Obrigada pela visita!

Obrigada pela visita!
...SEJA SEMPRE BEM VINDO!

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Capitulo 10 – Escrevendo a própria vida II

Exatamente três meses depois, as notícias eram totalmente diferentes. Analice de infiel e traidora, passara a ser vítima de uma complicada armação de fotógrafos e jornalistas que estavam todos metidos em tremenda confusão naquela altura dos acontecimentos. Pelo menos, quase tudo parecia decorrer bem, superficialmente melhor do que antes.
Analice, ainda ressentida com tudo o que lera nos jornais, não acreditava que tudo parecia estar acabando e olhando para sua barriga já se avolumando, deixava as lágrimas escorrerem por seu rosto enquanto lia o juramento escrito por Luiz e poetado no discurso feito perante todos no dia do casamento. Muitas coisas não foram cumpridas a risca e uma delas seria por ele ter duvidado da fidelidade dela.
Passando a mão em sua barriga, ela se olhou no espelho pensando como pudera um dia ter pensado na crueldade de tirar de si aquele ser que não só naquele momento, mas para sempre, seria uma das coisas mais importantes de sua vida. Com a situação mais calma, já se preparava para ser mãe. Mas o que ela mal conseguia esperar, era sua reconciliação com seu amado marido.
Dentro de casa, a situação junto de Luiz permanecia fria e ele sentia certo receio de conversar com Analice imaginando que ela ainda continuasse revoltada pela atitude como ele agira, dando pouco caso a sua gravidez e ao próprio filho, duvidando da fidelidade e do amor que ela lhe tivera. Luiz queria dar toda aquela historia por encerrado e inclusive tinha posto fim no seu pedido de separação anulando todo o processo feito até aquele momento. Sentia que seu amor por Analice era muito maior do que seu orgulho.
Muitas vezes pela tarde, quando o sol transpunha a parte baixa da cidade, descia afogueando para a banda inferior dos apartamentos, dourando com os últimos esplendores os cimos dos prédios donde via-se ao longo das ruas, a mesma solidão existente naquela situação de conflito que passara a existir entre o casal. As pessoas que caminhavam, voltando do trabalho, pareciam distraídas estreitando os passos com pressa de chegar logo em casa.
Quanto mais os dias passavam, mais as recordações de quando estavam juntos, dos tempos em que foram felizes, se tornavam pesadas. A ironia e a amargura de cólera transbordava nos corações numa sintonia de falso desprezo um pelo outro.
As noites eram vazias e longas. Pareciam noites vagarosas de inverno donde o brilho do céu sem lua ficava tremulo, cultivando gemeres de trevas selvagens e terríveis. Tudo ficava pior ao horário da madrugada, hora em que a cidade se recolhia e o orvalho se pendurava na beira dos telhados, gotejando pelos vidros das janelas entre abertas. Tudo seria ainda mais torturante se realmente fosse inverno, a verdadeira estação em que se treme de frio e da qual um corpo junto à cama substitui qualquer coberta. Por sorte não era inverno ainda, mas as noites continuavam com o mesmo aspecto, frias e úmidas, solitárias e arrastadas por uma agonia intima de duas almas que vagavam buscando por esperança e reconciliação.
Ninguém poderia entender plenamente o sentimento que vibrava dolorosamente as fibras do coração de Luiz. Misturava arrependimento, tristeza, desgosto e aflição. Ele se transbordara de um amor puro e sincero e julgava ter sido traído. Sentia que havia dado aos sentimentos uma qualificação muito especial e que por fim, experimentara um completo engano a esperança dos valores que desejava para si receber de sua esposa. Era como se uma voz de maldição desabridamente julgasse todos os últimos acontecimentos e o condenasse a infelicidade eterna.
Analice estava concluindo seu ultimo semestre e pretendia entrar no mestrado logo depois do período de férias. Os preparativos para a formatura eram comentados com alvoroço e animação pela turma, prometendo boas realizações.
Certa noite, saindo mais cedo do ultimo dia de aula na universidade, Analice foi pega de surpresa ao encontrar Luiz lhe esperando como antigo costume ao invés do motorista. Voltar de ônibus para ela nunca fora agradável, mas dentro das situações financeiras familiares, ela jamais reclamara e enfrentava a situação com tranqüilidade. Em sua briga com Luiz, passou a ser levada e buscada por um motorista particular que a carregava conforme as precisões. Mas sem dúvida, nada era melhor do que ser levada e esperada na volta numa recepção pelo próprio marido. Como no tempo de namoro e noivado, aquele final de noite caia com um sabor especial.
Luiz a esperava com um lindo e enorme buquê de flores. E os fotógrafos nem se cabiam na euforia de disputar quem iria tirar a melhor foto.
Analice observando que todos a olhavam, entre emoção e curiosidade, parou a poucos passos. Luiz a esperava em pé, encostado no seu carro importado de primeira linha e assim que a viu, esticou o buquê numa reverencia charmosa e delicadamente romântica. Recebendo as flores e fazendo forças para esconder um sorriso que insistia em aparecer por seu rosto, ela apreciou os olhos emocionados e brilhantes de Luiz provando que ele de fato arrependera-se dos maus entendidos e discussões. Aquele olhar sedutor com jeito de quem a implorava por reconciliação iniciou seu efeito exatamente ali.
Abrindo a porta gentilmente, Analice sentou-se colocando no colo o buquê que lhe tampou toda a visão. Os seguranças do lado de fora, pelejavam segurando a multidão que de todo jeito queria se aproximar do automóvel. Fechando a porta, Luiz contornou o carro e deixou os espectadores sem maiores novidades. Sentado no banco de motorista com sua esposa ao seu lado, colocou o sinto de segurança e dando partida se retirou do local. Incrivelmente, nenhum repórter ousara lhe fazer qualquer pergunta indiscreta provando que eles estavam todos encrencados com os noticiários publicados até então.
___ Existem coisas que não se podem negar ou mentir e a percepção dos sentimentos é algo que acontece dessa forma. Ninguém consegue fingir o amor e aqueles que se deixam ser enganados, é porque não sabem o que de fato é ser amado verdadeiramente. Não sei porque me fez passar por tudo isso, é impossível que não tenha sentido o quanto fui sincera durante todo o tempo que nós estivemos juntos e o quanto foi único e verdadeiro o amor que nos uniu, o prazer que gerou esse filho que tenho comigo.
___ Nada do que eu disser vai amenizar o que já passou, mas também tenho muito para lhe dizer – completou Luiz.
O resto do trajeto foi tranqüilo e silencioso. Ao chegar em casa, um clima novo rescindia no ambiente e a casa mantinha um aspecto romântico e agradável.
