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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Capítulo 2 – Percorrendo a linha do tempo

Depois de varias cessões tentando pela regressão de memória, Luiz finalmente conseguiu atravessar o túnel dito pelo psicólogo e acompanhando as orientações deste verificou que se encontrava numa época totalmente distinta da atual em que vivia. O cenário das ruas de pedra, das charretes, dos vestidos rodados das mulheres, enfim, tudo lhe era dessemelhante do cotidiano, comprovando que realmente estava numa outra época vivida no passado.
___ O que visualiza?
___ Estou confuso.
___ Não tem problema, me conte o que estiver vendo.
___ Uma ambulância.
___ Está dentro dela?
___ Sim. Estou tenso, não desgrudo os olhos do pára-brisa. De minuto em minuto ainda olho pelo retrovisor lateral para os veículos que vem atrás. Meia hora antes eu tive de me jogar no chão para me proteger.
___ Proteger do que?
___ Da batalha, as bombas que explodiram na nossa volta. Mantenho firme, os olhos presos na estrada, a procura de fios que denunciem minas. O comboio de uma dúzia de ambulâncias e caminhões já retirou mais de duzentos pacientes de um hospital quase demolido pela artilharia. Não – gritou Luiz desesperado.
___ O que foi?
___ Um estrondo terrível acabou de sacudir a ambulância. Pelo retrovisor, vislumbro uma nuvem de fumaça negra. Ao lado há uma enorme cratera perto do oitavo veiculo do comboio. À frente do caminhão está destruída. Quase dois metros adiante, caídos na estrada, eu vejo os corpos dilacerados e ensangüentados de duas enfermeiras que tinham sido projetadas através do pára-brisa do veiculo.
___ Não se afobe, fale mais devagar.
___ Com muito cuidado, um homem da equipe esta virando os corpos de costas enquanto uma anestesista preocupada tenta cuidar dos ferimentos mais graves. O rosto de uma delas está desfigurado pelos cortes do vidro. O ângulo irregular dos pés sugere fraturas nas pernas, o maxilar está solto.
___ Continue.
___ Estou indo socorrê-la.
___ É medico?
___ Não sei. Acabo de pegar meu estojo. Dentro dele retiro um aparelho. Estou introduzindo pelas cordas vocais da moça e sei que ele vai até a traquéia.
___ Para que serve isso?
___ Para bombardear ar aos seus pulmões. As lesões cerebrais estavam prejudicando a capacidade dela respirar espontaneamente. Ela está em coque e com hemorragia interna.
___ Respire, está muito tenso.
___ Inicio uma infusão para introduzir líquido em seu organismo. Começa a chover. Enquanto isso, algumas equipes de televisão aparecem como do nada. Se fosse na época de hoje diria que precisava urgente de um helicóptero bem equipado, apesar de que as nuvens estavam muito baixas para que um helicóptero pudesse voar. Tudo o que tínhamos para socorrê-las eram dois veículos blindados. Um sargento de expressão severa e um soldado corpulento acaba de subir conosco na parte de trás do veiculo. Na frente sentam-se o motorista e outro soldado. Todos me olham num silêncio sombrio. Ocupei-me acomodando as macas no chão blindado e prendendo a bomba de infusão no teto. Mesmo na semi-escuridão, posso ver a cor fugindo-lhe do rosto quando eu paro de ventilá-la. O som barulhento do automóvel e pneus guinchando movem-se a toda velocidade.
___ Tente projetar mais no futuro e relate como se tudo já houvesse acontecido. Não precisa se enfocar tanto a ponto de sentir tudo como se vivenciasse tudo novamente.
___ Um carro, obviamente descontrolado, vinha com velocidade para cima de nós. Não houve tempo para fazer nada, tudo aconteceu num milésimo de segundos. A imagem daquele carro subindo a calçada a poucos metros de distancia ainda se mantém firme em minha mente.
___ Essa foi sua ultima existência?
___ Não sei, tudo me parece muito confuso.
___ Relaxe, tente esvaziar a mente e então volte a sua concentração ao ponto inicial.
___ Tem muita coisa...
___ Pode me dizer em que século se encontra?
___ Ainda estou em duvida.
___ O que tens para me dizer?
___ Sempre dizem que o tempo muda as coisas, mas na verdade, somos nós que temos de mudá-las.
___ Tente saber em qual século...
___ Sim, século XIX.
___ Em qual ano?
___ Não sei ao certo ainda, talvez 1801, bem no começo, não, creio que, não sei – respondeu Luiz duvidoso.
___ Sabe me dizer como é a sua mãe?
___ Sim, ela é uma mulher humilde e sofrida. Quando jovem era costureira do povoado e do rico fazendeiro Mario Ricardo. Ela escondeu sua gravidez e quando nasci ela recorreu ao padre José Albino. Voltando ao povoado para saber como eu estava, me encontrou rico e casado com uma moça de família tradicional. Assim, ela decidiu não revelar sua identidade. Para estar próxima de mim, aceitou trabalhar como servente.
___ Quem é esse padre?
___ José Albino é o velho padre do povoado. Ele me protegeu desde o nascimento. Foi ele que me enviou para estudar com seus amigos religiosos. Albino é um homem piedoso, paciente, compreensivo e conciliador, porém possui uma forte personalidade e fala sempre na cara, sem rodeios.
___ Está bem, quero que volte mais ainda na sua linha do tempo, flutue sobre ela, você consegue se ver cada vez mais jovem nessa existência? O que me relata?
___ Sim – respondeu Luiz sem prosseguir.
___ Quero que pare no ponto onde ainda era um adolescente.
___ Sim.
___ Como está se sentindo?
___ Normal, mas um pouco atordoado.
___ Porque? O que consegue ver? Aconteceu-lhe algo?
___ Vejo Margarida. Ela está se encontrando às escondidas com o tenente Bruno, pois sua família não aceita seu relacionamento com um rapaz de família pobre. Ela é uma jovem linda.
___ Você gostava dela?
___ Muito, me apaixonei por ela assim que a vi.
___ Quando aconteceu seu primeiro encontro com ela?
___ Acho que foi numa festa, não tenho certeza disso.
___ Conte-me mais sobre essa época – pediu o psicólogo colocando o gravador mais próximo de Luiz.
___ Nessa época, uma das maiores aspirações de todo homem livre, de qualquer posição social, era a de possuir o seu escravo, pois isto significava, no limite, livrar-se do trabalho para o seu sustento, ampliar sua área de direitos e assegurar certo status. Essa situação não impedia a solidariedade dos pobres com os escravos, nem a aspiração destes à liberdade. A propriedade de um ser humano trazia naturalmente consigo deveres e obrigações, que não eram tão difíceis de serem atendidos, uma vez que cabia ao próprio escravo, o provimento de sua subsistência e muitas vezes o seu tratamento, em caso de doença. Existia o comércio interno de escravos, a venda e revenda, os preços para as diferentes categorias de escravos, os mais e os menos capazes, os de capacidade limitada para o trabalho, os escravos dos segmentos inferiores da população, os escravos de escravos, a mobilidade dos escravos, a sua solidariedade e organização, a consciência social, as comunicações entre escravos, à distribuição da população escrava entre aqueles que possuíam poucos escravos, etc. Não se esperou a abolição para que se desse á introdução do trabalho livre e se discutisse praticando as diferentes formas de agenciamento e contrato de trabalho.
___ Quer dizer que o sistema capitalista industrial tinha objetivos bem diversos do sistema colonial? – perguntou o psicólogo querendo confirmar realmente a época visualizada por Luiz.
___ Sim. O sistema de produção industrial desejava romper as barreiras do monopólio comercial e acabar com o regime de trabalho escravo.
___ Entendo. Com a industrialização, o antigo sistema colonial implantado pelos portugueses no Brasil foi condenado ao desaparecimento.
___ Esse fator de produção deu margem a um fluxo imigratório continuado ao longo da segunda metade do século XIX – continuou Luiz. - A imigração estrangeira para o Brasil tem outros condicionamentos externos como o esgotamento das terras na Europa, as tensões entre trabalhadores e grandes proprietários, as crises agrícolas, a opressão fiscal, o desflorestamento, a política comercial, o desemprego, as deficiências dos sistemas econômicos, incapazes de garantir trabalho para todos, o grande "negócio" em que a imigração transformou-se para o Estado, a expectativa de melhoria de vida na América, as flutuações do mercado mundial de trabalho, entre outras causas.
___ O que sabe me dizer sobre a família Real?
___ Devido à invasão franco-espanhola do território português, a família real foi obrigada a abandonar Portugal. Napoleão aliou-se a Espanha para invadir Portugal, porque Dom João se recusava a participar do Bloqueio Continental contra a Inglaterra. Dom João, sua família e uma comitiva de, aproximadamente, quinze mil pessoas, chegaram a Salvador na Bahia, no dia 22 de janeiro de 1808. Depois partiram para o Rio de Janeiro, onde foi instalada a sede do governo.
___ Correto. Como foi o fim do monopólio comercial?
___ Pressionado pela Inglaterra, Dom João decretou em 1808, a abertura dos portos às nações amigas. Dessa forma os ingleses poderiam vender seus produtos industrializados diretamente para os brasileiros. A revolução pernambucana de 1817 contou com apoio de todos os grupos sociais e de varias províncias. Pressionado pelas Cortes de Lisboa, Dom João VI regressou a Portugal, deixando sei filho Pedro no Brasil.
