nervosa ao saber que o meu nome constava na lista, mas ao mesmo tempo, tinha esperança de voltar a ver-me. Alguns dias depois, voltei com Sílvio para a fazenda. Depois de uma grande festa para comemorar a minha volta, eu e Margarida fizemos amor e juramos amar um ao outro eternamente.
___ Parece que a promessa continua valendo, não é mesmo?
___ Sim – sorriu Luiz levemente.
___ Continue.
___ Não consigo ver mais nada.
___ Se concentre – recomendou o psicólogo.
___ Tenho medo, não sei do que – relatou Luiz.
___ Um dos problemas que mais atrapalham nossa vida é o medo, mas precisa enfrentá-lo. Não podemos deixar o medo se apoderar de nós, mas sim encontrar um meio qualquer que seja para libertar-se do negativismo que predomina em nossas vidas. É dessa forma que surge diante de nossos olhos um mundo menos ameaçador, mais alegre. Não tenha medo, pois ele é uma barreira que o impede de moldar à vida da forma como deseja. Todos nós precisamos de coragem para caminhar e saber enfrentar os obstáculos reais e imaginários. Reduza o seu medo desenvolvendo a sua capacidade de enfrentar tudo o que surgir no seu caminho, sinta-se confiante para isso. Lembre-se, o importante é você ser capaz de enfrentar tudo, em qualquer situação, aconteça o que acontecer. Procure desenvolver um alto grau de autoconfiança e afaste o medo de sua vida.
___ Mas o medo sempre existirá, é impossível acabar com ele.
___ Logicamente, pois a cada momento temos uma situação nova diante de nossos olhos, uma ansiedade diferente. O medo sempre vai aparecer quando tivermos de lidar com uma situação nova ou desconhecida. O que tento lhe explicar é que a única maneira de se livrar desse mal é fazer aquilo que mais se teme. Seguir adiante mesmo tendo medo é a melhor libertação que podemos encontrar. Tem mais uma coisa que vale ressaltar, você não é o único a sentir medo do desconhecido ou do futuro, pois toda a humanidade o sente e se alguns sentem menos, é porque já acostumaram a enfrentar tal sentimento. Tenha coragem na medida certa, treine o seu pensamento a fim de não temer a busca de concretizar os seus próprios desejos. Caso contrario, se sentirá impotente e garanto-lhe que enfrentar o medo é menos assustador do que viver com um medo latente que nasce de um sentimento de impotência. Pode continuar em seu relato, se concentre ao máximo e não tenha medo.
___ É impossível, acho que chegou ao fim que você disse anteriormente.
___ Tudo bem, talvez não tenha permissão para saber mais coisas. A continuação dos fatos pode interferir nas suas decisões futuras. Isso quer dizer que paramos por aqui?
___ É o que parece. Não consigo saber mais nada.
___ Tem certeza que chegou ao fim do seu relato?
___ Sim.
___ E como se sente?
___ Estou me sentindo angustiado, não me sinto bem – clamou Luiz fechando os olhos com mais força.
___ Não baixe seu padrão vibratório, tente se manter calmo e tranqüilo, tenha em mente que nada lhe incomoda neste momento, respire fundo e esqueça do mundo.
___ Estou sentindo como que flutuando sobre as ondas do oceano.
___ Você esta entrando numa concentração mais funda, num relaxamento mais profundo, isso é normal, demonstra que recordará de detalhes mais ocultos.
___ Está tudo muito sinistro, eu não sei, começo a sentir-me muito bem agora, foi de repente, o que está acontecendo?
___ Percebe algo diferente além do que sente, quero dizer, consegue ver ou escutar algo além da musica e da minha voz?
___ Sim, mas não sei o que é, não é barulho, mas não estou no silêncio.
___ Não são vozes?
___ Não, são sons muito diferentes.
___ Interiores ou exteriores.
___ Não sei, me sinto muito estranho, tenho a sensação de que quero chorar, de que estou triste, mas é como se essa tristeza fosse, não sei explicar, é como se acabasse de vencer uma batalha, uma guerra, é como se acabasse de passar por uma tragédia muito grande e conseguisse me salvar. O que me está acontecendo?
___ Sabe dizer se este sentimento te traz paz?
___ Sim, muita, mas também dói profundamente em meu peito, não posso suportar, o que acontece comigo? Diz, parece que tem uma pedra na minha garganta, não sei o que é.