___ Quero que feche os olhos – pediu ele assim que abriu a porta do carro ajudando Analice a sair.
Analice sem nada dizer fechou os olhos sem entender o que aconteceria. Sentia uma enorme alegria despontar em seu intimo e sabia perfeitamente por qual motivo ela se fazia. Sendo carregada por Luiz, ele a levou num local novo da casa, o qual vinha preparando durante alguns dias em total segredo, sempre trancando a porta.
___ Pode abrir – disse ele colocando-a de volta em pé.
Diante de seus olhos, o quarto mais bonito que já vira em toda sua vida estava montado naquele cômodo próximo ao quarto dos dois. Aquele era o quarto do futuro bebê, cheio de detalhes mimosos e delicados, brinquedinhos, algumas roupinhas, bichinhos de pelúcia espalhados aos montes e um encantado berço com uma cadeira de balanço ao lado. Tudo estava lindo e dessa vez, Analice não pode deixar de sorrir até as orelhas.
___ Sei que esse filho é meu, mas mesmo que não fosse, compreendo que fui um idiota e não quero perder a coisa mais importante desse mundo que é você.
Analice o olhou sem ter palavras para dizer tão grande sua emoção. Em pensamento, apenas refletiu consigo mesma:
Ah, Luiz! Não sabe como esperei desejando por isso, por esse momento...
___ Fui um incompreensível e tratei-a duramente, mas quero que me perdoe assim como esquecerei o passado. Durante todo o tempo fiquei imaginando como seria difícil e sofrido para mim se você resolvesse ir embora de vez. Fiquei indignado quando li nos jornais que iria embora pois estava cansada das minhas ofensas sem justificativas que valessem um pingo de credibilidade. Não deveria ter desconfiado de você. Porque não me disse tudo o que se passava contigo? Porque?
___ Por medo. Não queria perde-lo e ao mesmo tempo...
___ O que sente hoje por Tiago?
___ O amei muito, mas meu coração foi conquistado e desde então sempre foi seu. Sinto muito carinho e daria minha vida por ele, mas pensaria em você em primeiro lugar, não porque assinamos um papel ou porque nos casamos e atualmente é pai do filho que espero, mas porque um sentimento nos uniu e me fez perceber que não poderia fugir mais do meu destino. Eu já lhe pertencia, não por estar casada, mas porque tenho algo a resgatar junto de ti, tenho uma vida para viver ao seu lado e uma família para construir em nome do amor que sentimos um pelo outro.
___ Recebi uma carta do Tiago – disse Luiz causando uma reação de impacto sobre Analice que ficou surpresa.
___ Quando?
___ Há alguns dias, logicamente era para você.
___ Você a leu?
___ Sim.
___ Mas porque fez isso? Se ele enviou...
___ Sou seu marido e mais do que nunca pretendo estar atento. Depois de tantos acontecimentos, não ia fingir sobre a carta como se não a houvesse visto. Além do mais, exigiria explicações de toda forma e de maneira alguma penso que tenha agido errado ao ler a sua carta.
___ Mas o que ele dizia? O que fez com a carta?
___ Ele disse, ou melhor, escreveu que adoraria se o filho realmente fosse dele, pois eu não a mereço. Disse também que nunca vai te esquecer ou deixar de te amar pois foi o único amor da vida dele, mas um amor que agora é acabado e destruído. Ele não fala nada bem de mim nessa carta, diz que não sou um bom homem para você e se ficar comigo sofrerá muito. Ele está trabalhando, bem de situação e se quiser poderá recebe-la de braços abertos. Você já teve muitas liberdades de escolha e para ele a sua ultima foi errada. No final ele disse que leu as notícias nos jornais e foi muito procurado pelos repórteres mas se recusou a dar qualquer entrevista ou responder qualquer pergunta. Mesmo todos pensando que ele também tivesse culpa nessa história, ele não quis se meter no meio. Como ele mesmo relata, não foi por falta de oportunidade que ele não a levou para a cama, mas por causa da sua fidelidade e do sentimento que passou a ter por mim. Não queria confessar a nenhum entrevistador que perdeu a mulher de sua vida por culpa de um homem tão idiota como eu. Ele tem razão, somente depois de ler a carta é que vejo o quanto fui tolo.
___ E continua sendo. Quer dizer que acredita na minha fidelidade não por mim, mas pela carta que recebeu? Se não fosse essa carta, minha palavra nunca comprovaria o meu amor por você, não é?
___ Pode pensar que não, mas já pensava em retomar nosso casamento antes de receber a tal carta. Suplico-lhe e rogo por seu perdão – disse ele quase se ajoelhando.
___ Não pense que suas cenas irão me comover. É um maravilhoso ator, mas comigo seu teatrinho fica bem diferente.
___ Pensei que fossemos nos entender.
___ Também pensei o mesmo, mas por vez preciso de um tempo.
___ Te dou o tempo que quiser, mas não me diga que precisa fazer uma nova escolha.
___ Infelizmente não podemos mandar no coração e escolher...
___ Quer dizer que se pudesse não estaria comigo hoje?
___ Para dizer a verdade, nenhum de vocês dois merecem-me.
___ Só me faltava essa, vai querer arrumar um terceiro? – perguntou Luiz comicamente.
___ Posso passar por todos os homens do mundo, acho que...
Analice fez um sinal com o rosto interrompendo a frase.
___ O que você acha? – questionou Luiz aproximando-se novamente junto a ela.
___ Não conseguiria desafiar o próprio destino.
___ Porque tanto fala em destino?
___ Por nada – respondeu ela balançando a cabeça enquanto ocultava seus pensamentos. – Apenas não sairia vitoriosa me colocando contra o meu próprio coração, tentando enganar os meus sentimentos. Se quiser saber a verdade, estou me segurando para não lhe agarrar nesse momento e te cobrir de beijos, chamá-lo de meu amor ou de razão da minha vida. Dizer que não agüento mais tanta confusão e que estou para explodir de saudade das suas caricias, de desejo pelos seus beijos e pela falta que me faz a cada segundo.
___ Você se sente exatamente da mesma maneira como me senti durante todo o tempo em que nós estivemos longe um do outro, mesmo de baixo do mesmo teto, o que só piorava a situação. A cada vez que lhe via, não posso negar que meu sentimento de raiva pela traição era rebaixado pelo amor que lhe tenho.
___ Se é assim, aceito suas desculpas e neste momento colocamos um ponto final sobre essa historia de traição que nunca houve – concordou Analice feliz e esperançosa.