___ Continue me contando sobre as imigrações – pediu o psicólogo fazendo suas analises do contexto no qual Luiz vivera.
___ Embora as primeiras notícias sobre imigrantes vindos para o Brasil datem de 1817, somente na década de 1850 é que há maior incremento da imigração. Na lavoura cafeeira, as dificuldades encontradas pelos imigrantes, no seu processo de adaptação, chegavam a ser até de ordem natural: exuberância do solo, com plantas de extraordinário e rápido vigor, etc. Não transcorria em boas condições a viagem dos imigrantes do porto de desembarque no Brasil até a fazenda onde iriam trabalhar. As estradas eram precárias e o que se chamava de albergues para pernoitar não eram mais do que simples ranchos desabrigados. Embora a fazenda pudesse fornecer carros-de-boi ou tropas para o transporte dos colonos, não era raro terem que caminhar a pé, quando então as crianças, em grupos de quatro, eram acomodadas em cestas que as mulas carregavam. Para os velhos e doentes também eram reservados animais ou carros-de-boi. Como os imigrantes recebiam rações de alimentos durante a viagem, havia um intervalo para as refeições, que eram preparadas por eles próprios. Geralmente eram compostas de carne, arroz, feijão, café, açúcar e toucinho. O preparo da comida exigia a busca de lenha e água, o que resultava em não pouco trabalho. À noite não era raro dormirem no chão, em leitos de folhas. Os mais afortunados traziam arranjos de cama, o que permitia relativo conforto. Havia fazendas que forneciam, à chegada, esses arranjos, bem como o necessário ao estabelecimento da família dos colonos. Claro que tudo era debitado em suas contas. Sem entender muito do que se passava, famintos e cansados, tomavam conhecimento do "regulamento da fazenda", do qual geralmente recebiam copia. Esse documento tratava dos direitos e deveres de cada colono, compreendendo desde os negócios até os festejos. Na fazenda, a vida dos colonos era objeto de toda uma série de normas, que restringiam os próprios movimentos. Assim, em dia útil, ninguém podia ausentar-se sem autorização por escrito do diretor da colônia. A visita de parentes e amigos era também disciplinada, não podendo efetivar-se sem permissão. A obediência às normas era sob pena de multa, que muitas fazendas faziam reverter para uma caixa em benefício dos colonos. A distribuição de moradias era feita por sorteio, sendo que muitas casas por terminar exigiam dos colonos esse trabalho, em troca de certas compensações. Para os padrões de moradia do camponês europeu, as residências no Brasil eram bem deficientes. Dependendo do contrato, a moradia era cedida gratuitamente por certo período, ou então se cobrava aluguel desde o início. Um dos regimes de trabalho que mais se propagou, num certo período, entre os imigrantes nas fazendas de café, foi o contrato de parceria. Implicava um acerto, pelo qual o fazendeiro cedia ao colono determinada área de sua propriedade, com o respectivo cafezal, para ser cultivado, colhido e beneficiado, repartindo-se os resultados entre ambos, na proporção que fosse estipulada pelo contrato. Na verdade, era um sistema adotado como intermediação entre a escravidão e o trabalho livre. Mal protegido pela legislação que não garantia ao colono liberdade, segurança e acesso à propriedade, o sistema mostrou-se vulnerável, com deficiências que comprometiam o seu funcionamento. As partes contratantes defrontaram-se desde logo com um conflito de interesses, marcado pela mútua desconfiança. O colono partia do pressuposto, válido muitas vezes, de que o fazendeiro aproveitava-se de todas as operações, como exemplo a pesagem, o despacho, as vendas, etc., para locupletar-se. Enganados pelos agenciadores de viagem e recrutamento nas aldeias, os imigrantes construíam uma expectativa de rápido e relativamente fácil enriquecimento, que logo se desvanecia em esperanças perdidas. Num contexto diverso, mas em seguimento de certa prática que já vinha da escravidão, inclusive reconhecida como uma “brecha campesina”, os fazendeiros concediam aos colonos o plantio de cereais entre os pés de café, assegurando assim o abastecimento das fazendas. Em áreas menos próprias ao café, plantavam batata, milho, tendo também criação e vendendo o excedente aos domingos, nas feiras das vilas, depois do culto. A parceria foi marcada pela rápida percepção de ambas as partes de que os seus interesses eram prejudicados. Os fazendeiros alegavam, diante dos resultados que não correspondiam, que entre os colonos vinham vagabundos, condenados, enfermos, velhos, inválidos, etc. Da parte dos imigrantes, a falta de garantias e a realidade de sua redução a escravos estavam entre os motivos mais fortes para sua revolta. O mercado internacional de trabalho permitia recrutamento sem muito critério de racionalidade e seleção. Dessa maneira, não se levava em conta hábitos, habilidade profissional, códigos morais, idade, condições de saúde. Essas ocorrências eram agravadas por uma legislação falha, executada e fiscalizada precariamente. Os intérpretes abusavam de ambas as partes: fazendeiros e colonos. Em tese, alegavam seus defensores, o sistema de parceria oferecia ampla liberdade ao empregado, reduzindo os conflitos de tradições, costumes e convenções, não permitindo quistos raciais, vitalizando novas regiões. O empresário não passaria de simples rendeiro, repartindo o trabalho de administração e planejamento, bem como os riscos com o trabalhador rural. Embora o sistema de salários prefixados fosse oferecendo mais garantias aos colonos contra as oscilações do preço do café e de outros riscos, outros regimes de pagamento foram sendo praticados. Enquanto os colonos viveram com as suas famílias dentro da fazenda, comumente um simples ajuste verbal com o fazendeiro fixava o número de pés de café que competia a cada família cuidar, havendo aquelas que, por numerosas ou capazes, encarregava-se de oito a dez mil pés. O cumprimento da tarefa que lhes cabia, no que se incluíam o trato do cafezal e a colheita, determinava o pagamento que recebiam, tendo por base um ano agrícola, mas sendo feito mensalmente, em geral no primeiro sábado de cada mês. O controle contábil desse pagamento era feito precariamente, em cadernetas. Nesse processo incluíam-se os créditos dos colonos pela venda do excedente de sua produção ao fazendeiro, bem como as suas dívidas para com este. O regime comportava geralmente três formas de pagamento: fixo, por mil pés, sendo o colono obrigado a manter limpo e preparado o terreno para a colheita; por dia de trabalho, para os serviços de poda, adubação, reparos no equipamento de produção, etc. e proporcional ao número de sacas colhidas. O salário assim recebido era complementado pela lavoura de subsistência consentida ao colono, dentro das ruas do cafezal ou em terreno separado, pela criação doméstica, lenha, café para o consumo, etc. A exploração passou a ser tipicamente capitalista, na qual o fazendeiro era o empresário que assumia todos os riscos do negócio. O imigrante jovem e sadio fazia-se às vezes acompanhar de velhos e doentes, de quem não queria apartar-se, responsabilizando-se então pelo seu sustento, mas onerando, naturalmente, sua produtividade para o fazendeiro. A imigração possibilitou a continuidade da expansão cafeeira, após a abolição. Dignificou os trabalhos manuais, aviltados pela escravidão. Introduziu certos tipos de veículos rurais e instrumentos agrícolas europeus, ensinando novos métodos de utilização dos animais. Revolucionou a dieta alimentar brasileira: introduziu-se o consumo diário da manteiga fresca, do leite, as massas de farinha de trigo e fubá, dentre outras coisas que ingressaram definitivamente em nossa cozinha. O cultivo de hortas, pomares e jardins foram desenvolvidos. No meio urbano os imigrantes influenciaram os costumes e usos, a indumentária, as atividades lúdicas, a arquitetura, o lazer. Com a imigração uma série de novas ocupações foi sendo criada, além do que a pequena e a média indústria, origens dos grandes estabelecimentos fabris, foram-se desenvolvendo, muitas vezes a partir de um modesto atelier. Nas colônias verificava-se que as crianças até os quinze anos representavam cerca de metade da população total, proporção que chegava a ser três vezes maior que a dos filhos de escravos. Tanto os interesses do Estado quanto os dos fazendeiros convergiam para a introdução de famílias, uma vez que era uma forma de prender o imigrante a terra, não alimentando esperanças de volta rápida, diante da responsabilidade de mantê-los. Permitia também para o fazendeiro um trabalho suplementar barato, isto é, das mulheres e crianças. Não se tratava de uma concessão do sistema de imigração, com o sentido de abrir livremente a oportunidade de enriquecimento, tornando os colonos proprietários e promovendo a sua ascensão social. O próprio sistema engendrara novas formas de apropriação do trabalho do imigrante, mitificando então as oportunidades e elaborando um discurso ideológico que vendia a riqueza e a felicidade, desde que trabalhassem mais. A grande imigração, particularmente de italianos, foi fortemente estimulada e subvencionada pelos cofres públicos, ficando o governo encarregado do pagamento das passagens dos imigrantes e muitas vezes dos primeiros serviços de assistência quando de sua chegada.
___ Você tomou conhecimento da proclamação da independência?
___ Sim, o conflito de interesses entre Portugal e Brasil culminou com a proclamação da independência por D. Pedro, no dia sete de setembro de 1822, em São Paulo. A independência brasileira não modificou as condições sociais e econômicas existentes no Brasil. A independência limitou-se, praticamente, ao plano político e administrativo não significando libertação nacional. A independência interessava principalmente as elites e dessa forma, o povo e os escravos não teriam participação efetiva. Ao contrario da América Latina, os Estados Unidos conseguiram atingir um grande desenvolvimento econômico tornando-se uma nação capitalista. Após conquistarem o mercado interno, os capitalistas norte-americanos iniciaram o domínio em direção a América Central e a Ásia. A analise da historia da América Latina ao longo do século demonstra de que forma se deu o processo de vinculação dos paises latino-americanos á ordem capitalista. A velha economia colonial se convertia em uma nova ordem.
Luiz de fato sabia dos mínimos detalhes de todos os acontecimentos vivenciados na época.
___ Onde está seu pai? – questionou o psicólogo retornando a falar de Luiz.
___ Meu pai, Sr. Mario Ricardo, assinou em seu leito de morte o documento onde me reconheceu como seu filho legítimo. O padre José Albino me levou até meu pai, mas ele morreu antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.
___ Você nesse momento está vendo seu pai falecer?
___ Sim.
___ Tem alguém do seu lado?
___ Sim, Helena a filha do capataz da fazenda. Ela acabou de me dar os pêsames. Disse-lhe que não podia sentir a morte de alguém que não conhecia.
___ Não sofreu com a morte de seu pai?
___ Não, de fato não o conhecia antes.
___ Entendo.
___ O que mais sabe sobre Bruno?
___ Nesse mesmo momento, ele está sendo transferido para outra cidadezinha. A momentos antes estava pedindo a Margarida que o esperasse e que nunca duvidasse de seu amor.
___ O que lhe acontece com a morte de seu pai?
___ Assumo as fazendas que herdei e peço a Franco Rei, o contador, que preste conta sobre a venda do gado.
___ Tente saber sobre Margarida.
___ Margarida pergunta para a mãe se é verdade que estão na ruína. Joanina responde que sim e diz à filha que ela deveria aceitar algum de seus pretendentes ricos e assim salvar a família da miséria. Joanina fica sabendo que sou o herdeiro da fortuna de Mario Ricardo e sugere a Fernando, seu marido, que promovam uma festa para tentar encontrar um pretendente para Margarida. O pretendente escolhido seria eu.
Uma pausa maior se estabeleceu no ambiente enquanto o psicólogo virava a fita donde gravava todo o relato dado por Luiz.
___ Quero que percorra alguns dias pela sua linha do tempo indo para frente. O que consegue ver?
___ Margarida.
___ O que ela está fazendo?
___ Vejo que ela escreve uma carta para Bruno. Ela é tão delicada que molha a caneta cuidadosamente no tinteiro e tem toda a paciência do mundo na preocupação de não borrar o papel. Margarida desconfia das intenções da mãe e comenta com a tia que certamente Joanina tentará lhe arranjar um marido.
___ Correto. Como sabia de antemão que o escolhido seria você?
___ Não sei, mas ainda tenho esta mesma impressão.
___ Acha que você será o parceiro ideal para ela?
___ Tenho certeza. Não pelo dinheiro que tenho, mas pelo carinho e amor que posso dar-lhe.
___ Bruno recebe a carta enviada por Margarida?
___ Sim, pois Margarida recebe de volta uma carta de Bruno.
___ O que esta diz, você sabe?
___ Está dizendo que em breve ele estará de volta.
___ O que Margarida acha dessa resposta recebida?
___ Ela fica feliz e conta ao irmão Henrico sobre Bruno.
___ E o que ele diz?
___ Henrico o critica por não ser um homem de posses.
___ Entendo, se trata de questões bem admissíveis para tal época.
___ Ela promete para o irmão que se casará com Bruno, pois está infinitamente apaixonada por ele.
___ Henrico te conhecia?
___ Sim, mas vejo que não me conhecia muito bem. Tentou me humilhar, mas ao ser informado de quem era, hipocritamente, ele me ofereceu sua amizade.
___ Passaram a ser amigos?
___ Sim, mas não ia muito com o jeito dele e o achava bastante falso. Não ficaria surpreso se alguém o chamasse de traidor. De longe era possível verificar que os interesses dele eram todos baseados em questões materiais e não só na amizade fiel entre as pessoas.
___ Imagino que a palavra de um homem nessa época era tida como questão de honra, não é mesmo?
___ Sim, os tratados tidos eram feitos através de palavras pronunciadas frente a frente. Aquilo que um homem dizia marcava e se estabelecia na maioria das vezes sem precisar de acordos escritos ou assinados.
___ A suposta festa que os pais de Margarida estavam planejando ocorreu?
___ Sim, foi durante a festa que nós fomos apresentados formalmente um ao outro.
___ Como se sentiu?
___ Meus olhos brilharam mais do que pedras de diamante lapidadas, meu coração bateu muito acelerado...
___ Espere um momento – interrompeu o psicólogo. – Desça até o presente e se instale nele.
___ Pronto – respondeu Luiz rapidamente.
___ Congele em sua mente a ultima cena visualizada.
___ Da festa?
___ Sim, do momento em que foi apresentado a Margarida.
___ Certo.
___ Você tem, nesse exato momento, conhecimento dos sentimentos de Margarida por Bruno?
___ Não, pouco sei sobre ela e nem ao menos imagino que ela é apaixonada por outro homem.
___ Desce mais um pouco para seu presente e se sinta como se realmente estivesse vivenciando-o, agora!
Após ligeira pausa Luiz apertou a pálpebra dos olhos e mexeu levemente com o queixo.
___ Tudo bem?
___ Sim.
___ Como se sente?
___ Normal – respondeu Luiz suspirando?
___ Nota que minha voz está longe, bem longe? – perguntou o médico suavizando e abaixando o tom de voz.
___ Sim.
___ O que está fazendo?
___ Estou numa festa.
___ Quem está ao seu redor?
___ Na minha frente tem uma linda moça que está sendo apresentada a mim nesse instante, ela é de fato um encanto e parece uma boneca de porcelana.
___ Você conhece alguém chamado Bruno?
___ Não, porque?
___ Por nada, nunca ouviu falar esse nome?
___ Não, creio que não. É de alguém da vizinhança?
___ Esqueça. Vou contar até três e você vai flutuar subindo sobre o seu presente. Um, dois, três – contou o psicólogo estralando os dedos.
___ Sente minha voz mais próxima?
___ Sim.
___ Continue relaxado, calmo, bem tranqüilo.
___ Sim.
___ Sente seu coração batendo, percebe o ar que respira e os sons que escuta sem ter de fazer nenhum esforço?
___ Sim.
___ Sinta-se involuntário ao ambiente, deixe com que o tempo passe por você. Apegue-se aos detalhes, é neles que se define a diferença dos fatos. Sem detalhes não há como criar uma estratégia e sem estratégia a nossa força se dispersa do infinito. Canalize seus esforços em uma direção. Grave em sua mente que todos temos muitos objetivos a alcançar, mas precisamos atingir um de cada vez. Conforme estiver o seu estado de relaxamento, vou te passando algumas lições que lhe serão muito importante e quando abrir os olhos terá mais autoconfiança e firmeza para agir. O limite é uma barreira ou um prazo quase sempre estipulado por agentes externos. A produtividade só aparece para aqueles que a buscam com insistência e concentração. A insistência vem do treinamento físico e a concentração do treinamento mental. Concentração é o caminho perfeito de qualquer vencedor. Tente canalizar suas energias físicas e mentais em uma única direção e visualizar sua meta de se melhorar e evoluir como uma escada onde a cada momento você sobe um degrau. Ter um plano e estabelecer prazos é imprescindível para superar um limite. Crie pequenas fases a serem cumpridas. Comprometa-se com você mesmo, a sua vida é baseada na felicidade de superar os limites e superar seus pontos negativos. Devemos nos espelhar no que já foi feito pelos vencedores e seguir alguns conselhos explícitos nas historias de suas conquistas. Assim como também devemos aprender com os perdedores, entender porque eles não triunfaram.
Nova pausa cercou o ambiente deixando apenas a suave musica dominar por completo a sala.
___ Visualize as pessoas, quem você vê?
___ Joanina, ela está indignada.
___ Porque?
Luiz permaneceu calado sem responder o questionamento e após algum tempo o psicólogo lhe refez a pergunta com outras palavras.