___ Se sente engasgado?
___ Isso, exato, me responda, o que está acontecendo?
___ Como posso saber? É a primeira vez que você sente isso?
___ Nessas proporções sim.
___ Deseja retornar e sair do estado de regressão no qual se encontra?
___ Não, preciso desabafar, quero tirar esse sentimento de mim, quero senti-lo agora e deixar que ele desapareça depois.
___ Esse sentimento, por pior que seja, está dentro de você e lhe perturbará todas as vezes que manter contato com esse nível de vibração, quando recordar de algo nesse sentido, entende?
___ Sim, mas porque parece um sentimento belo que transparece paz se não é assim?
___ A paz e a agonia são dois extremos completamente diferentes, mas que se misturam quando não sabemos compreendê-los e vivê-los da forma certa. Muitas das vezes precisamos dos momentos de agonia para saber valorizar a paz, entenda que um acaba se tornando complemento do outro. Depende do estado de espírito no qual se encontra para visualizar o que é sentir um ou o outro. Nesse momento você se encontra num meio termo e não sabe identificar o que realmente está sentindo, mas independente disso pode controlar e comandar o seu corpo além de sentir as batidas do seu coração, pode perceber a sua respiração constante. Leve o ar aos seus pulmões, respire fundo e garanta para si mesmo que somente bons sentimentos fazem parte de si próprio. Espante as tristezas, pense na felicidade, imagine o quanto o mundo é grande e o quanto ainda lhe falta para poder conquistá-lo, explorá-lo. Lembre-se do céu, da imensidão do oceano, no verde que cobre a terra, nos animais que enfeitam as matas, em você que tem uma vida pela frente, cheia de realizações. Consegue transformar a angustia em um sentimento de leveza? Consegue dominar o seu próprio pensamento e comandá-lo de forma que este lhe proporcione o que de melhor possa sentir e viver?
___ Acho que isso é muito difícil. Não, não – disse Luiz começando a se debater sobre a poltrona com muita força e violência. – Não, não, isso não.
___ Tente se acalmar – solicitou o psicólogo tentando segurá-lo.
___ Está tudo alterado, muito rápido, estou ficando tonto, o que está acontecendo?
___ Não se preocupe, tente manter a sua calma.
___ Não, estou com pressa, tem de ser agora, rápido.
___ Você está num estado alterado de consciência – verificou o psicólogo percebendo a respiração rápida e acelerada de Luiz.
___ Estou ficando surdo, rápido, o que está acontecendo comigo, vou desmaiar, socorro, me ajuda.
___ Você está bem, tente tomar consciência de seus sentimentos físicos, seu corpo está parado e seus movimentos involuntários continuam normais, tente respirar com calma.
Luiz aos poucos foi voltando ao normal, porém sua pulsação ainda estava agitada e suas mãos tremiam como se acabasse de levar um susto muito grande. Voltando aos poucos ao normal, muito tonto e sem nenhuma noção do que acontecera, Luiz abriu os olhos e desabou-se num choro compulsório como nunca tivera.
___ Permaneça deitado – recomendou o psicólogo vendo que ele retornara antes do momento previsto.
___ Não sei o que aconteceu, quero morrer, não quero mais viver, me entende?
___ Feche os olhos, você vai ficar bem.
___ Me entende?
___ Não, porque quer morrer?
Luiz permaneceu calado.
___ Viu algo mais sobre você e Margarida?
___ Não.
___ Porque entrou nesse estado depressivo?
___ Não sei, estou agitado, parece que vou explodir.
___ Sente um torpor percorrer pelos membros das mãos e pés?
___ Sim.
___ Estou te levando a um grau profundo de hipnose, você escuta apenas a minha voz, muito longe, longe, longe – repetia o psicólogo abaixando a voz.
___ Vejo o céu muito preto e está cheio de urubus a minha volta, eles vão me atacar.
___ Não tem urubu nenhum, eu estou com você, quero que retire esses reflexos e veja apenas uma tela branca.
___ Não posso, tem muita fumaça, estou ficando sufocado, estou preso – respondeu Luiz ainda mais agitado.
___ Tente se acalmar, você sabe que nada disso é real.
___ Margarida, não, não – gritou Luiz eufórico e tenso.
___ O que acontece?
___ Não, tenho que salvar Margarida.
___ Salvar porque?
___ Ela é minha.
___ Não entendo, pode ser mais claro?
___ Ela vai morrer, não, não – continuava gritando Luiz.
___ O passado já passou, não se altere por ele.
___ Mas é Analice quem corre perigo. Tenho que salvá-la.
___ Você está vendo Margarida ou Analice?
___ Analice.
___ O que vê?
___ Tenho que salvá-la, estão levando-a.
___ Diz isso com consciência?
___ Sim, estou consciente, quero voltar, preciso salvar minha esposa.
___ Contarei até três e você retornará para o ambiente da sala.
___ Sim, rápido.
___ Um, Dois, três – concluiu o psicólogo estralando os dedos e retirando a mão de cima da testa suada de Luiz.
Imediatamente Luiz sentou-se na cama e desesperado tentou se acalmar.