Nenhuma outra palavra seria capaz de suprir as saudades que estavam um do outro, até porque, os abraços e beijos já diziam qualquer complemento.
Novamente juntos e dessa vez como um casal inseparável, faziam planos e mais planos pensando desde um futuro próximo ao que sucederia em longo prazo.
___ Já que se formou e estará de férias depois da formatura, poderíamos marcar nossa lua de mel que foi tão adiada, não acha? – perguntou Luiz mais do que contente.
___ Claro, até porque, depois que a criança nascer farei meu mestrado e novamente voltarei a ser compromissada, também pretendo arrumar um emprego. Gostei muito do estagio e...
___ Calma, não precisa tanta pressa. Prefiro que cuide do nosso filho enquanto estiver fazendo o mestrado e depois comece a trabalhar, além do mais, nunca lhe faltará nada.
___ É, tenho de pensar na criança primeiro, mas não quero ficar parada dentro de casa.
___ Concordo, não quero que minha mulher seja chamada de dona de casa – brincou ele. - Bem, tudo dará certo – sorriu dizendo com convicção.
___ Onde passaremos nossa lua-se-mel atrasada?
___ Podemos iniciar pelo litoral, mas com você eu quero dar a volta no mundo. Temos de aproveitar enquanto sua gravidez está recente.
___ Sim, daqui uns meses a barriga vai ficar enorme.
___ E você vai ficar ainda mais linda – disse ele beijando-a com carinho.
___ Como nosso filho vai se chamar? Quer que seja uma menina ou menino?
___ Não me importa o que será, mas gostaria de colocar o nome da minha avó materna que já se foi. O que acha de Rosalinda? É nome antigo, mas...
___ É um nome lindo e não me importa que seja antigo. É graças aos seus antepassados que você está aqui hoje.
Assim como tantos outros casais, Analice e Luiz formavam um belo par e que, teria durante todos os dias, o prolongamento de um romance cheio de aventuras e amor.
Em todos os jornais a notícia era a mesma: “casal comemora a sua união e programam finalmente a lua de mel”. Dessa vez os editores estavam pedindo a assinação de Luiz autorizando qualquer mensagem que fosse ser publicada e o processo por danos morais continuava decorrendo a favor de Luiz.
Para Martino, uma pergunta ficava solta no ar e totalmente sem resposta: Aquela criança que viria ao mundo, seria o retorno de Pedro? Estaria ele reencarnando e tendo Marta dessa vez como avó? A duvida não seria esclarecida e assim, Martino não insistiu em ficar pensando no assunto. Desejava que a sua encarnação e a dos seus familiares continuasse sucedendo normalmente rumo a evolução e ao aprendizado constante. E como dissera tantos anos antes, seria um prazer receber Pedro novamente naquela família.
Enquanto isso, Tadeu depois de anos sem notícia de Analice, tivera outro sonho com ela, Tiago e Luiz. Seria aquela uma nova visão? Se fosse, Luiz passaria por um acidente donde o avião cairia numa mata explodindo-se e deixando apenas cinzas, embora ele e uma jovem garota conseguissem ser os únicos sobreviventes que seriam então encontrados por uma tribo indígena. Ali ficariam presos como refugiados. O abalo seria geral e não só Analice como milhares de espectadores sofreriam pela suposta morte do ator. Meses depois, Tiago procuraria Analice dizendo que nunca deixou de ama-la e o coração dos dois ficaria balançado entre um antigo romance mesmo ela sentindo muita falta de Luiz e garantindo que nunca amará ninguém da forma como sentia por seu esposo. De tal forma, Luiz corre o risco de perder sua esposa que no momento se considera viúva. Muitas coisas podem decorrer com o passar dos dias e grandes emoções podem marcar a vida de cada um. A garantia é que ninguém pode determinar ou fugir daquilo pelo qual tem de sofrer ou sentir. A vida é assim para todos e tudo depende apenas das nossas atitudes e intenções.
O casamento de Analice finalmente estava se passando as mil maravilhas e a cada dia, o clima romântico envolvia os dois de bênçãos e amor. Tudo continuaria decorrendo muito bem, pelo menos, era o que todos desejavam e esperavam. Será até quando?
Como o futuro é sempre um mistério para aqueles que não o detém e nem podem prevê-lo, as novidades e os acontecimentos se sucederiam como forma de aprendizado e experiência, provas e expiações, alegrias e tristezas para aqueles dois seres que predestinado por uma sina de compromisso vindo dum passado de longa data, estavam juntos cumprindo finalmente seus deveres como marido e esposa. Como todo casal que se encontra e decide viver junto, aquela união exigia o respeito, a paciência, a compreensão, a fidelidade e o comprometimento total ao lar e a família. Sobretudo isso, exigia o essencial: muito amor.
Feliz pelo presente momento, foi em festa que Analice comemorou o lançamento do seu livro. Ela cumprira a sua parte deixando um pouco de si registrado na tradição familiar daquelas escritas e na seqüência de narrações, mais um livro estava pronto, porém, uma curiosidade se criava em torno de todos: ela deveria passar o livro adiante e portanto, quem seria o próximo a ter talento e se dedicar escrevendo a própria vida?
Se essa também é a sua duvida agora, então, aguarde o próximo livro: Escrevendo a própria vida III.




Fim



Uberlândia, 20 de janeiro de 2004 / 15 de julho de 2004.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

capitulo 9 - continuação

Meses Depois...
Analice se encontrava acomodada em sua poltrona favorita desfrutando um pequeno oásis de tranqüilidade no que fora uma semana frustrante de provas na universidade. Lembrava-se de sua infância quando pulava sobre as camas, corria pela casa, derramava refrigerante e comida na mesa, disputava o controle da televisão com Martino e queixava-se por tantas coisas bobas.
Enquanto Analice se consumia em lembranças, Tiago estava retornando de viagem e logo saberia do que se passara em sua ausência, principalmente que ela, sua namorada, amor de sua vida, se encontrava casada naquele exato momento.

Tiago ao retornar de viagem, não querendo acreditar no que os jornais e revistas anunciavam, foi diretamente procurar por Analice e preferindo um local mais reservado para esclarecer suas duvidas, propôs um encontro. A conversa entre os dois não seria fácil, nem muito menos agradável.
___ Você não pode continuar nesse casamento, está com ele só porque tem dinheiro, não é? – questionou Tiago irritado segurando o braço de Analice com força.
___ Não, não foi só por dinheiro. Será que não compreende que agora sou uma mulher casada e não quero que me procure mais?