___ Ela está conversando com alguém, andando, comendo, o que ela está fazendo, você ainda pode vê-la?
___ Tenho dificuldades.
___ Se concentre, tente vê-la.
___ Sim.
___ Sabe me dizer o que ela está fazendo?
___ Está conversando com o filho.
___ Tente saber sobre o que conversam.
___ É impossível, pois os dois estão longe de mim, jamais escutarei a conversa deles.
___ Faça um esforço, não pode supor o que conversam?
___ Não.
___ Tudo bem.
___ Espere um momento, acho que ela comenta com o filho Henrico, que sou um bastardo e diz que não pretende entregar sua filha a um homem como eu.
___ Mas seu pai não o reconheceu como filho?
___ Sim, mas...
___ Você não é filho legitimo dele?
___ Sim, você está me deixando confuso.
___ Tudo bem. Não se preocupe com isso. Ainda vê os dois?
___ Sim.
___ Sabe de mais alguma informação?
___ Henrico tenta convencer a mãe a aceitar-me, pois o fato de ser um bastardo não significa nada diante da fortuna que acabei de herdar.
___ Compreendo claramente.
___ Eu também.
___ Sabe qual a condição financeira deles?
___ São de família nobre e rica, mas ultimamente as condições financeiras da família parecem não estarem tão boas.
___ Tem algo que comprove esse fato ou diz por impressão?
___ Não sei.
___ Deseja sair do ambiente da festa ou ainda tem algo importante para me contar?
___ Como o que?
___ Detalhe-me mais coisas que lhe ocorreram na festa. Dançou com Margarida? Conversou com ela?
___ Não sei, estou confuso, não consigo visualizar direito o que se passa.
___ Certo, pode avançar um pouquinho para frente se quiser, consegue?
___ Pronto, pulei dois dias.
___ Ótimo, e então?
___ Henrico confessa a mãe que entregou a escritura da casa como garantia de um empréstimo.
___ Quer dizer que realmente as coisas não andam bem para a família?
___ Isso mesmo.
___ Qual é a reação da mãe de Henrico?
___ Joanina fica desesperada e imagina que estão caminhando rumo a ruínas. Teme que seja comentada pelo povo e que seu sobrenome seja esconjurado na boca de todos.
___ A aparência de nobreza e poder, riqueza e luxo eram o que prevalecia nessa época em todas as famílias de posse, não?
___ Exatamente.
___ O que acontece?
___ Ela tenta negociar com o homem que fez o empréstimo e oferece suas jóias em troca da escritura.
___ Ele aceita?
___ Não sei – respondeu Luiz se pondo totalmente duvidoso.
___ Relaxe, tudo está normal, tranqüilo e você se encontra muito bem. Respire fundo – solicitou o psicólogo averiguando algumas alterações do semblante refletido no rosto de Luiz.
___ Estou bem.
___ Escute os sons ambientais e sinta-se flutuando realmente. Você pode e consegue visualizar tudo a sua volta e todas as coisas que acontecem seja com você ou com aqueles que lhe rodeiam. Tem consciência disso?
___ Sim.
___ Fixe esse pensamento.
___ Estou tentando.
___ Você pode, você quer, você tem possibilidade de ver e saber qualquer coisa que não venha lhe prejudicar, pelo contrario, somente tomará conhecimento daquilo que puder lhe auxiliar nesse processo de tratamento e terapia.
___ Compreendo.
___ Acha que estou certo?
Luiz balançou a cabeça afirmando a resposta.
___ Descanse um pouco, te darei alguns minutos para serenar sua mente.
O psicólogo rodeou sua mesa e pegando uma jarra com água despejou um pouco no copo. Após beber alguns goles retornou para junto de Luiz que ainda continuava na mesma posição.
___ Deseja mudar de posição? Mexer os braços ou as pernas?
Luiz movimentou os braços colocando as mãos sobre a barriga e entrelaçando os dedos posteriormente.
___ Estou bem assim – confirmou em seguida.
___ Certo. Avance pouca coisa e tente saber se Joanina conseguirá o testamento de volta.
___ Não, o homem informa que a escritura não está mais em seu poder e diz que teve de entregá-la a mim, Paulo Ricardo.
___ Então a escritura lhe foi entregue?
___ Sim, é o que parece.
___ Foi ou não? Você a recebeu? Retorne para aqueles dois dias que havia pulado, tente comprovar se de fato recebeu essa escritura.
Após alguns segundos Luiz balançou a cabeça respondendo:
___ Sim, me foi entregue, tenho certeza disto agora, consigo ver claramente.
___ Porque essa escritura foi parar em suas mãos?
___ O dinheiro do empréstimo era meu.
___ Quer dizer que recebeu a escritura em troca do dinheiro que lhe deviam?
___ Isso mesmo.
___ Volte ao dia anterior. Consegue saber qual foi o exato momento em que emprestou esse dinheiro?
___ Por volta das cinco da tarde. Passei no banco e retirei a quantia pedida, mas havia um negociador e foi para ele que entreguei o dinheiro.
___ Sim, o homem que pegara a escritura e lhe dera como garantia.
___ Esse mesmo.
___ Se tratava de muito dinheiro?
___ Bastante, o suficiente para que os desapropriasse da residência onde moravam.
___ Então a situação para eles não estava nada bem.
___ Não, a reputação da família estava por um fio. Melhor dizendo, estava toda em minhas mãos.
___ Foi você que pediu a escritura como...
___ Não, essa idéia foi do próprio negociador que também tinha um pouco de responsabilidade sobre o empréstimo efetuado.
___ Como se sentiu?
___ Poderoso, sabia que aquela escritura me valeria muito mais do que uma garantia.
___ Está falando de chantagem, suborno, algo assim?
___ Mais ou menos, quase isso.
___ Tem algo a ver com Margarida?
___ Pode ser.
___ Pode ser é uma resposta invalida. Sim ou Não?
Luiz permaneceu calado como se não quisesse revelar aquela resposta.
___ Pode avançar novamente para frente, rumo ao futuro. Preste atenção em todos os acontecimentos.
___ Estou indo.
___ Pronto?
___ Sim.
___ Me conte algo novo dessa época.
___ Como o que?
___ Não sei, pense em algo, por exemplo, como eram feitas as construções?
___ Usavam óleo de baleia, taipas de pilão, madeira, barro e melaço de cana. Para reboco faziam uma mistura de terra, areia e estrume de gado?
___ Estrume de gado?
___ Sim, continha muitas fibras e não deixava das trinca nas paredes. Essas eram bem mais grossas e fortes. Na porta pregava-se uma cruz simbolizando o sacrifício a Cristo.
___ Muito bem, não vamos dispersar muito, só quis dar uma descontraída, agora creio que devemos voltar ao assunto mais importante tratado anteriormente.
___ Como queira.
___ Descreva-me tudo o que se passa nesse exato momento – pediu o psicólogo.
___ Escuto barulhos diferentes, um som mais agudo e profundo, agora parece ser como uma tecla de piano sendo tocada repetidamente.
___ Não é da musica?
___ Não sei.
___ Não se desconcentre, preste atenção apenas no ambiente e esqueça o som se este não lhe for importante, entende?
___ Sim.
___ Consegue fazer isso?
___ Vou tentar. Sei que consigo.
___ Isso mesmo, assim que se fala.
___ Margarida pede a Bruno que fale com seu pai sobre o namoro dos dois.
___ E Bruno atende ao pedido dela?
___ Não sei ainda. Parece que ele fica de pensar.
___ O caso não é muito fácil pela posição dele, estou certo?
___ Sim, a situação financeira das famílias era um dos primeiros itens a ser verificado, principalmente quando se tratava de acordos e casamentos.
___ O que você fez com a escritura da casa?
___ Acho que a guardei.
___ Quais eram suas reais pretensões com tal documento em mãos?
Mais uma vez Luiz ficou calado ao receber a mesma pergunta.
___ Porque não responde?
Luiz pareceu sorrir embora conservasse os mesmos traços fixos no rosto.
___ Conte-me mais, pode passar para o dia seguinte se quiser.
___ Henrico me implorou a fim de que lhe devolvesse a escritura em troca das jóias de sua mãe.
___ E o que fez? Devolveu-lhe?
___ O que acha? – questionou Luiz dessa vez demonstrando um sorriso aberto na face.
___ Imagino que não.
___ Pois bem, disse a ele que as jóias não me interessavam e insinuei que estava interessado em Margarida.
___ Foi o que pensei que faria – concluiu o psicólogo.
___ Me achei muito esperto, não concorda?
___ Talvez. Quem eu sou para julgar seus atos, não é mesmo?
Luiz mordeu a ponta inferior dos lábios e nada disse. Normalmente seu sorriso se desfigurou do rosto conforme novas lembranças e cenas se repercutiam em sua mente.
___ O que mais tem para me contar?
___ Não sei, o que mais quer saber?
___ Conseguiu o que queria dizendo que estava interessado em Margarida?
___ Apenas fui sincero, quero deixar claro que não fiz isso por chantagem ou desafronta.
___ Entendo. Continue.
___ Quer saber se adiantou a minha indireta?
___ É – respondeu o psicólogo sem complicar.
___ Pois ficará sabendo logo.
___ Tudo bem – concluiu o psicólogo percebendo que Luiz lhe fazia mistério.
___ E Então?
___ Vá um pouco para frente e desça sobre seu presente.
___ Pronto – respondeu Luiz após alguns instantes.
___ O que está se passando?
___ Henrico acaba de dizer a Joanina que devolverei a escritura e pagarei a hipoteca se em troca eles aceitarem que me case com Margarida.
___ Pode subir e flutuar sobre sua linha do tempo – disse o psicólogo conseguindo saber o que queria. – Como se sente?
___ Maravilhosamente bem. Estava conseguindo exatamente o que queria.
___ Com o poder do dinheiro, ou seja, estava comprando sua amada – deduziu o psicólogo.
___ Pense como quiser, para mim foi uma troca de favores.
___ Sacrificando Margarida que até então era apaixonada por outro homem, não é isso?
___ Sim, mas nem sabia que esse outro homem existia.
___ Sei disso – refletiu o psicólogo.
___ Joanina disse a Margarida que estavam a ponto de perder a casa e ordenou-lhe que se casasse com alguém que pudesse salvá-los de tal situação.
___ Esse alguém supostamente estava esquematizado para ser você.
___ De fato, eu era o primeiro dos pretendentes na lista elaborada pela família. Além do mais, nenhum outro homem aceitaria se casar com uma moça cuja situação financeira estivesse em tais condições.
___ Quer me dizer que fez isso porque estava apaixonado por ela?
___ Sim, é verdade que fora praticamente paixão a primeira vista.
___ E Margarida aceitou se casar contigo?
___ Não sei.
___ Caminhe um pouco mais. Desça ao presente se preciso for. O que vê?
___ Margarida confessando a mãe que está apaixonada por um homem bom, porém pobre.
___ E o que a mãe dela lhe diz?
___ Não sei.
___ Caminhe, de mais uns passos para o futuro. Pode descobrir o que Joanina acha dessa paixão da filha?
___ Ela não se importa com os sentimentos da filha, quer salvar o sobrenome da família e proteger-se da miséria, dos falatórios e comentários do povo.
___ Típico para a época. Faz sentido.
___ Quer saber o que Joanina fez?
___ Claro, diga-me.
___ Joanina deu ordens ao filho Henrico para que proibisse o tenente Bruno de se aproximar de Margarida e deixasse bem claro que a família nunca permitiria o casamento dos dois.
___ Imagino que ele não aceitou isso assim facilmente, principalmente se gostava de fato da Margarida.
___ Não, obviamente ele não aceitou.
___ E o que ele fez?
___ Não sei.
___ Deve saber, percorra pela linha do tempo, com certeza vai encontrar algo.
___ Sim, achei – respondeu Luiz após alguns instantes.
___ Descreva-me o que vê.
___ Está de noite.
___ E o que tem de mais estar de noite?
___ Bruno está tentando entrar na casa de Margarida.
___ Ela sabe que ele está tentando fazer isso?
___ Creio que não, ainda não sei, talvez até saiba.
___ Sua resposta está muito vazia.
___ Ele propõe a ela que fujam e se casem sem que sua família fique sabendo.
___ Então os dois planejam de fugirem juntos?
___ Exato.
___ Para quando marcam a fuga?
___ Não sei de detalhes.
___ Desça nesse ponto e sinta como se estivesse vivendo-o, agora! – disse o psicólogo estralando os dedos. – Onde você está?
___ Dormindo tranqüilamente no meu quarto.
___ Correto, pode voltar a flutuar acima do presente momento. Mantenha a calma, tudo está sobre controle.
___ Certo, estou bem.
___ Ótimo. Precisa de um tempo?
___ Não, podemos continuar.
___ De mais uma percorrida e sinta o que acontece.
___ Os cenários mudam e novas coisas aparecem.
___ Relate tudo o que vê.
___ Vejo Henrico.
___ O que ele está fazendo?
___ Contando para Joanina que o envolvimento de Margarida com Bruno é mais sério do que pensavam e que precisam fazer alguma coisa para separá-los.
___ Henrico descobre que os dois planejaram de fugir?
___ Não sei. Supostamente ele imaginou que sua irmã não ia ficar quieta e Bruno muito menos. Tudo poderia ocorrer e creio que Henrico estava tentando prevenir a mãe do pior que visivelmente era provável de estar a caminho.