___ Procure ficar deitado para não desmaiar, ainda está muito tonto.
___ Eu vi, era Analice, onde está meu celular, preciso ligar para ela – disse ele retirando o aparelho do bolso e discando com agilidade.
___ Sabe me explicar o que viu?
___ Não, mas estou com um pressentimento muito ruim e sei que não tem nada a ver com a regressão que fazia.
___ Porque não tenta se acalmar, nesse estado alterado não conseguirá raciocinar direito.
___ Tem razão – confirmou Luiz ainda num pranto sentido.
___ Se sente melhor?
___ Não – soluçou ele gaguejando ao mesmo tempo.
___ Tudo se resolverá – garantiu o psicólogo.
___ Não, quero Analice, onde ela está? Ninguém atende em casa e o celular dela está desligado.
___ Pode ser que você esteja preocupado a toa.
___ Não, não estou, tem alguma coisa acontecendo com ela ou então vai acontecer.
___ Como pode ter tanta certeza disso?
___ Você é que deveria ter uma explicação para me dar, como posso saber? Quero ir embora. Vou ligar para meu motorista vir me buscar, pois hoje realmente não estou em condições de dirigir. Olha só – mostrou Luiz sua mão tremula que segurava o celular. – Não paro de tremer, minhas pernas estão bambas.
___ Não sabe me dizer o que viu ou sentiu?
___ Que Analice vai morrer, mas não quero que isso aconteça e se não acredita em mim, não me importa, só sei que tenho de agir rápido ou então será tarde demais. Eu amo Analice muito mais do que amava Margarida, nosso amor se multiplicou e tenho total garantia disso que falo, mas preciso agir de imediato, alguma coisa muito seria está para acontecer – dizia Luiz enquanto discava os números no celular na tentativa de falar com um de seus motoristas particular.
___ Fique a vontade, se quiser pode tomar um pouco de água com açúcar, pedirei para a secretaria trazer.
___ Sim, obrigada – aceitou Luiz realmente tentando se acalmar e conter o choro que desde anos não se fazia em sua vida. – Não sei porque, mas sinto que é a dor que reforça o amor. Seria capaz de dar minha vida por Analice nesse momento – continuou ele dando vazão ao choro novamente. Deveria ter dito mais vezes a Analice que a amava e o quanto a queria bem.
Luiz não estava errado em suas previsões. Levada às pressas para o hospital com uma complicada e grande hemorragia, Analice sentia as forças de seu corpo finalizarem os seus sentidos.
Ao conseguir chegar no hospital, após tomar um táxi e ficar meia hora num terrível congestionamento, Luiz verificou que já era tarde de mais. Analice estava numa sala separada, coberta com um lençol branco. Ali apenas seu corpo descansava duro e imóvel como uma pedra. Sobre este, as lágrimas de Luiz marcaram os dolorosos momentos intermináveis de dor profunda e sofrimento.
Ao conversar com o medico, depois de passado a susto e o desespero maior, Luiz tomou conhecimento da situação e ficou sabendo que, por graças divinas, suas duas filhas gêmeas estavam vivas e perfeitas numa incubadora. Olhando para aqueles seres tão pequenos, Luiz tentou se conformar e ser forte, pois a vida continuaria e diante dele, uma responsabilidade se tornava ainda maior, a se ser pai e mãe ao mesmo tempo.
Luiz estava aprendendo mais uma lição: para cada perda, há sempre um ganho. Na vida, nada é eterno e tudo é passageiro, exceto nossa alma. Geralmente nos apegamos à existência material, acumulamos bens e pessoas. Não gostamos quando temos que nos separar delas. É doloroso, triste. Contudo, um dia, vamos nos separar e isso é inevitável. O luto precisa ser vivido de acordo com as crenças e valores culturais, religiosos e pessoais de cada um. Negar a dor de uma perda é como negar a própria vida. Perder dói, mas é um sofrimento que tem cura.
Todos aprendemos a superar a morte. O tempo é o melhor remédio, feito por Deus, para que a nossa ferida seja curada e cicatrizada. Para Luiz, a experiência da morte de sua amada esposa e mãe de suas filhas, era uma lição de sofrimento que serviria para o seu crescimento pessoal e para o crescimento de toda família de Analice. A experiência, que fazemos da morte, deve nos levar a sermos diferentes com as pessoas: mais amáveis comprometidos e solidários.

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