___ Eu a amo, onde esta aquele amor que você também sentia por mim?
___ Ficou guardado, não acabou, mas também não pode vir à tona. O nosso romance acabou.
___ Não tente tirar as esperanças que me restam – pediu Tiago com a voz sufocada. – Não quero te perder de vez.
___ Pois você já me perdeu. Por favor, fique longe de mim, não me procure, é arriscado, você sabe, sou esposa de uma pessoa da mídia, os fotógrafos estão por todos os lados e não suporto encontros escondidos. Não quero que vá me procurar na faculdade ou em nenhum outro local.
___ Vou dar um jeito nessa situação.
___ Como assim, o que vai fazer?
___ Não te preocupes, confie em mim. Logo serei muito amigo de Luiz e os fotógrafos não desconfiaram de nada quando nos virem conversar.
___ Não quero que atrapalhe meu casamento, entendeu?
___ E acha que vou deixar esse casamento atrapalhar toda a minha vida?
___ Você vai encontrar outra pessoa que o faça feliz.
___ Mas eu amo você, dou tudo e faço qualquer coisa para te ter novamente nos meus braços.
Tiago suspirou como se lembranças antigas lhe aflorassem na mente.
___ Tenho que ir, eu não quero que me telefone, nada de ficar marcando encontro daqui e ali. Só aceitei que nós víssemos aqui pois precisava me esclarecer de uma vez por todas contigo e confirmar o que supostamente já sabia. O que tinha entre nós dois acabou há muito tempo.
___ Diz que não me ama, olha nos meus olhos e diz. Vamos – exigiu ele aproximando seus lábios aos de Analice.
Os olhos de Analice encheram-se de lágrimas dolorosas que rolaram ligeiras molhando o decote da blusa. O que mais desejava era render-se àquele beijo caloroso e ardente, mas não podia. Era fiel a Luiz e jamais queria magoar seu esposo que se separara da primeira mulher justamente por causa dela.
___ Me solta, não quero que fique insistindo, será que não pode me deixar em paz? – respondeu ela dando um safanão no braço segurado por Tiago. – Eu não quero ama-lo como antes e não irei ama-lo mais. Fui clara? Com licença, tenho mais o que fazer – concluiu Analice virando as costas.
Tiago com os olhos marejados contemplava a imagem de Analice que se distanciava em passos largos. Ele não acreditava que toda a paixão existente entre eles pudesse desaparecer ou muito menos acabar. Jurava a si mesmo que aquela situação não ia ficar daquele jeito e ainda teria Analice de volta. Para Tiago era insuportável pensar que perdera a mulher de sua vida por questões financeiras.
Analice retornou para sua nova e confortável casa e aliviada sentiu ao saber que Luiz não estava. Deveria ter ido a algum lugar qualquer e logo retornaria. Cuidando para que ele não percebesse os olhos vermelhos de choro, Analice tomou um banho e trocou de roupa.
Algum tempo depois a porta se abriu e Luiz passou calmamente por ela.
___ Tudo bem com você, meu amor? – perguntou Luiz carinhosamente dando um beijo na testa de Analice.
Analice balançou a cabeça.
­­­___ Pois para mim você não me parece muito bem.
___ Existe uma grande inquietude em meu coração e continuo me sentindo muito insegura.
___ Posso dizer que te conheço e sei que algo não esta bem contigo. Diga-me a verdade é o que te peço.
­­­___ Jamais quero imaginar o final dessa... – Analice mexeu os olhos bruscamente e se calou.
___ O que dizia?
___ Nada. Senti que me olhou diferente naquela noite quando nos conhecemos e depois fui acariciada e encantada com um beijo seu me deixando sem saber o que fazer. Estava só lembrando certas coisas, é bom recordar – disse Analice disfarçando-se.
___ É impressão minha ou você esta mudando seu caráter perante minha pessoa?
___ Como? – complicou-se ela.
___ Seu jeito não é o mesmo, sinto...
___ Imagina, sou a mesma de sempre e, bem... só não quero te perder e também não quero que esse amor acabe, nunca – gaguejou ela se enrolando nas ultimas palavras.
___ Algo não anda bem, sinto no ar que respiro. Existe alguma coisa afligindo-te.
___ Não, estou apenas com uma enxaqueca, mas logo vai passar, acho que foi as preocupações com as provas e trabalhos da faculdade em si que exauriram um pouco das minhas forças físicas e mentais – desculpou-se ela. – Depois, estou rodeada de tantos fotógrafos que dá para ficar zonza, mas confesso que nosso casamento foi a melhor festa de toda a minha vida e penso que jamais nenhuma outra me agradará tanto.
___ Talvez nas nossas bodas de ouro.
___ Tomara – sorriu Analice.
___ Agora que nossa vida se encontra normal, logo você ficará bem. E eu posso dizer que agora sim, minha vida esta caminhando bem e ter-te como minha esposa é como um delírio.
___ Mas não é – tornou Analice a sorrir.
___ Graças dou por não ser. Estou muito contente.
___ Eu também – disse Analice sem saber se estava mentindo ou falando a verdade.
Espero com o tempo superar a apreensão do meu amor restante por Tiago e de fato me sentir feliz com esse casamento. Por pouco essa confusão de amores não me mata, mas em todo caso, me sufoca e não sei se me arrependerei quando ver Tiago novamente. Só de lembrar do Tiago, pareço me transformar em outra pessoa e por completo perco a minha calma. Está estampado e escrito na feição do meu rosto e qualquer um poderá perceber que não estou bem, pois é pensar em Tiago e meu sorriso desaparece. Quando me lembro dele e do nosso namoro não rompido, todas as maravilhas dos últimos dias ficam cinzas, nubladas e tristes. Agora que meu futuro começa a se aproximar eu tenho de ficar mais segura pois já não sou criança e estou casada, a situação não ficará assim por muito tempo. Mas não conseguirei ir para a cama com Luiz, que por incrível que pareça é meu marido agora, estando pensando em Tiago. Pelos céus e a divindade de tudo que existe na natureza, não sei se agi certo optando por esse casamento. Não posso me enganar, sei que não foi apenas por dinheiro que me casei, estava endividada sim e as condições de pagar a faculdade estavam ficando complicadas, mas sinto um carinho muito grande e Tadeu disse... oh, eu não quero mais pensar nisso, quanto mais penso pior me sinto.
___ Vem comigo meu amor, chegou à noite de nos dois e você é a razão da minha vida, somente você e eu, na nossa loucura romântica – convidou ele sedutoramente encaminhando-a para a cama.
___ Não me sinto preparada.
___ Não me deixe esperar muito, você me enlouquece. Esse amor me faz revelar que contigo quererei passar os restos dos meus dias, a eternidade toda.