___ E esse pior aconteceu?
___ Não sei.
___ Acha que estou indo muito rápido?
___ Não sei.
___ Do que você sabe?
___ Que Henrico se envolveu com uma cantora de cabaré e pediu a ela que o ajudasse a fazer algo relacionado a sua irmã.
___ Essa história está ficando interessante. Relaxa, vou te dar mais alguns minutos de descanso – disse o psicólogo indo tomar outro gole de água.
___ Não podemos parar por aqui?
___ Sim, continuaremos na próxima sessão, pode ser?
___ Sim.
___ Contarei até cinco...

Retornando para o ambiente da sala, Luiz piscou os olhos varias vezes e sentindo-se um pouco tonto sentou-se colocando a mão na testa.
___ Se sente mal?
___ Minha cabeça parece estar balançando e estou confuso, minhas vistas estão embaralhadas.
___ Deite-se novamente, descanse até recuperar os sentidos físicos. Mexa vagarosamente os dedos, depois as mãos e vá se espreguiçando como se acabasse de acordar agora. Não deveria ter se sentado com tanta pressa.
Luiz retornou a posição em que estava e aguardou mais alguns minutos até verificar que se encontrava melhor. Sua cabeça ainda dava voltas contornando o ambiente da sala e, portanto, ele sentiu a necessidade de permanecer com os olhos fechados.
Assim que sentiu estar normal novamente, encaminhou-se até a mesa donde aceitou um pouco de água sentando-se na cadeira em seguida.
___ Tudo bem?
___ Creio que sim – respondeu Luiz suspirando vagarosamente.
___ Sabe me dizer se reconhece sua esposa como algum dos personagens detalhados?
___ Acho que Analice era Margarida.
___ Tem certeza?
___ Ainda não, mas quase.
___ Sem problemas, descobriremos logo, espero eu que nas próximas sessões.
Luiz ficou pensativo e por fim questionou:
___ E se ela foi Margarida?
___ Não se preocupe, lembre-se que essa terapia é um tratamento de intenção em ajudá-lo e jamais lhe acarretar preocupações de quaisquer tipo. Entende isso?
___ Entendo.
___ Você tem liberdade para decidir se deseja contar o que presenciou aqui dentro dessa sala, seja para sua esposa ou para qualquer outra pessoa, só espero que sua vida passada não saia nos jornais, pois isso com certeza prejudicaria seu tratamento e, portanto, manterei total sigilo e cuidado com todo o seu material como, por exemplo, às fitas que estiver gravando.
___ Claro, caso conte para Analice deixarei claro que isso seja segredo e, portanto, ninguém mais deverá ficar sabendo.
___ Quando terminarmos o tratamento, eu entregarei todo o material a você, os relatórios e as gravações podendo você ter total controle deles. Aí sim poderá contar a quem quiser e até mesmo relatar num livro como me disse na primeira sessão.
___ Certo, entendido – afirmou Luiz garantindo que seguiria a recomendação dada.
___ Lembre-se que ser vencedor é ter capacidade de observar. É confortável improvisar, não é tão trabalhoso quanto planejar, estipular prazos e criar metas com antecedência. Executar é uma tarefa difícil, e um líder deve sempre ter como marca a capacidade de saber executar para depois saber mandar. Mas acontece que um plano é sempre um guia condutor, e não uma regra inflexível a ser cumprida. Um vencedor tem de ser decidido, tomar atitudes com autonomia e saber a hora de persistir ou de mudar de estratégia. Mantenha-se firme no propósito de sua melhoria e os resultados automaticamente começarão a aparecer. Não se esqueça de que a felicidade é um momento eternizado no pensamento. Aquele que persistir em resgatá-la de sua memória viverá mais feliz e, com certeza, mais próximo estará de revivê-la. Todos nós nascemos para vencer, nascemos da mesma forma e com as mesmas possibilidades também deixamos de viver. Fazer com que sua vida seja mais frutífera e feliz só depende de você, da sua vontade e disciplina.
___ Como as coisas que você me diz irão auxiliar no meu tratamento?
___ O subconsciente é o responsável pela construção e manutenção do nosso corpo. É através dele que irei ajudá-lo. Se pudéssemos dominar o subconsciente, escolheríamos como queríamos ser: mais alto, magro, forte, moreno, esperto, inteligente, etc. Mas Deus não nos deu esse dom porque a complexidade é tanta que não conseguiríamos fazer nada mais além de nos manter vivos.
___ É ele que mantém nossas funções vitais?
___ Sim, as funções vitais são controladas pelo inconsciente. Continuando, tudo o que você grava na mente subconsciente é manifestado no futuro como condição, experiência ou fato.
___ Como assim?
___ Quando uma pessoa precisa acordar às oito horas da manha e isso fica em seu subconsciente, incrivelmente ela vai acordar no outro dia no horário certo, sem nenhum despertador, só porque pensou antes de dormir e a idéia ficou gravada no subconsciente como uma ordem a ser executada. Quando estamos em estado de sonolência, prestes a dormir, abre-se às portas da comunicação com o subconsciente. Nesse momento, nós paramos para repousar o corpo e a mente, dando magia para a meditação que nos trará grandes possibilidades. Ordenar sem interrupção a mente para que execute algo, que nos traga uma oportunidade, que melhore nossa saúde, que nos traga riqueza, no momento em que vamos dormir, aproxima o acontecimento. Mas não vale duvidar. Temos de estar convictos de que o fato está consagrado, imaginar como se fossemos um clarividente e então, podemos dormir tranqüilamente. Abra possibilidades para sua mente inconsciente se manifestar e esteja preparado, porque a resposta será gratificante. Se ordenarmos com fé e acreditarmos em nossa auto-sugestão, ela se manifestará. Foi assim que surgiram os famosos curandeiros, bastava que uma pessoa acreditasse em algum deles e se curasse para que os outros tivessem a certeza de que ele possuía poderes. Essa certeza comandava o subconsciente e, por intermédio dele, a cura acontecia. O subconsciente é tão forte que pode até matar, muitas pessoas se matam com pensamentos negativos de doenças, acidentes e depressão.
___ Existe auto-hipnose?
___ Sim, podemos nos auto-hipnotizar, mas isso exige muita disciplina e crença. Existem pessoas que pensam que, no máximo, conseguem guardar uns trezentos números de telefone na cabeça. Ou seja, quando decoram duzentos, já se consideram no lucro. Na verdade, se realmente acreditassem, poderiam armazenar a lista telefônica inteira.
___ Isso num sentido figurado, não é?
___ Bem, nunca encontrei ninguém que tivesse coragem de tentar decorar uma lista telefônica, mas acredito que qualquer um pode conseguir isso, basta usar o poder da mente. O que alimenta um vencedor em seu caminho é o poder da imaginação, a sua criatividade somada à força de vontade. Pensamentos negativos e sentimentos como a inveja, raiva, ciúme, vingança, nos fazem um grande mal. São impuros e não necessitamos deles para viver. Pensamentos simples são os mais fortes. Muitas vezes temos pensamentos complexos e nos perdemos nessa complexidade. Quando você quiser algo e depender do pensamento para atingi-lo, seja simples e objetivo. Lembre-se que muitos conseguem coisas aparentemente impossíveis e só descobrem isso depois que as realizaram. Eles não pensavam nas complexidades, só no alvo a ser atingido. Quando a mente está relaxada e aceita uma idéia, o subconsciente começa a trabalhar para transformá-la em realidade. A imaginação é sua faculdade mais poderosa. Todos nos somos aquilo que imaginamos ser. Nosso subconsciente trabalha direto sem descansar nenhum momento. A vida é uma força invisível, como a eletricidade, não vemos, mas podemos sentir.
Os dois permaneceram conversando enquanto ainda restavam alguns minutos para acabar o horário e terminado este, se despediram naturalmente. Para Luiz uma leve sensação de desconforto demoraria a fazer com que ele voltasse ao estado totalmente normal. Sentia o corpo um tanto duro com uma pequena dor no pescoço e um sono que lhe acercava fora de hora. Para ele, a impressão que tinha era a de que se deitasse, dormiria uma semana sem parar. Estava preguiçoso como se todas as suas forças houvessem esvaído de seu corpo.

A medida dos acontecimentos, Luiz foi se preparando para sua próxima sessão, na qual descobriria mais uma infinidade de fatos vividos em seu passado.
Novamente estando na clínica psicológica, Luiz adentrou pela porta atendendo ao chamado.
___ E então? Preparado para descobrir mais coisas sobre sua ultima encarnação?
___ Claro, não vejo a hora de me considerar um homem sem o bendito problema de ciúme. Aliás, sinto que aos poucos já me torno melhor.
Repassando por todos os exercícios de relaxamento, Luiz se concentrou no exato ponto donde parara na sessão anterior e sendo guiado pelo psicólogo ia relatando tudo o que via e sentia.
___ E então, o que consegue ver? Pode ser bastante detalhista, pois são nos pormenores que ficam guardadas as surpresas e mistérios.
___ Vejo Joanina.
___ O que ela faz?
___ Ela está comentando com Fernando que eu manifestei interesse por Margarida.
___ Como se sente com isso?
___ Sinto que conseguirei ter para mim aquela jovem tão bela e delicada como uma princesa, mais rápido do que imagino.
___ Conte-me mais sobre ela.
___ Ela é loira, seu cabelo está sempre muito bem penteado, algumas vezes os cachinhos são presos de lado e outras vezes são divididos em varias camadas com enfeites de perola ou mini flores. Da ultima vez que a vi, na festa, ela estava com uma trança maravilhosa e como complemento, muitos fiozinhos dourados como ouro desciam da fronte da testa em cachinhos bem formados e graciosos. Ela tem os olhos muito claros. Desejo ardentemente me casar com ela e não me importarei com a posição da família, pois tenho dinheiro suficiente para fazê-la viver na mordomia.
___ Mas será que ela deseja a mordomia, será que a fará feliz?
___ Não duvido disso. Nunca estive tão apaixonado por nenhuma outra mulher e não estou sendo cínico ao falar dos meus sentimentos.
___ Compreendo e acredito nisso. Fique apenas flutuando pela linha do tempo e não desconcentre do que visualiza. Pode avançar um pouco à frente.
___ Bruno vai até a casa de Margarida e pede para falar com o Sr. Fernando.
___ O que acha disso?
___ Nada, ele não tem dinheiro como eu para sustentá-la com luxo e nobreza, além do mais, estou com a escritura da casa e não pretendo de forma alguma devolvê-la a família.
___ Não está sendo incompreensível com...
___ De forma alguma, os costumes são assim e não posso fazer nada – respondeu Luiz com seriedade, demonstrando o poder que detinha através de sua posição financeira.
___ Bruno consegue falar com Fernando?
___ Não – sorriu Luiz ao responder. - Joanina recebe o rapaz com rispidez e deixa claro que nem ela nem seu marido aceitarão que sua filha se case com um pobretão como ele.
___ Já se imaginou no lugar dele?
___ Não, nem tenho porque.
___ Tudo bem, se pensa assim não vou bater de frente contigo. Quer dizer que Bruno não consegue falar com Fernando, certo?
___ Sim.
___ E ele não faz nada para forçar tal conversa? Imagino que ele não vai aceitar as palavras de Joanina, pois além de amar Margarida, tamanha ofensa, como a que lhe foi dita, não ficava assim sem resposta, não é mesmo?
___ Bruno entra no quarto de Margarida, diz que Joanina o impediu de conversar com o Sr. Fernando e propõe a Margarida que fuja com ele.
___ Mais uma vez combinam o plano de fuga?
___ Isto, mas acontece que dessa vez Margarida não aceita e diz que sua família morreria de vergonha se isso acontecesse.
___ Quer dizer que ela já concordou em se casar contigo?
___ Acho que não.
___ Creio que se casar contigo, fará obrigada para salvar a família e não por amor como se deve acontecer num casamento.
___ Naquela época pouco existia casamento por amor. As famílias combinavam os pretendentes antes mesmo dos filhos nascerem e o que contava era a posse destinada ao casal.
___ Do que adiantaria terem dinheiro se não houvesse amor dentro do lar?
___ Mas eu tinha propósitos firmes de fazer com que ela me amasse e estava disposto a fazer de tudo para conquistá-la. Um dia ela teria de esquecer o tal do Bruno, pois da mesma forma ele ia seguir sua vida, se casar com alguma outra mulher e constituir a família dele.
___ Tudo bem, pode avançar um pouco mais.
___ Continuo nos meus afazeres, cuidando das minhas propriedades e atendendo aos chamados quando precisam de mim. Sou um médico, o único da região, consegui minha formação e soube superar as crises, agora pretendo me casar e dar continuidade à família de forma digna.
___ Tem algo mais que deseja me contar?
___ Cumprindo ordens de Henrico, uma moça aparece na casa de Margarida e se apresenta como sendo a esposa de Bruno. Diz também quem tem um filho com ele. Enquanto isso, Henrico procura o superior de Bruno, conta que o rapaz pretende se casar com sua irmã e pede a ele que afaste o militar daquela cidade.
___ Margarida deve ficar desesperada ao imaginar que Bruno é casado. Parece-me que era uma moça de consciência e não deixaria a família passar por dificuldades, não precisavam enganá-la de tal forma.