___ É melhor adiarmos as suas pretensões até que a minha enxaqueca...
Analice não terminou observando a cara entre surpresa e sem graça de seu esposo. Luiz um pouco sem jeito compreendeu as necessidades de Analice e não mais tocou no assunto. Iriam passar mais uma noite sem consumarem verdadeiramente o casamento. Analice só não sabia até quanto tempo conseguiria estender tal situação.
Aquela situação apreensiva atemorizava Analice e resolvida estava de não ter relações sexuais com Luiz enquanto seu coração não mudasse de opinião quanto aos desejos ainda sentidos perante a lembrança de Tiago. Por vezes ela se perguntava porque não conseguia esquecer Tiago de vez já que era exatamente isso o que queria, pelo menos, imaginava querer isso. Não entendia como aquela confusão se formara já que antes do casamento, estava animada e pensando que ao lado de Luiz, não teria tempo para recordar do seu namoro “não acabado” com Tiago. O fato de que ele a procuraria querendo uma boa explicação era plausível de se supor, mas será que ele se conformaria? Se Analice bem o conhecera, sabia que ele ficaria de cima dela e o pior aconteceria se tentasse destruir aquele casamento. Tiago teria capacidades para isso? Analice teria agido precipitadamente se casando e escondendo de Luiz que já tinha um namorado e um romance oculto? Aos poucos as respostas apareceriam, trazendo o peso de si próprias.
Analice teria de renascer em seu estado de esposa e definir de vez o que fazer. Por mais que julgasse ser o correto, não teria coragem de contar a verdade para Luiz.
Estando no meio de tanto conforto, se salientava numa sublime alegria que lhe inundava o coração e tudo o que mais queria era que aquele compromisso matrimonial perdurasse durante toda sua vida. Por outro lado, falando francamente do seu sentimento de amor, uma cratera se aprofundava no fundo de seu ser. Era cogente divisar até que ponto estava bem pelas coisas luxuosas que lhe cercavam. Somente assim poderia analisar seus anseios diante daquela aderência nupcial.
Analice não queria se lamentar de nada e ainda julgava cedo para decifrar o que fazer. Assim, apenas desejava que suas conquistas renovassem seu esforço em esquecer Tiago de uma vez por todas.
Na noite do dia seguinte, Luiz sentiu-se perturbado novamente. Deparando-se com aquela situação extremamente complicada de seus embaraçados sentimentos, Analice tentou detalhadamente agradar Luiz fazendo-lhe mimos e demonstrando-se satisfeita com tudo.
Iniciava-se a troca de impressões entre os dois e as dificuldades intimas eram expostas ao companheiro de tal forma que este não tinha como deixar de aceitar. Passariam por uma experiência nova da qual teriam, os dois juntos, de arquitetar projetos de grandes esforços em nome daquela união, principalmente se falando de Analice. Luiz teria de manter sua perseverança na dedicação de conquistar aquele coração já tomado para si. As intenções teriam de ser postas de lado e a revelação das fraquezas juntamente com as faltas cometidas, mais cedo ou mais tarde viriam à tona e Analice sabia disto.
Assim que Luiz se aproximou tocando com leveza os cabelos de Analice e percorrendo as mãos subitamente por suas costas e cintura, ela se sentiu toda arrepiada.
Se eu quero esquecer o Tiago é melhor me entregar ao Luiz. Mas, não, e se...
­___ Está linda hoje, mais do que sempre já o é.
___ Precisamos conversar – comentou ela.
___ Percebo que tem estado diferente nesses últimos dias – comentou Luiz ao se deitar.
___ Não, eu? Diferente?
Analice o olhou meigamente e num abraço entrelaçou-se ao seu segundo amado. Luiz sem entender aquele gesto sentiu-se feliz e acariciou as costas de Analice novamente.
___ Sim, está mais delicada, dócil, me olha de maneira diferente. Como agora.
Analice suspirou aliviada.
___ Impressão sua, só estou cansada e desejo ter uma boa noite de sono – respondeu ela sem saber o que dizer enquanto deitava no seu canto da cama.
___ Porque foge quando tento toca-la e acaricia-la? Quando lhe beijo parece que estou beijando uma parede, não sinto nada da sua parte. Não me corresponde, não está feliz com a nossa vida de casados?
___ Não é isso.
___ O que é então? – questionou Luiz querendo satisfações.
___ Não estou me adaptando, tente entender.
___ Vai fazer quase três meses que nos casamos e nada aconteceu entre nós, quero que se entregue a mim. Estamos dormindo juntos nessa mesma cama mas nem dá para notar que somos casados. Estou me cansando de ficar a espera de que aconteça algo entre nós e toda noite você vira para mim e diz que precisa dormir pois está cansada. Não entendo. Estou começando a desconfiar que existe outro homem no meio dessa história. Diz-me a verdade, você não quer ou não pode se entregar a mim?
___ As duas coisas, mas não tem outro homem nenhum – respondeu Analice temerosa.
___ Pensou de mais para uma pergunta tão simples. O que faz você não querer ou não poder ser realmente minha mulher?
___ Por favor – respondeu Analice quase chorando. – Não me entenderia.
___ Não entenderia o que?
___ É que... – enrolou Analice sem saber o que dizer.
Não devo dizer-lhe que amo outro homem mas que o amo também, seria ridículo contar que estou dividida.
___ Diga – solicitou Luiz.
___ Tenho medo, é isso – mentiu Analice dando a primeira desculpa que lhe surgiu na cabeça como alternativa.
___ E acha que compreenderei seu medo até quando? Não está tentando me enganar, está?
___ Não – gaguejou Analice.
___ Pois se descobrir...
Luiz interrompeu a fala vendo que Analice chorava reprimindo os soluços.
___ Eu o amo tanto e é assim que me trata, com desconfianças?
___ Não parece que me ama.
___ Você é um insensível, sabia? Reclamava-se de dormirmos juntos e nada acontecer, ótimo, vou dormir na sala – irritou-se Analice falando acima do seu tom normal de voz enquanto pegava seu travesseiro e colocava os chinelos.
___ Analice! Volte aqui, me desculpe.
A porta bateu-se antes que Luiz chegasse até ela.
___ O que foi que eu fiz? – perguntou ele a si mesmo.
Na sala, Analice chorava revoltada com aquela situação.
___ Analice, venha, vamos, volte para a cama. Desculpe-me, não queria brigar com você, sei que fui um tolo e incompreensível, mas só queria saber o que estava realmente acontecendo entre nós. Tenho sido tão paciente mas você sabe que sou homem e... desejo-te ardentemente desde o dia em que nos conhecemos.