___ Tudo serve como garantia.
___ Donde Margarida estava perdendo sua liberdade de ser feliz.
___ Não concordo.
___ Muito bem, pode-me contar mais coisas?
___ Margarida desesperada, vai até o quartel à procura de Bruno, mas ao chegar lá, é informada que o tenente faltou ao trabalho.
___ O que é uma mentira, não?
___ Sim, uma bela mentira – responde Luiz todo sorridente.
___ Me parece muito contente, aconteceu algo que não quis me contar?
___ Não, está acontecendo.
___ O que?
___ De volta para casa, Margarida sofre um desmaio no meio da rua e eu a socorro levando-a para sua casa. Nesse exato momento me vejo chegando com ela nos braços e deixo claro à família de que Margarida é uma jovem encantadora da qual farei tudo para tê-la comigo.
___ Como se possuíssemos pessoas também?
___ Sim e nesse caso o meu dinheiro podia comprá-la tranqüilamente. Entende o que quero dizer?
___ Sim.
___ As coisas não ficam por aí e se julgava que a mentira já fora longe de mais, saiba que Bruno é levado para o presídio de uma cidade próxima a mando de dona Joanina que oferece as últimas moedas de dinheiro para tal.
___ Logicamente imaginava que fazendo isso, muito mais dinheiro estava sendo promissor ao futuro.
___ Mas não estava mesmo?
___ Sinto que você não é uma pessoa de personalidade tão má em sentido de privilégio exclusivo quanto parece, porque...
___ De fato.
___ Nem terminei de concluir a frase.
___ Estava feliz, mas ao mesmo tempo sentia uma certa angustia interior por saber que Margarida estava sofrendo com tal situação. Quisera eu que ela estivesse apaixonada por mim – disse Luiz num tom triste de reclamação.
___ Continue, exponha seus sentimentos também.
___ Comentei com Joanina o fato de que Margarida não conseguia esconder o desinteresse que sentia por mim. Você nem pode imaginar o quanto isso me abalava.
___ Imagino sim, apenas não posso sentir como sentiu. Está vendo como tinha razão ao dizer que...
___ Mas não desistiria, queria ela para mim, mesmo que a princípio revoltada e infeliz.
___ Parece que tudo está a seu favor, pelo menos a família...
___ Claro – interrompeu Luiz mais uma vez. – Precisavam urgentemente de dinheiro e eu era a fonte, não vê como isso está perceptível?
___ Pois bem, sabia que o único interesse que tinham era no seu dinheiro?
___ Até certo ponto sim – respondeu Luiz com ar de tristeza e desgosto.
___ Não acha que seu dinheiro estaria arruinando a vida de uma pessoa para salvar a aparência dos demais familiares?
___ Sim, mas de que me importava isso? Aquela era uma família como tantas outras e se Margarida não se casasse com algum afortunado como eu, a decadência da família seria comentada por todos e isso era uma das maiores vergonhas que se podia sofrer além das dificuldades pelas quais passariam. Na verdade, como creio já lhe ter dito, Margarida estava com sorte, pois nenhum outro homem de boas condições se casaria com ela percebendo o estado de dificuldade financeira no qual estavam vivendo.
___ Pode percorrer um pouco mais na linha do tempo, flutue vagarosamente sobre ela. Alguma coisa importante a ser relatada?
___ Joanina está conversando com Margarida.
___ Sabe o que conversam?
___ Não.
___ Joanina estava mais preocupada com as condições financeiras da família do que com a felicidade da filha – comentou o psicólogo.
___ Pois ela também tinha de pensar em si própria, no filho e no marido.
___ Não sabe mesmo o que conversam?
___ Joanina diz a ela que eu a viu em trajes íntimos, portanto, querendo ou não, teria de se casar comigo para evitar comentários maldosos.
___ Realmente isso acontecera?
___ Não, em momento algum, mas como ela houvera desmaiado e de nada sabia...
___ Sim, entendo – disse o psicólogo sem necessitar de maiores explicações.
___ Gertrudes, irmã de Joanina, tenta animar a sobrinha dizendo que se reparasse mais em mim, perceberia que eu era um homem charmoso, bonito, rico e apaixonado por ela.
___ E Margarida?
___ Não sei, mas acho que a Gertrudes não a convence muito.
___ E você?
___ Fiquei um tanto irritado, pois Joanina me deu falsas esperanças dizendo-me que Margarida ficou muito emocionada ao saber de minhas intenções para com ela.
___ Sabia ser mentira? De que modo?
___ Não, até então poderia ser verdade, mas se fosse, tinha em mente que sua emoção estavam voltadas por um sentido diferente.
___ Como assim? Pode explicar melhor?
___ Se ela se sentisse emocionada, seria por saber que estava em suas mãos a gloria de salvar a família da miséria e não porque eu, como homem, estava interessado nela e desejava cortejá-la.
___ Certo. Faz sentido, mas por obsequio, não sabia como de fato ela se sentira com a noticia já percebível?
___ Sim, mas em todo caso, fiquei iludido me deixando levar por aquelas palavras de Joanina.
___ Para Margarida deve ter sido muito difícil passar por tudo isso. A responsabilidade e o peso de suas decisões eram muito grandes e envolvia toda a família. Seria uma renuncia e tanto a felicidade e ao amor se escolhesse casar-se contigo.
___ Poderia ser feliz e amada ao meu lado, ainda mais tendo dinheiro de sobra para si e sua família.
___ Avance mais um pouco, o que se sucedeu no ritmo dos acontecimentos?
___ Joanina pressionou Margarida e disse que em consideração a seu pai, deveria aceitar a proposta de casamento comigo.
___ Que situação – sorriu o psicólogo fazendo breve comentário.
___ Enquanto isso no presídio, Bruno com uma perna quebrada e muito infeccionada, escuta do médico que terá de amputá-la.
___ Coitado! – disse o psicólogo realmente com pena. – Além de prendê-lo ainda torturaram o pobre do rapaz?
___ Não sei, mas além de preso deveria estar sofrendo muitas dores.
___ Sabia que ele estava em tais condições?
___ Não, consigo saber agora, pois analiso tudo de um ângulo geral e compreendo mais do que realmente acontecia no determinado presente momento.
___ Pois bem – disse o psicólogo pensativo fazendo suas próprias conclusões.
___ O que mais quer saber?
___ Volte sua atenção para si próprio.
___ Pronto.
___ O que está fazendo?
___ Conversando com Henrico.
___ Sobre o que?
___ Não imagina?
___ Com certeza deve ser sobre Margarida, não?
___ Quase isso.
___ Então me conte, sobre o que falam?
___ Digo ao Henrico que decidi ajudar sua família, mas que não pagarei suas dívidas de jogo.
___ Claro, até aí acho que está correto. Henrico não trabalha?
___ Não, é um à toa sem serviço que vive a custa do pai e nem ao saber que a família passa por uma crise não muda de atitude, continua freqüentando os bares e gastando dinheiro com jogo.
___ Ele não costumava ter sorte nos jogos?
___ Não, perdia tudo e como ha algum tempo não tinha mais nada a oferecer, se metera em grandes confusões fazendo altas dividas. Era um descarado.
___ Vejo que não gostava dele.
___ Sim, o tipo dele não me agradava.
___ Volte a se concentrar em Bruno, consegue saber o que se passa com ele?
___ O vejo conversando com um amigo.
___ Quem era esse amigo dele, alguém importante?
___ Creio que não vem ao caso, se tratava de Martolo.
___ Sabe o que conversam?
___ Martolo diz a Bruno que a ordem para prendê-lo foi dada pelo general Zeca Ramos.
___ Quem é esse?
___ Um general qualquer do qual desconheço.
___ Tem algo mais a me contar?
___ A coisa mais importante é que estava encantado por Margarida e não queria esperar muito para tê-la e estar com ela.
___ É, já sei disto.
Luiz suspirou enquanto o psicólogo deu uma pausa às perguntas indo tomar um gole de água. Ao retornar prosseguiu o assunto:
___ O que aconteceu nos dias seguintes?
___ Nada de importante, tudo caminhou normalmente e cada um seguiu seu percurso de vida.
___ Qual o subseqüente acontecimento de valor a ser ressaltado?
___ Margarida me dizendo que se sentira muito envergonhada por seu irmão.
___ Porque, Henrico lhe fez algo? Ou é por causa da conversa que haviam tido donde lhe disse que não pagaria as dividas de jogo dele?
___ Não, acontece que durante quase uma semana, Henrico estava afirmando a todos que era meu cunhado e se aproveitara disso para me pedir dinheiro.
___ Quer dizer que...
___ Sim, ele teve essa capacidade, mesmo afirmando frente a ele que não estava disposto a pagar um centavo de suas dívidas.
___ Ele julgava que por ser o pretendente destinado a se casar com sua irmã deveria lhe dar dinheiro?
___ Exato, por isso que disse ser ele um petulante sem caráter. Ao invés de ir trabalhar para ajudar a família ficava tentando aproveitar da situação de sua irmã.
___ Situação nada fácil já que ela era apaixonada por outro.
___ Sim e nem me lembre disto.
___ Porque?
Luiz não respondeu, mas era fácil perceber que falar de Bruno não lhe agradava muito.
___ Conte-me mais.
___ O que deseja saber?
___ Foi Margarida que o procurou?
___ Isso.
___ De livre e espontânea vontade?
___ Acho que sim.
___ O que mais conversou com Margarida? Ou melhor, o que disse a ela?
___ Fui sincero, disse-lhe que minha intenção era casar com ela e pedi que me desse á oportunidade de nos conhecer melhor.
___ Ela concordou?
___ Não sei. As coisas ficaram como estavam.
___ E você deixou? – estranhou o psicólogo. - Não pressionou a família ou até mesmo ela?
___ Não, pelo contrario, deixei claro a ela que a decisão final deveria ser dela e não queria que se sentisse pressionada.
___ Até que enfim começo a ver sua honra de homem cavalheiro e compreensível. Só que seria impossível ela decidir por conta própria sem ficar pressionada, não acha?
___ Sim, é verdade.
___ Prossiga.
___ Começava a perceber que de fato não me valeria ter uma mulher infeliz ao meu lado.
___ Já sabia do envolvimento dela com Bruno?
___ Não, até então não tinha conhecimento de nada e nem imaginava que ela amasse outro homem, porém percebia que meus sentimentos não eram correspondidos por ela.
___ Não desconfiava que ela gostasse de outro homem?
___ Talvez até sim, mas preferia nem dar valor às desconfianças.
___ Vá um pouco mais ao futuro, caminhe sobre o tempo. O que vê?
___ Fernando conversando comigo. Diz que simpatiza muito comigo e gostaria que sua filha aceitasse meu pedido de casamento já que nunca imporia um marido a ela.
___ Fernando me parece mais sensível do que Joanina. Geralmente os pais eram os mais rígidos dentro de casa e nesse caso observo o inverso. O que responde a ele?
___ Lhe digo o mesmo dito por todo pretendente interessado numa moça de procedência e princípios.
___ Pode ser mais especifico?
___ Digo a ele que se Margarida me aceitar como marido, a farei muito feliz.
___ Realmente, é o que imaginei. Não completou dizendo que contigo ela passaria a ter uma boa condição financeira suficiente a sustentá-los?
___ Não, disso ele já sabia e, entretanto, eu podia verificar que para Fernando não era o dinheiro que contava e sim a felicidade da filha.
___ Está aí outro homem de bom caráter.
___ Margarida comenta com a mãe que lhe disse estar loucamente apaixonado por ela.
___ E Margarida parece feliz por isso?
___ Não sei. Acho que não, pois diz à mãe que está assustada e que não pretende se casar comigo.
___ Quer dizer que a assustou?
___ Sim, com minha sinceridade e cordialidade. Logicamente não era minha intenção deixá-la assustada. Percebe que para a época não era comum um homem tratar de assuntos amorosos direto com a moça? Tudo era combinado entre familiares, mas Fernando queria que a própria filha tomasse a decisão.
___ Imagino que se Bruno houvesse conseguido falar com Fernando teria conseguido permissão para namorá-la já que os dois se amavam.
___ Sim e por sorte minha a mãe de Margarida o mandara prender.
___ Sorte?
___ Talvez até não.
Luiz se pôs pensativo como se fizesse uma reflexão momentânea.
___ E então, o que acha? – perguntou o psicólogo após alguns minutos.
___ Não quis dizer que a minha sorte está baseada na dependência da infelicidade alheia. Você entendeu o que quis dizer, o contesto no qual utilizei a palavra sorte foi para demonstrar que...
___ Tudo bem, eu entendi – concluiu o psicólogo. – Se Margarida estava quase a ponto de aceitar seu pedido de casamento logicamente era por que passara pelas artimanhas de Joanina e principalmente porque não mais vira Bruno, nem ao menos pudera tirar a limpo o fato de que era um homem casado e tinha filhos, o que era mentira.
___ Correto.
___ Julga que essa situação era correta?
___ Já disse que não sabia da existência de Bruno, além do mais, não estava forçando ninguém para que ocorresse tal casamento. Se a mãe de Margarida tramara tantas atrocidades fora pensando unicamente no dinheiro e não tinha nada a ver com isso, apenas me oferecera para casar-me com Margarida e de fato estava apaixonada por ela.
___ Entendo, o que mais me conta de ocorrências?
Luiz permanece calado.
___ Não tem mais nada para me contar? – retorna a questionar o psicólogo.
___ Joanina volta a pressionar a filha e diz que se ela sente amor por seus pais deve aceitar-me como seu esposo. Está vendo, não sou eu que a pressiono. Além do mais, queria-a comigo sim, mas estava consciente de que não me valeria ter uma mulher que não me amasse.
___ Mas não tinha planos de conquistá-la?
___ Sim, mas não tem como conquistar realmente uma mulher se esta não quer ser conquistada, entende?
___ É verdade. Mas com o tempo, quem sabe se ela não pudesse sentir algo por você e ser favorável à nova conquista?
___ Era as minhas esperanças – suspirou Luiz.
___ Conversou mais com Margarida?
___ Sim, disse a ela que precisava ir a fazenda e, portanto, dependendo de sua resposta, voltaria ou não para a capital.
___ E então, porque esse sorriso no rosto, o que ela respondeu? – questionou o psicólogo vendo que Luiz despontara um grande sorriso de alegria na face tranqüila.
___ Margarida acabou aceitando meu pedido de casamento – respondeu ele ainda sorrindo.
___ E Bruno?
___ O que tem ele?
___ Mentalize-o. Sabe como está? Sua perna foi amputada?
___ Não sei, acho que não.
___ Mas então? – perguntou o psicólogo querendo mais explicações.
___ Não sei da perna dele, mas vejo que não foi amputada.
___ Como ele está?
___ Continua preso e comenta com seu amigo Martolo que sua namorada deve estar muito preocupada com o seu desaparecimento. Martolo o aconselha a escrever uma carta e se propõe a levá-la até Margarida. De imediato Bruno acata a idéia e pede ao amigo que lhe arrume um papel e uma caneta com tinteiro.
___ Vou dar uma pausa para descansar a mente, aguarde sossegado, se quiser pode mudar de posição.
___ Estou bem assim.
Dando alguns minutos de intervalo, Luiz permaneceu repousado enquanto o psicólogo virava a fita no gravador. Em seguida, refez algumas anotações num rascunho que mantinha preso a uma prancheta. Pensativo analisou a folha de papel concluindo suas observações e em seguida voltou seu olhar para Luiz.
___ Pois bem, quero que dê uma breve caminhada.
___ Tenho algo importante a lhe dizer antes disso.
___ Conte então – solicitou o psicólogo.
___ Assim que ela disse aceitar o meu pedido de casamento, fui imediatamente avisar ao padre José Albino que em três meses me casaria com Margarida. Agora sim, posso caminhar.
___ Ocorreram coisas novas?
___ Não muitas, posso continuar caminhando?
___ Sim, mas não percorra muito à frente.
___ Estou vendo algo que não gostaria.
___ O que – perguntou o psicólogo analisando o semblante de Luiz.
___ Joanina está exigindo que Margarida demonstre alegria quando alguém lhe parabenizar pelo casamento, para que não pensem que está se casando apenas por dinheiro.
___ Mas até então não sabia que ela se casaria contigo só pelo dinheiro.
___ Sabia mais ou menos. Não podia adivinhar se ela estava fingindo.
___ Mas ela fingiu em algum momento que...
___ Não, ela nunca demonstrou nenhum sentimento por mim, muito menos fingiu sentir.
___ Mas então?
___ Não sei, estou ficando confuso.
___ Tente se concentrar.
___ Está bem, estou tentando.
___ O que aconteceu diante da aceitação de Margarida em se casar? O que fez, como sentiu? Começou a tomar as providencias para o casamento? Relate-me tudo – quis saber o psicólogo sendo minucioso.
___ Sim, dei ordens a Ezequiel e Helena para que mudassem a decoração da fazenda, a fim de receber sua nova dona.
___ Relate-me mais. Como era essa fazenda?
___ Essa era uma das fazendas que herdara e foi a qual escolhera para meu conforto e comodidade enquanto não estivesse na cidade.
___ Porque a escolhera?
___ Não sei exatamente o porque. Acho que gostei dela mais do que as demais, principalmente da casa em si. O grande referencial dela era o sol que tinha uma trajetória de leste para norte pegando o sol da manha pelos vários cômodos, dando luz e calor para todos os ambientes. À tarde, os mesmos cômodos ficavam reservados na sombra fresca. Havia varias cercas-vivas que evitavam o excesso dos ventos. A propriedade era grande e a casa, que para mim representava descanso e conforto, tinha grandes e luxuosos cômodos rústicos propícios da própria época.
___ Quer dizer que ficava mais na cidade?
___ Não, creio que meus afazeres na fazenda eram maiores, porém também tinha meus negócios na cidade.
___ Continue.
___ O espaço interno da casa era amplo, principalmente na sala de estar e na cozinha. Também havia uma cozinha fora de casa que mantinha a generosidade da mesa para os trabalhadores sem comprometer a minha privacidade. Essa cozinha era mais pratica e evitava a sujeira dentro de casa, principalmente na hora do almoço quando o pessoal chegava com os pés de barro da lida. Além do fogão a lenha, também tinha o forno de barro.
___ Como se faz um forno de barro?
___ Começa-se com uma armação de bambu do tamanho escolhido para o forno. Depois desse esqueleto se assentam os tijolos acompanhando a curvatura. Pronta a estrutura de tijolos, se recobre com uma grossa camada da mesma massa aplicada no fogão de lenha que é barro, açúcar mascavo, água, cal e areia. A massa deve ficar secando pelo menos uma semana e o mais importante é o açúcar que evita eventuais rachaduras. O primeiro fogo é acesso para queimar os bambus. Também existe o forno tipo canudo, o mais tradicional. É feito com argila de cupinzal que dispensa o bambu e o ferro. Qualquer um desses fornos, se não tiver rachaduras, pode atingir a temperatura de 800ºC o que dá para assar uma torta em cerca de dois minutos. Eram fornos muito resistentes e o único cuidado era quanto à chuva, pois não podiam ficar expostos. Na hora de assar, a portinhola e o respiro devem ficar fechados para que o forno não perca calor. Antes é bom verificar a temperatura, pois se estiver muito alta pode esturricar tudo.
___ Mas como se mede a temperatura? Com um termômetro especial?
___ Na época usava-se uma palha de milho que era jogada no forno após se retirar às cinzas. Quando ela se incendiava imediatamente era porque o forno ainda estava muito quente, quando ela pegava fogo somente nas bordas e engruvinhava era porque a temperatura já estava boa.
___ Legal!
___ Os desníveis de piso eram muito usados para dividir os ambientes sociais sem paredes, ou as treliças que também não prejudicavam a ventilação e a luminosidade. Na sala tinha uma lareira que marcava o ponto central do ambiente embora geralmente, nos climas frios, eu fosse me ajuntar aos trabalhadores que faziam fogueira e tocavam viola com cantigas da época.
___ E quanto ao espaço externo?
___ Havia ranchos, quiosques e as varandas que contornavam toda à frente e lateral da casa. Também tinha um lago donde podia-se nadar, remar, pescar ou simplesmente ficar olhando o que para mim era muito repousante. Esse também foi um dos detalhes que me agradou nessa fazenda, pois trazia vantagens ecológicas e climáticas, além de conter uma boa criação de peixes. Os jardins não se tratavam apenas de um gramado tradicional, mas também de muitas árvores e arbustos floridos. Não se tratava apenas de beleza, mas conforto, tendo uma vegetação bem planejada. As alamedas se davam por caminhos sombreados e cheios de paz circulando todo a propriedade desde a estrada de acesso principal aos coches. A sombra era garantida por árvores dos dois lados, com araucária, a rústica aroeira e coqueiros do cerrado. Também havia muitas folhagens e arbustos floridos com espécies frondosas e repolhudas. Em alguns entremeios tinham árvores frutíferas como mangueiras, pitangueiras, abacateiros, dentre outras.
___ Já que estamos falando de árvore, quais eram as arvores que predominavam na região da sua fazenda?
___ Creio que jatobá, paineira, angico, aroeira, pau-ferro, ipê, imbuia e araucária. Das palmeiras posso dizer que eram sortidas, havia jerivá, palmito e buriti. Em muitas árvores se achava orquídeas, bromélias e uma planta chamada de barba-de-velho. Também era fácil encontrar avencas de todas as espécies nas proximidades mais úmidas como perto do lago.
___ Muito bem, vamos retornar ao nosso velho assunto. Continue contando sobre a sua história de vida.
___ Helena que era apaixonada por mim, chorou ao saber de meu casamento e Ezequiel tentou fazer a filha entender que não deveria ter ilusões comigo, pois eu era o patrão e, portanto, eles pertenciam a uma classe diferente da minha.
___ Novamente o preconceito financeiro.
___ Sim, muito normal para a época.
___ Detalhe-me mais, ainda tem alguma coisa que vale a pena ser ressaltada?
___ Margoni Pilar recebe a carta de Bruno e vai até a casa de Margarida para entregá-la.
___ Quem era mesmo essa tal de Margoni?
___ Uma grande amiga de Margarida.
___ E como fica Margarida ao ler a carta?
___ E quem disse que ela leu a carta?
___ Porque, ela não quis ler?
___ Henrico informou a Margoni que a irmã fora até a capital para comprar o enxoval. Assim Margoni retornou para casa com a carta na mão, apenas deixando o recado de que Henrico dissesse a Margarida que tinha algo para lhe dar.
___ Ainda bem que ela não entregou a carta para o irmão de Margarida.
___ De fato – concordou Luiz.
___ Ela estava mesmo na capital comprando o enxoval?
___ Não sei.
___ Bruno fica sabendo do casamento?
___ Não. Talvez até desconfie de algo.
___ Consegue vê-lo agora?
___ Não.
___ Mentalize firme.
___ Sim. Vejo-o comentando com seu amigo Martolo que Joanina e Henrico devem estar por traz de sua prisão e diz ter certeza de que Margarida falará com seu pai e ele providenciará sua liberdade.
___ Porém ela nem ao menos sabe que ele está preso e pior ainda, está magoada por pensar que ele é casado e tem filhos com outra mulher.
___ Sim – concordou Luiz demonstrando a complicação dos fatos.
___ Pode avançar um pouco.
___ Pronto – respondeu Luiz depois de alguns instantes.
___ Como se sente?
___ Estou bem.
___ Podemos continuar?
___ Sim.
___ O que vê?
___ Joaquim, irmão de Margoni Pilar.
___ Primeiramente me descreva quem é um e quem é o outro.
___ Joaquim Martinezi era amigo de Henrico. Simpático, refinado, mas muito cínico. Era de família rica e ilustre, mas por seu comportamento escandaloso foi deserdado. Ele gostava de mesclar palavras francesas em sua conversação e isso o dava popularidade.
___ E a tal de Margoni Pilar? O que ela tem a ver no meio da historia e como ela era?
___ Não sei dar detalhes.
___ Se concentre mais.
___ Já disse que não sei, depois descobrimos isso – concluiu Luiz após breves instantes. – Como disse o irmão dela era amigo de Henrico, talvez ela fosse conhecida de Bruno, não sei.
___ Tudo bem. O que Joaquim está fazendo nesse momento?
___ Não sei, só vi que ele conseguiu pegar a carta onde Bruno explica a Margarida o verdadeiro motivo de seu desaparecimento.
___ E o que ele faz com a carta?
___ Não sei também.
___ Comenta sobre a prisão de Bruno com alguém?
___ Não sei.
___ Está certo, conte-me o que souber.
___ Por enquanto nada. Posso flutuar mais à frente na linha do tempo?
___ Sim, devagar para não perdermos nenhum detalhe.
___ Certo.
___ Então?
___ O Sr. Fernando diz ao filho Henrico que vai pedir ao governador que lhe arrume um trabalho. Henrico mais preocupado com sua irmã pede ao amigo Joaquim que convença Margoni a não entregar a carta para Margarida.
___ Continue.
___ Não sei o que acontece nessa história da carta.
___ Tem algo mais a relatar?
___ Não.
___ Pode flutuar mais em direção ao futuro, algo diferente?
___ Joaquim conversa com Margoni e diz que se realmente ela gosta da amiga não deve lhe entregar a carta. De resto continuo não sabendo mais nada.
___ Pense em Margarida, sabe como ela está?
___ Vejo Fernando perguntando a ela se realmente me ama ou se aceitou o casamento só por causa do dinheiro.
___ O que ela diz.
Luiz permaneceu calado e o psicólogo pode sentir a expressão de tristeza em seu rosto demonstrando o quanto àquela pergunta lhe era indesejável.
Dando nova pausa, o psicólogo aguardou alguns minutos para retornar as perguntas.
___ Continue relatando.
___ Fernando diz a Margarida que não gostaria que ela se casasse apenas por interesse, pois sou um homem bom e honrado e não mereço ter uma esposa que não me ame.
___ Se essa parte não muito lhe agrada, pode percorrer mais a frente se tiver certeza de que não deixará nenhum fato importante sem ser comentado.
___ Pronto – respondeu Luiz depois de alguns instantes.
___ Diga.
___ Margarida descobriu que seu enxoval não foi comprado com o dinheiro da venda das jóias de sua mãe e ficou muito envergonhada ao saber que eu arcara com todos os gastos. Ela discute com a mãe e Joanina diz que esse foi o trato que fizera comigo.
___ Faz mesmo esse acordo?
___ Sim, pois estavam sem dinheiro e se ela ia ser minha futura esposa, porque não pagaria suas compras, principalmente se tratando do enxoval?