Analice sentou no sofá jogando o travesseiro no canto.
___ Desculpe-me, por favor.
Ele jamais entenderia se dissesse a verdade. Pensou Analice ao olhar para Luiz que agachado frente a ela segurava em suas mãos.
___ Está certo, tenho ciúmes de você, não sei o que acontece e me decepciono ao ver que... você não está se abrindo comigo, queria que confiasse em mim e...
Analice o olhou demonstrando que seus pensamentos estavam distantes dali.
___ Está me escutando? – questionou Luiz.
___ Não quero que se sinta decepcionado com o nosso casamento. Quero sim ser feliz ao seu lado, ter uma família e... mas se gosta realmente de mim, me de mais um tempo até conseguir acostumar com a vida de casada. Ainda sou muito nova e para ser sincera não tinha a pretensão de me unir a alguém tão cedo. Saiba que se casei com você é porque lhe amo e não aceitaria motivos para desconfiança ou ciúme, alias, não sou eu que apareço na televisão, saio dando autógrafos e sendo assediada o dia todo.
___ Vou te esperar lá na cama – disse Luiz não dando muita atenção ao que ela dissera e que, por partes, era verdade.
___ Pois não espere porque não pretendo dormir ao seu lado depois do que me disse. E se insistir eu sofro o resto dos meus dias, mas nem ao menos o gosto dos meus beijos sentirá outra vez.
___ Às vezes acho que você casou comigo por causa do meu dinheiro, mas chega, não quero mais discussão por hoje. Certo, fique aí, faça o que quiser – respondeu ele já entrando no quarto.
___ Porque está tão grosseiro ultimamente? Nem parece a pessoa romântica de quando te conheci, o cavalheiro fino e educado.
Luiz já não a ouvia e irritado bateu a porta do quarto. Após muito chorar, Analice conseguiu dormir no sofá da sala.
O sábado amanheceu alegre e o sol, com seu costumeiro mormaço, brindava o novo dia. Analice perdera o sono, se é que conseguira dormir algumas horas. Sem saber o que fazer, trocou de roupa no banheiro de visitas e saiu indo à casa de sua amiga.

___ Entre, que surpresa ter-la aqui.
___ Preciso conversar contigo, é a única amiga pela qual tenho confiança de me abrir e contar o que está acontecendo.
___ Mas o que aconteceu?
___ Briguei com Luiz – respondeu Analice num sorrisinho murcho.
___ De novo, mas porque? Não me diga que ele descobriu...
___ Não, ele ainda não sabe do Tiago.
___ Puxa! Que alivio, você me assustou.
___ Mas ele continua desconfiado e não é para menos, já esta até pensando que me casei com ele por dinheiro.
___ Não é verdade, é?
___ Não, de fato ele me ajudou e ajuda muito financeiramente, mas gosto muito dele, nunca me casaria apenas por dinheiro, jamais isso me passaria pela cabeça.
___ E então?
___ Meu coração está dividido.
___ Viu o Tiago?
___ Sim. Não sei o que fazer.
___ Sente-se.
___ Pois você não sabe o quanto me dói e me parte o coração ter que ver o Tiago sofrendo por mim. Ele me ama, nunca me esqueceu e diz que jamais desistirá de mim. Não sei o que sinto por Luiz, se é mais forte ou não, mas também gosto de Luiz e tenho medo dessa situação. Luiz sabe que me casei com Tiago por necessidades financeiras. A situação estava difícil e foi Luiz quem me ajudou, devo muito a ele mas não quero fingir algo que não sinto. Estou confusa e não agüento mais – contou Analice deixando com que uma lágrima escorresse em cada lado de sua face.
___ Conte tudo a Luiz, se ele a ama mesmo irá compreender a situação.
___ Não posso, é arriscado.
___ Não tem medo que o próprio Tiago faça isso?
___ Não sei o que pode acontecer. Nunca pensei que ser disputada por dois homens fosse me fazer sofrer tanto. Não sei a qual devo entregar meu coração. Não posso e nem quero ficar com os dois, mas não sei o que fazer. Às vezes penso que amo meu marido, mas, quando vejo Tiago...
___ Como é sua relação com Luiz?
___ Ele me respeita, nunca encostou a mão em mim em horas que não quisesse. Quer dizer, nunca quis, exatamente por não ter certeza do que realmente sinto. Ele faz de tudo para me agradar, é um bom esposo sem duvida nenhuma, além do mais é o tipo de homem que qualquer mulher gostaria de ter, bonito, rico e famoso. Por favor, ninguém pode saber disso que estou te contando, você é a única que sabe sobre Tiago, além do meu irmão – pediu Analice.
___ Não, claro, não direi a ninguém – confirmou sua amiga.
___ O Tiago é uma pessoa de sentimentos fortes que persegue seus objetivos com muita intensidade e pouca hesitação. Sustentando suas aspirações, ele é capaz de empreender esforços prolongados para conseguir aquilo que deseja. Diz que é norteado para o sucesso e não vacila em suas determinações. Creio que ele não desistirá mesmo de mim.
___ É, tais pessoas desse gênero não são facilmente influenciadas e nem mesmo os obstáculos ou fracassos iniciais conseguem faze-las mudar de curso. São irracionalmente teimosas e irreversíveis em suas determinações. Ele vai te dar trabalho e bom será se não arrumar confusão – aconselhou a jovem.
___ Sei disso. Tiago sempre preferiu solucionar seus problemas estando sozinho, sendo independente. Ele não gosta de ser auxiliado ou ter interferência daqueles que não solicitou. Tem liderança, é decidido e seguro de si. Motiva as pessoas e faz suas idéias frutificarem. Ele é amante de aventura mesmo não estando sempre aberto a idéias novas. Porém ele procura dominar os outros com sua criatividade e originalidade. Não teme riscos, esta sempre explorando os horizontes que cria para si. Ele age dinamicamente e se torna impaciente quando seus desejos não são satisfeitos.
___ Acho que imagino como ele é. É do tipo que traça o próprio destino, limpando o próprio caminho e visualizando suas metas sem ajuda alheia. Mas tem uma coisa, quanto mais uma pessoa procura alcançar seus objetivos utilizando a força ou a violência, mais oposição e perigo encontrará. Tem de tomar cuidado com isso. De todo o resto, não é uma característica tão ruim, ele sustenta uma forte independência, tem poderes de dedução e prefere gastar suas energias em objetivos sólidos e de confiança. Deve ser prudente em assuntos financeiros como no manejo do seu próprio dinheiro, é sério e metódico podendo dirigir negócios que exigem mão firme.