___ Mas para a época isso era vergonhoso principalmente a ela, não?
___ Sim, mas queria demonstrar minhas boas intenções.
___ Deixando-a constrangida?
___ Não a deixei constrangida – negou Luiz.
___ Certo então, o que mais ela disse para a mãe?
___ Margarida entendeu tudo errado.
___ Como assim?

___ Ela respondeu a mãe que eu não deveria sentir nada por ela, pois pagando as compras demonstrara que tudo não passava de uma transação comercial.
___ Isso não era verdade, correto?
___ Sim, mas seria difícil demonstrar isso a ela. De toda forma, ela buscava por todos os cantos alguma coisa para dar de desculpa e fazer a mãe mudar de idéia quanto ao casamento. No fundo ela não queria se casar comigo e respondendo a pergunta que seu pai lhe fizera, estava muito visível o fato de que se casaria comigo apenas por dinheiro.
___ E Joanina, o que diz a filha?
___ Ela garante à filha que estou realmente apaixonado por ela. As coisas ficam nessa mesma situação nos dias que precedem. Bruno diz a Martolo que está decidido a fugir da prisão, pois prefere morrer tentando a fuga a ter de viver naquele inferno.
___ Volte a se concentrar em Margarida e em você.
___ Sim.
___ Aconteceu algo?
___ Fernando descobriu que a filha já sabia que eu pagara a hipoteca. Ele a disse que se ela decidiu se casar por causa disso ele falaria comigo pedindo-me que cancelasse o compromisso.
___ O que ela responde?
___ Não sei.
___ Fernando lhe pede que cancele o casamento?
___ Não, acho que não.
___ Avance um pouco.
___ Vejo Joaquim, ele está enganando Ana Maria.
___ Quem é mesmo essa tal de Ana Maria?
___ Não sei.
___ Como sabe o nome dela se não a conhece?
___ Conheço-a sim, mas não sei ao certo quem ela é. Estou um tanto confuso para tal resposta.
___ Tudo bem, não precisa responder agora. Porque Joaquim está enganando-a?
___ Não sei.
___ E como sabe que ele a está enganando?
___ Porque o vejo dizendo que Henrico precisa de três mil réis, caso contrário, seu pai irá para a cadeia. Isso não é verdade.
___ Como sabe que não é verdade?
___ Já sei quem era Ana. Era uma mulher romântica e rica. Devido a sua falta de beleza física, sua insegurança e o rígido controle dos finados pais, se transformou numa solteirona. Envolveu-se com Henrico pouco depois de conhecê-lo.
___ Ela dá o dinheiro a ele?
___ Sim, Ana fica comovida e dá o dinheiro para que Henrico quite a suposta dívida do pai.
___ Volte a concentrar em você.
Luiz sorri espontaneamente.
___ O que se passa contigo?
___ Estou beijando Margarida.
___ Como assim?
Luiz ficou calado e seu sorriso se desfez transformando-se numa careta de desgosto.
___ O que foi?
___ Percebo que fiquei muito triste ao verificar o pouco entusiasmo que ela demonstrou diante da proximidade do casamento. Diferente de mim, ela não estava contente e seus olhos demonstravam isso, não queria que as coisas fossem desse modo. Perguntei-lhe se ela sentia repulsa por mim. Ela respondeu que não, mas disse-me que não concordava com as liberdades que tinha com ela.
___ Provavelmente ela não queria ser beijada por você.
___ É o que parece.
___ Mas como foi que esse beijo aconteceu?
___ Não sei – respondeu Luiz deixando duvida no ar como se soubesse, mas não quisesse responder tal pergunta.
___ Por hoje é só, vou contar até três e estralar os dedos, você retornará...
Aquela terapia em breve começaria a demonstrar seus efeitos na vida de Luiz. As intenções de buscar melhoria própria lhe agregavam forças intimas despontando que não tardaria por adquirir qualidades nobres e importantes das quais ainda desconhecia no seu jeito cotidiano de ser.
___ Como se sente? – perguntou o psicólogo fazendo tal pergunta muito repetitiva.
___ Estou bem, me sinto inclusive melhor do que antes, mas sinceramente é muito estranho descobrir sobre meu passado, tenho a sensação de medo como se estivesse fazendo algo não muito certo.
___ Se mantém bom propósito, não precisa temer, está de acordo?
___ Correto, estou sim.
___ Eu trabalho com esse tipo de tratamento há muitos anos. Devo lhe dizer que não tenho respostas mágicas, capazes de mudar a vida de alguém, seja quem for. Entretanto, com sorte, planejamento e ajuda de pesquisas em livros extraordinários sobre o assunto, descobri alguns truques que podem ajudar aqueles que desejam progredir em qualquer área de tratamento, físico, emocional, etc.
___ Existem pacientes que você trate sem o auxilio da regressão?
___ Sim, são vários. A maior parte deles me procuram para resolver algum problema especifico ou obter sucesso na vida.
___ Esse último, principalmente, é algo que todo mundo quer e pode parecer elogio, mas deixo claro minha sinceridade em dizer que você é um bom aconselhador quando o assunto se trata de sucesso.
___ Já que disse isso vou lhe dar algumas dicas também.
___ Pode dizer – aceitou Luiz.
___ A vida é uma luta atrás da outra, principalmente quando você está começando em qualquer coisa. Primeiramente tente se sobressair e dessa forma, procure as pequenas oportunidades. A maioria das pessoas está sempre esperando por grandes oportunidades. Na realidade, as verdadeiras chances da vida são bem menores do que podemos se quer supor. Em seguida a isso, vale a dica de não ter jamais medo de errar. A maioria das pessoas tenta minimizar seus defeitos ou até mesmo negá-los e para mim isso é um grande erro. Quem assume seus próprios defeitos está a um passo de corrigi-los e encontrar algo de bom que o faça ser perseverante. Nunca use seus defeitos como desculpa para desistir. Se o medo não o paralisa e você já consegue trabalhar sob pressão, já é meio caminho andado para se chegar ao sucesso.
___ Mas também é importante saber conviver bem com o sucesso, sei disso pela profissão que tenho.
___ Sim, realmente disse algo importante. É preciso muito equilíbrio para saber lidar com o sucesso.
___ Já trabalhou com algum caso que tenha lhe marcado muito?
___ Sim, vários. O mais comovente e marcante foi o de uma senhora que desesperada não sabia mais qual atitude tomava para salvar a vida de sua mãe.
___ Caso grave?
___ Sim, bastante. Quer que o relate?
___ Claro, com certeza é um caso que me servirá de exemplo.
___ Ela se chamava Carmem, me procurou porque estava à beira da loucura. Como lhe disse, queria desesperadamente arrumar uma solução imediata e inexistente para salvar a vida de sua mãe.
___ Que mal a mãe dela sofria?
___ A mãe de Carmem estava com setenta e três anos e sofrera um grave ataque cardíaco. Os médicos conseguiram reanimá-la, mas disseram que ela não sobreviveria sem um transplante de coração. Para Carmem era muito complicado ficar no hospital, vendo morrer outros pacientes do mesmo andar e esperando agoniada pelo que poderia ocorrer.
___ Entendo. Realmente é uma situação horrível.
___ Tanto ela quanto a mãe sabiam que as chances de sobrevivência eram mínimas. Com mais de três mil pessoas a espera de um coração, encontrar um que fosse compatível com o tipo sanguíneo e o tamanho do de sua mãe poderia levar anos. Por mais que demorasse, Carmem estava decidida a ficar do lado da mãe, que sempre a ajudara. Os dias se transformavam em semanas, mas o natal trouxe uma esperança: um coração compatível. No entanto, pouco antes da hora marcada para a cirurgia, a família foi avisada de que o órgão não bombardeava o sangue corretamente e não podia ser transplantado. No começo do ano, a mãe de Carmem já não conseguia mais andar até o corredor. Carmem me procurou e foi aos prantos que ela esperou pela consulta encolhida no jardim-de-inverno que tem lá na sala de espera, próxima a recepção. Na terceira cessão, novamente ela não conseguiu segurar o choro e preocupado, o outro psicólogo que atendia também nessa clínica, perguntou-lhe o que se passava. Carmem explicou-lhe toda a história e na pura coincidência, descobriu algo que nem eu mesmo sabia. A esposa do outro psicólogo também estava internada por causa de um problema cerebral, porém o caso dela não era grave e inclusive o médico tinha previsão de dar-lhe alta no prazo de uma a duas semanas. Conforme retornava ás consultas, ela se encontrava com o outro psicólogo e trocavam informações sobre os entes queridos hospitalizados. A esposa do psicólogo tinha quarenta e dois anos, era uma mãe dedicada de cinco filhos. Fora exatamente no dia do natal que ela começara a sentir dores de cabeça e pouco depois sofrera uma forte convulsão.
___ Isso é bom para pararmos de reclamar da vida e constatar que existem pessoas passando por situações muito piores.
___ Sim, na minha profissão o que não falta é motivos para agradecer a Deus a vida que tenho, mesmo com os problemas e dificuldades que por vezes surgem. Continuando, a esposa dele foi levada às presas para o hospital e após os exames, uma radiologista, com a tomografia computadorizada em mãos, exclamou que não sabia como sua esposa ainda estava viva e chegara até aquela idade de forma tão saudável, sem ter antes diagnosticado nenhum grau do problema cerebral que possuia.
___ Me explique direito o que realmente ela tinha, se era uma doença de tamanha gravidade, como me disse que ela já estava para ganhar alta?
___ Na verdade, ela nascera com um defeito raro chamado malformação que ocorre quando as veias e artérias do cérebro estão conectadas de modo anormal. Conforme o tempo fora passando, os vasos emaranhados acabaram por tornar impossível o sangue de chegar ao cérebro. Para o estado de sua doença, apenas restava saída numa cirurgia.
___ E foi feita a cirurgia?
___ Lá pela décima sexta sessão, o outro psicólogo lhe contou que sua mulher retornara para o hospital há uma semana antes e fizera a cirurgia, porém os resultados não eram os melhores até então esperados, sua esposa havia começado a ter hemorragias, estava em coma e respirando com a ajuda de aparelhos.
___ O que aconteceu com ela?
___ Não houve alternativa e os médicos retiraram parte do cérebro dela para dar lugar ao inchaço causado pela hemorragia.
___ E como estava a mãe de Carmem?
___ Continuava de mal a pior ainda esperando por um coração. Sofrendo do mesmo mal, Carmem e o outro psicólogo estabeleceram uma amizade de grande companheirismo e solidariedade.
___ Ninguém melhor para entender um problema do que alguém que sofre o mesmo.
___ Carmem verificou que mesmo sendo psicólogo, ele não conseguia enfrentar tudo com força e coragem como ela imaginava. Em primeiro lugar somos seres humanos e da mesma forma, somos tão frágeis como qualquer outra pessoa, de qualquer outra profissão.
___ Aconselhar é fácil, difícil é enfrentar as situações – comentou Luiz.
___ Poucos dias depois, – continuou o psicólogo em seu relato - sua esposa teve nova crise grave e notaram que seu cérebro sofrera outra ruptura tendo um sangramento fatal. Estava claro que ela não sobreviveria nem mesmo para se despedir dos filhos. Foi naquele momento que o psicólogo teve uma idéia e assim, procurou pela enfermeira encarregada da doação de órgãos. Sua esposa sempre lhe deixara claro sua vontade de doar os órgãos se viesse a falecer e foi dessa forma que ele encheu o dia de Carmem de esperanças. Embora triste com a morte da esposa, ele conservava-se feliz por saber que podia salvar uma vida. Mas tanto um quanto o outro sabia que a chance da compatibilidade era de uma em um milhão. Lembro como se fosse hoje, da Carmem chorando nessa mesma cadeira que você está sentado. Ela soluçava tentando me dizer que ninguém nunca lhe dera um presente como aquele. Fizeram as checagens. O tipo sanguíneo embora diferente não era problema, pois a esposa do psicólogo possuía tipo O e como doadora universal não acarretaria impedimentos para o transplante do órgão. A doação direta de um coração é quase inexistente e a compatibilidade entre o tamanho do órgão e do corpo de sua mãe, impressionou os médicos como se realmente acabasse de ocorrer um milagre, porém, ainda inacabado, faltava finalmente à cirurgia. Antes desta, o psicólogo foi visitar a mãe de Carmem que já o aguardava ansiosa após saber de tudo. Os dois se abraçaram e choraram juntos. Como todos relataram, uma estranha paz interior surgiu naquele momento demonstrando que por mais destruído que esteja um coração, os sentimentos pertencem à alma. Aquela era uma historia de vida e morte que trocaram de lugar. Também me emocionei muito com o caso e até hoje me comovo ao relatar essa historia. Esse psicólogo não mais trabalha aqui, se mudou para a capital. Carmem tendo o problema resolvido retornou poucas vezes e logo após, eu mesmo a dei alta dizendo que ela era uma mulher muito corajosa. Não sei se ela continuou mantendo contato com o outro psicólogo, mas sei que sua gratidão para com ele será eterna.
___ Sem dúvida é uma história impressionante. Então, por hoje é só? – perguntou Luiz verificando as horas no relógio e se levantando em seguida.
___ Sim, ainda tenho vários pacientes para atender – respondeu o psicólogo num sorriso carismático.
Luiz ainda tinha muito para descobrir e aos poucos dar seqüência ao seu tratamento.

12ª Sessão
___ Quero que retorne a trilha sobre sua linha do tempo retomando todas as ultimas lembranças e detalhes que me relatou.
___ Sim.
___ Está pronto?
___ Creio que já, pode perguntar.
___ O que vê?
___ Nada.
___ Se concentre em você mesmo como Paulo Ricardo.
___ Sim – respondeu depois de algum tempo. - Estou conversando com Margarida, acabei de dizer a ela que sou muito paciente e saberei esperar até que ela possa corresponder ao meu amor.
___ Avance um pouco mais.
___ Durante recepção na casa dos familiares de Margarida, Fernando comunica o compromisso de sua filha comigo e digo a ela que lhe amo e sinto muito orgulhoso, principalmente agora que o casamento está firmado.
___ A contra gosto dela, não?
___ Sim, mas não tinha total consciência disso.
___ E Bruno, o que lhe fizeram? Ainda continua preso ou conseguiu fugir?
___ Martolo disse a Bruno que ia ajudá-lo a fugir.
___ Sabe se ele fugiu?
___ Não, ainda não sei, estou sem informações quanto a isso.
___ Você ainda desconhecia a existência de Bruno enquanto estava encarnado?
___ Sim.
___ Pode avançar mais um pouco.
___ Minha nossa!
___ O que vê?
___ Miguel matando Gervásio.
___ Desconheço todos os dois, quem eles são?
Luiz permaneceu calado.
___ Não os conhece?
___ Sim, sei quem são.
___ Não quer responder a pergunta que fiz?
___ Agora não.
___ Porque o tal Miguel está matando o outro homem?
___ Faz isso porque o capataz descobre que ele e Nardeu estão planejando roubar o gado da fazenda.
___ Certo. Isso não vem muito ao caso.
___ É, realmente.
___ Fixe o pensamento em Bruno, tente saber o que aconteceu com ele.
___ Sim, ele consegue escapar da prisão.
___ O que mais me conta?
___ Henrico diz a Joaquim que seu pai o expulsou de casa e que precisa conseguir algum dinheiro para que seu pai se convença de que está realmente trabalhando. Ele é um verdadeiro trapaceiro até mesmo dentro de casa, está vendo?
___ Continue – disse o psicólogo fazendo mais algumas anotações.
___ Joaquim propõe que ele se case com Ana, pois assim poderá levar uma vida de rei.
___ Ele aceita o conselho do amigo? Aliás, que amigo esse, deve ser um sem vergonha como Henrico.
___ Não sei, creio que não.
___ Porque acha que não?
___ É apenas suposição, não sei se sim ou se não, estou confuso.
___ Tudo bem, não precisa saber desse detalhe nesse momento. E Margarida, como ela está?
___ Joanina pediu a ela que falasse com o pai e o convencesse a perdoar Henrico. Margarida negou e disse que seu pai fez muito bem em expulsá-lo de casa.
___ Concorda?
___ Claro, ela está certa.
___ Continue – pediu o psicólogo colocando a prancheta de lado.
___ Posso avançar mais um pouco?
___ Sim.
___ Vejo Bruno. Ele diz a Martolo que, como conseguiu a liberdade, irá até sua fazenda para pegar algum dinheiro e depois retornará.
___ Correto, o que mais?
___ Bruno diz a Martolo que pretende procurar Margarida para explicar porque desapareceu sem lhe dar nenhuma explicação.
___ Pois bem, ele nem imaginava que ela estava preste a se casar com outro, estou certo?
___ Isso mesmo.
___ Continue.
___ Fernando critica Joanina por ter contado a Margarida sobre o empréstimo que lhe fizera para que pudessem pagar a hipoteca.
___ Acha que Fernando está certo?
___ Não sei, pouco me importa que Margarida tenha ficado sabendo, de qualquer forma os sentimentos dela por mim não iriam se abrandar.
___ O que mais vê?
___ Bruno está procurando Margoni Pilar. Só que assustada ela se nega a recebê-lo.
___ Porque? Não era ela que ia entregar a carta dele para Margarida?
___ Sim, mas Joaquim deve lhe ter dito muitas mentiras sobre Bruno ao pedir que não entregasse a carta à irmã de Henrico.
___ Não sabe o que ele disse a ela?
___ Não.
___ Tem certeza de que ele contou alguma mentira?
___ Não tenho duvida, mas também não sou dono da certeza.
___ Vamos avançar um pouco mais. Concentre em você e também na Margarida, são os dois mais importantes nessa historia.
___ Chegou o dia do nosso casamento.
___ Está feliz?
___ Sim, bastante.
___ E ela?
___ Não sei, como poderia saber?
___ Acha que ela esqueceu o Bruno?
___ Não, logicamente, mas até então ela pensava que ele fosse um homem casado e, portanto, a houvera enganado. Além do mais, estava desaparecido.
___ Não por mais muito tempo já que fugira da cadeia, estou certo?
___ Pode ser que sim, não sei.
___ Mais uma vez quero que me confirme o seguinte: Conhecia Bruno, sabia da existência dele?
___ Não, nem imaginava que Analice estivesse apaixonada por outro homem, apenas notava que ela não correspondia a meus afetos. Como sabe, não tinha conhecimento da existência desse sujeito.
___ Mas imaginava sim que Analice gostava de outro, não?
___ Não sei, creio que supus isso e pensei algumas vezes nesse fato, mas não podia adivinhar que ela fosse apaixonada por outro homem.
___ Tente visualizar Margarida de novo.
___ Não consigo.
___ Então me fale de você mesmo.
___ Estou com um amigo chamado Caio, ele me diz em tom de brincadeira que ainda está em tempo de me arrepender do casamento e voltar atrás.
___ E porque faria isso? Tem algum motivo específico que desconheço?
___ Não sei.
___ O que diz a ele?
___ Lhe disse, ou melhor, admiti que estava nervoso, mas, ao mesmo tempo, deseja muito estar com Margarida.
___ E a história da carta? Sabe com quem ficou ou o que foi feito dela?
___ Não, apenas sei que Margoni Pilar recebeu outra carta de Bruno. Poso ir para frente, quero ver o que aconteceu e se de fato houve o casamento.
___ Pode, mas não se precipite muito.
___ Vestida de noiva ela ficou ainda mais perfeita. Lembrando as pinturas caras trazidas da França, seu cabelo havia sido penteado sustentando um expressivo arranjo belíssimo de cachos loiros e uma coroa de orquídeas organizadas como tiara. Atrás, o resto do cabelo fora recolhido num coque trançado e complementado pelo longo véu. Mais em cima havia uma tiara de perola e brilhantes enfeitada com mini orquídeas naturais que emoldurava todo o penteado de topete alto. Mecha por mecha, os cabelos dela estavam enrolados sempre no mesmo sentido e os cachinhos dourados davam ao penteado a combinação perfeita. Ela era verdadeiramente uma sofisticada e apaixonante dama. Os demais cachos eram mantidos soltos e não faz idéia do quanto fiquei encantado ao vê-la.
___ Continue. Como era o vestido.
___ Ela estava vestida como uma princesa, seu vestido era muito rodado em cascatas de tule formando uma saia majestosa, corpo justo cortado em cetim rebordado com pedrarias. A calda de renda também fora toda rebordada. Se o vestido não fosse branco diria que ela estava parecendo uma copia perfeita de Cinderela. Incrivelmente ia me casar com uma doce moça já mulher, de cabelos dourados e olhos encantadores.
___ Como ela se sentia? Sabe?
___ Não. Mas sei que durante a festa ela pediu ao irmão que falasse comigo, queria que Henrico me explicasse que ela não poderia se casar comigo.
___ Porque? Apenas pelo fato de não o amar e ter outro...
___ Não sei - interrompeu Luiz.
___ O que aconteceu?
___ Henrico se negou dizendo que seu pai não resistiria à tamanha vergonha e desonra.
___ Então se casaram?
___ Sim. Para mim tudo foi lindo. Conforme escolhido e preparado, depois de casarmos, para a festa em si, ela recebeu os convidados com um rodado vestido de tafetá sedoso, de saia franzida, farfalhante, armada por saiotes longos, de golona tripla redonda compondo um belo decote decorado com um laço nas costas e contendo mangas bufantes com detalhes de pregas e nervuras. Na frente havia um triangulo frontal feito de organza sublinhado por babadinhos de tule. Para completar usava luvas e chapéu.
___ E você, como estava?
___ Também estava de branco mantendo um clima descontraído pela cerimônia campestre. Usava paletó, colete, fraque e cravo na lapela com lenço branco. Também usava uma gravata larga, tipo echarpe em tom prata.
___ Então se tornaram marido e mulher?
___ Sim.
___ Se sentia feliz por isso?
___ Lógico, muito.
___ E ela?
___ Não sei.
___ Avance um pouco – solicitou o psicólogo.
___ Pois bem, depois da cerimônia, Margoni Pilar entregou a Margarida a carta de Bruno onde ele marcava um encontro no jardim. Caso contrário, entraria na casa para buscá-la.
___ Ele já sabia que ela se casara?
___ Não sei.
___ Até então continuava desconhecendo a existência dele?
___ Sim.
___ Continue.
___ Margoni Pilar disse que se Bruno chegasse a entrar na casa poderia acontecer uma tragédia e Margarida decidiu ir ao seu encontro.
___ Você não ficou sabendo disso?
___ Não, ela foi às escondidas logicamente.
___ E o que sucedeu ao encontro?
___ Margarida disse a Bruno que fora obrigada a se casar e que também estava convencida de que ele a havia enganado com relação à suposta esposa dele e também dos filhos. Bruno lhe jurou que nunca se casara e disse estar certo de que tudo não passara de uma armadilha de sua mãe e seu irmão para separá-los. Dessa forma, Bruno propôs a Margarida que fugissem e ela aceitou.
___ Mais uma vez combinaram a fuga.
___ Sim e não me pergunte se esta aconteceu, pois não sei e tenho até receio de avançar mais para frente.
___ Pois se lembre que tudo já é passado e necessita dar continuidade ao seu tratamento.
___ Sim, sei disso.
___ Qualquer coisa que lhe tenha acontecido já passou e não tem como voltar no tempo para refazer os acontecimentos.
___ Infelizmente não.
___ Se arrependeu do casamento?
___ Não, mas acho que se tivesse como voltar atrás e refazer ou reviver os erros, tudo seria mais fácil.
___ Mas estamos sempre revivendo, passando constantemente por novas experiências e erros.
___ É, mas... Tudo bem, você tem razão.
___ Ficou sabendo que Margarida pretendia fugir?
___ Sim. Caio ouvira a conversa e me disse que vira minha mulher beijando outro homem e também que pretendiam fugir. Não imagina minha preocupação e fúria.
___ Certo. Tudo está muito interessante, mas tenho algumas conclusões a fazer e retornaremos na próxima sessão. Vou contar até cinco e estralar os dedos, você retornará para a sala...
Luiz acordou como sempre se sentindo zonzo e aguardou deitado até recuperar todos os sentidos. Ao melhorar o psicólogo o chamou para que sentasse na cadeira frente à mesa.
___ Antes de darmos continuidade, precisamos verificar se minhas suposições fazem sentido e o que você próprio conclui.
Luiz balançou a cabeça afirmando.
___ Então, quais as conclusões que fez até agora? – questionou Luiz verificando que o psicólogo analisava sua prancheta de rascunhos.
___ Reconhece sua esposa? Acha que ela pode ser realmente Analice?
___ Sim, o jeito é o mesmo, porem me estranha o fato de estar tendo a mesma mulher como esposa por duas encarnações seguidas, isso é comum?
___ Depende. Se hoje ela retornou como sua esposa é porque precisam estar juntos, seja em resgate de dívidas ou quem sabe até mesmo por merecimento.
___ Conheço caso donde pai volta como filho ou esposa como mãe, mas a honra de casar duas vezes com uma mulher tão fascinante igual Analice e como era Margarida, é difícil de acreditar e não sei como tive merecimento para tanto.
___ Por certo se merecem.
___ E nos amamos muito.
___ Identifica Bruno em alguém hoje?
___ Não, imagino que não.
___ Vamos analisar bem a situação. Analice que supostamente era Margarida estava apaixonada por um homem de classe distinta, ou seja, de menores ou poucas condições financeiras. Nisso, você aparece sem mais nem menos e por ocasião dos fatos vivenciados no dia-a-dia, ela se vê obrigada a casar contigo. Diante disso gera-se uma situação complicada entre ela e Bruno embora não saibamos ainda se ela fugiu com ele, está certo?
___ Exato.
___ Esse tal de Bruno não pode ser o rapaz...
___ Sim, como não pensei nisso? – interrompeu Luiz verificando a lógica dos fatos. – Bruno pode ser o tal de Tiago.
___ Isso mesmo.
___ Quer dizer que já por duas vezes ele disputou Analice comigo?
___ É o que parece, dessa vez você ficou com ela e continuam juntos até hoje, mas será que na sua vida anterior foi assim também?
___ É, boa pergunta. Mas o que meus ciúmes tem a ver com todo esse rolo?
___ Ainda é cedo para concluir qualquer coisa. Imagino que muitos fatos se sucederam pela frente, será que eles conseguiram fugir?
___ Espero que não.
___ Ficaremos sabendo disso na próxima sessão. Nosso tempo de hoje já se esgotou.
Após se despedirem, Luiz retornou para sua casa acompanhado de Analice e sentindo-se mais aliviado relatou-lhe alguns detalhes de seu tratamento, porém, ainda não lhe dissera que ela supostamente seria Margarida.

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