___ Mas no momento está desempregado – disse Analice respirando fundo.
___ Ele tem tudo para arrumar um bom emprego, é conservador e gosta de manter as coisas numa perspectiva correta. Com certeza, dificilmente exagera nas suas descobertas, cálculos e expectativas, além do mais, deve ser disciplinado quanto a suas responsabilidades.
___ Mas ele não deveria se mostrar tão assim, insistindo em fazer as coisas apenas à sua própria maneira – reclamou Analice. – Não irei me curvar prontamente à vontade dele. Também tenho meus sentimentos pelo meu marido.
___ Age certo. E Luiz, como ele é?
___ Luiz é diferente. Ele tem uma habilidade acima do normal para comunicar e promover suas idéias por meio da influencia que exerce sobre outras pessoas. É simpático e transmite seus sentimentos e emoções na maneira de olhar. Ele tem uma habilidade toda especial para perceber as coisas que virão a ser importantes e pode fazer uma avaliação acurada dos potenciais futuros.
___ Também, para a vida que tem, só toma decisões importantes – comentou a amiga de Analice.
___ Ele é moderado em suas persistências e jamais deixaria que alguém ficasse sabendo que está sendo influenciado. Ele tem um talento peculiar para fazer com que as pessoas desejem o que elas mesmas desejam, conquistando desse modo seus objetivos de forma segura, porém indireta. Ele é mais flexível. Em condições desfavoráveis ele tende a ser demasiadamente conciliador tomando o caminho mais fácil que estiver a sua frente. Nos piores momentos ele é inconstante e gosta de buscar apoio. Ele valoriza sua ética, tem elevado senso moral e uma boa dose de autoconfiança. Conhece o valor intrínseco das coisas, seus interesses são vastos e variados. Tem uma natureza expansiva e cooperativa permitindo que se entregue a realizações de grande escala. Além do mais, ele tem uma personalidade executiva sabendo distribuir e separar os assuntos em suas exatas categorias e ordens. Tem um espírito progressista e generoso desenvolvendo seus projetos em longo prazo.
___ Parece que te ouvindo falar assim, você gosta mais de Luiz – comentou a amiga de Analice.
___ Não sei. Até eu fico em duvida. Luiz é um homem de fama, sabe convencer outras pessoas a fundir e unir forças. Fiquei cativa pela personalidade que ele tem. Ele defende o desenvolvimento e a renovação constante. Sabe partilhar quaisquer recompensas, obtidas mediante esforços coletivos. Ele é extraordinariamente fácil de conviver, trabalhador, esforçado e generoso com aqueles a quem ama muito.
___ Mas a meu parecer ele é uma pessoa fria, o que pensa?
Analice balançou a cabeça e breves minutos depois comentou:
___ Superficialmente pode parecer sim uma pessoa fria, mas na realidade não é. Ele não é tão calmo quanto pode apresentar ser, embora se deixe perturbar facilmente, é capaz de manter o autocontrole. Gosto muito dele, é alegre, feliz e sociável. Não é como Tiago que em certos momentos fica critico demonstrando ser um descobridor de erros alheios. Luiz gosta de festas e reuniões movimentadas, tem um pouco do meu estilo. Além de tudo, é romântico e sedutor. Ele não é uma pessoa fria. Trata seus amigos com verdadeiro carinho, às vezes fica envolvido nas gravações dos filmes e na vida de outras pessoas e não consegue se livrar facilmente das ligações sentimentais fortes depois que as faz. E o que me surpreende é a maneira como guarda seus segredos no que concerne a confidencias, é um especialista em “jogar verde para colher maduro.” Muito embora goste de guardar seus sentimento, posso dizer quando ele está aborrecido pois tende a ficar nervoso, ríspido e impertinente. Algo que o irrita muito é a preguiça e o desperdício.
___ Quais são os aspectos que você mais nota no seu marido, positivos ou negativos?
___ Os dois – sorriu Analice. – Assim como acontece com o Tiago. Agora, algo que os dois tem em comum é o fato de serem acumulativos, guardam recordações, lembranças e muito bagulho sentimental que pode ser encontrado em seus corações. Tanto um quanto o outro é hábil em enfrentar dificuldades e durante uma crise o desempenho é ainda mais excelente. São sensatos e perspicazes tendo intuição aguçada para ocupar-se traçando planos e metas. Digo que minha relação com Luiz é um tanto difícil pois sou uma pessoa que tenho ciúmes das atenções dispensadas aos seus admiradores, mesmo sabendo que ele só tem olhos para mim.
___ Conheço como você é, recorre ao choro com freqüência para atrair atenção, é afetuosa e expansiva não gostando que a deixem sozinha.
___ Interessante escutar outra pessoa falar da gente – sorriu Analice prazerosamente. – Você é uma amiga e tanto, não sabe como me distraio conversando contigo.
___ Sempre que precisar, pode contar comigo, você sabe disso – sorriu sua amiga demonstrando sinceridade. De toda forma, é você quem tem que conduzir esse enigma de triangulo amoroso.
___ Já que você falou em enigma, o que ia me contar aquele dia em que fomos ao cinema ver o filme da esfinge?
___ Você tinha me perguntando algo sobre os egípcios, não foi?
___ Não me lembro – disse Analice tentando recordar. – Mas me conte o que sabe sobre eles.
___ Os egípcios são um povo que pode se vangloriar da formosa magia sacerdotal. Eu gosto muito dessas coisas e sei que eles guardam os mais recônditos segredos dessa sabedoria oculta.
___ Em tempos remotos, aquele país era governado por semideuses vivos, que tinham deixado a Grande Pirâmide e a Esfinge de Gizé como testemunho pela grandiosidade e pelo mistério que os envolvia. Foi isso que percebi no filme – comentou Analice.
___ Ainda hoje fico fascinada com a tal esfinge, você viu no filme, ela é composta de uma beleza permanente com o corpo de animal e a cabeça humana, de patas leoninas alongadas sobre a ardente areia do deserto.
___ Ela olha para o Oriente. Esculpida em rocha viva.
___ Para os egípcios era a temida guardiã e a poderosa protetora da cidade dos mortos – disse a amiga de Analice. – Chamavam-na de Pai do Terror e consideravam a zona que a circundava como o lugar mais sinistro do mundo, onde se realizavam danças terrificantes, com espíritos, fantasmas, vampiros, etc.
___ Tenho orgulho de saber que foi meu marido quem fez o papel principal do filme sendo o Faraó. Ele não é um ator incrivelmente maravilhoso?
___ Não sei como você pode ficar dividida entre dois homens ao ter um marido como ele.
___ Ainda me considero muito jovem para ser sábia dos sentimentos amorosos, apenas isso.
___ Mas não deixe que apenas isso lhe faça perder um homem como Luiz. Aquela cena dele envolvendo os mortos em grossas esteiras e sepultando-os no terreno arenoso foi fantástica. O filme teve uma produção maravilhosa, soube muito bem demonstrar as crenças religiosas daquele povo, principalmente o fato de que para terem uma vida feliz extraterrena tinham de conservar o corpo perfeitamente, criando aquele ritual de sepultamento.
___ O ruim em tudo isso é que não posso acompanha-lo, são meses de gravação e essa separação não me agrada. Quero meu marido ao meu lado e não metido entre câmaras e pessoas pedindo autografo.
A amiga de Analice deu uma boa risada dizendo em seguida:
___ Ter um marido famoso dá nisso, mas se fosse você eu não reclamaria.
___ Esta bem, de fato não quero reclamar mais sobre minha situação. O que mais você gostou no filme? – perguntou Analice.
___ Aquela cena onde estão embalsamando os cadáveres.
___ Sim, também gostei dessa parte. Era um processo habilidoso e caro que exigia muitos conhecimentos em anatomia humana. O mágico processo da Múmia.
___ E depois de todo o processo ela era entregue aos parentes que mandavam construir um leve caixão de madeira cuja forma seguia as linhas do corpo do morto e sobre a qual estavam inscritas as formulas mágicas para evitar as armadilhas e obstáculos ao longo do caminho para a cidade de Osíris, o Deus dos mortos.
Analice pensou um pouco e depois comentou:
___ É legal a história, mas analisando bem, acho que os conhecimentos deles eram bem distorcidos. Onde se viu haver um Deus dos mortos? – questionou Analice.
___ Para certas religiões existem vários Deuses, são politeístas.
___ É, não vamos discutir sobre religião pois respeito todas e mesmo achando varias coisas erradas em outras crenças, eu sei que cada um acredita naquilo que acha conveniente e que lhe faz sentido ao coração.
___ Além do mais, o que importa não é a religião, mas sim a religiosidade que um homem tem, a fé e as suas atitudes. Voltando ao filme, fiquei encantada com aquela cena onde antes de fecharem o caixão eles cobrem o rosto da múmia com uma mascara fúnebre em ouro, prata e papiro modelado e pintado, ornado de pedras preciosas.
___ O filme ficou muito interessante, fiquei arrepiada naquela cena onde cruzaram as mãos da múmia sobre o peito e cobriram-na com jóias- amuletos. Era a garantia à alma de uma rápida e feliz chegada ao País do Repouso Eterno. Ainda bem que aqui não existem esses tipos de rituais.
___ É, ainda bem – concordou a amiga. – Na minha opinião você deve ficar com seu marido que já é seu marido e esquecer o Tiago, por mais doloroso que seja. No fundo você gosta do Luiz e se não fosse pelo Tiago, estaria vivendo muito bem ao lado do seu marido.
___ É, vou ver o que faço para resolver essa situação. Agora se não se importa, acho melhor ir embora. Outra hora eu venho lhe ver. Luiz deve estar me esperando.
___ Desejo-lhe sorte para que tudo ocorra bem.
___ Obrigada.
___ Fiquei feliz com sua visita. Retorne assim que quiser e será sempre bem vinda.
Após se despedirem com um abraço carinhoso, Analice retornou para sua casa pretendendo dar continuidade a seus afazeres normais de um sábado tranqüilo. Ao chegar em casa, Luiz a esperava meio nervoso e ainda mais desconfiado.
___ Onde foi? – perguntou ele logo que a viu entrando pela porta.
___ Fui à casa de uma amiga – respondeu Analice sem encara-lo.
___ Queria te pedir desculpas por ontem. Só desejava que se comportasse como minha mulher.
___ Não anseio conversar novamente sobre esses assuntos com você, é perda de tempo se acha que vai conseguir que eu te realize na cama. Se quiser ter o meu corpo todo, primeiro tem que conquistar meu coração.
___ Achei que já houvesse feito isso. Porque decidiu se casar comigo então?
___ Lhe dei uma chance. Achei que me casando seria tratada ainda com mais...
___ Diz, estou aqui para ouvir o que for.
___ Não tenho nada a dizer, sei que é um marido excelente e...
Paga todas as minhas despesas. Pensou Analice não pronunciando as palavras.
___ E?
___ E me ama – concluiu Analice sentindo que novamente uma dor aguda lhe invadia o peito.
___ Desde que nos casamos tenho feito tudo por você, te dou jóias, levo-a para jantar nos melhores restaurantes, trato-a com respeito e carinho. Dou-te todo o meu amor e não recebo nada em troca, pelo contraio, a bem mais de dois meses de casado minha mulher se recusa a dormir na mesma cama que eu. Se por acaso tiver se arrependido é preferível que seja clara e me diga, é melhor do que ficar me iludindo.
___ Não estou te iludindo – disse Analice já chorando.
Luiz também mantinha os olhos vermelhos como se houvesse chorado toda à noite.
___ O que mais quer que eu faça?
___ Me de um tempo – respondeu Analice.
___ Eu te dou, mas quero que seja sincera.
___ Você quer saber a verdade?
___ É a única coisa que desejo.
___ Se desconfiava de outro homem, este existe e era apaixonada por ele antes de te conhecer.

A pior negação de aproximação que Luiz obtivera de Analice fora no terceiro dia depois do casamento, quando ele entrou no banheiro e a viu se enxugando. Luiz a segurou por trás beijando-lhe as costas macias e perfumadas que lhe colaram ao peito. Analice ficara intacta enquanto ele continuava passando uma das mãos pelo pescoço e a outra na cintura dela. Quando tentou tirar a toalha enrolada-lhe sobre o corpo, Analice se debateu dizendo que não. Por vezes ela parecia querer se entregar, mas de ultima hora resistia e mudava de opinião.

Luiz a olhava entre o espanto e a decepção.
___ Mas porque se casou, claro, dinheiro, está na cara.
___ Não, eu juro, está bem, eu precisava, mas não foi só por dinheiro... aliás, você sabe que ao nos conhecermos eu tentei evita-lo, tinha medo de acontecer o que aconteceu, deu ficar apaixonada por dois homens. Não quero que nosso casamento se transforme numa desilusão de ambas as partes.
___ Todos nós corremos o risco de viver grandes desilusões. Algumas vezes chegamos a pensar que não conseguiremos suportar tanta dor. Mas suportamos, sim. Somos muito mais fortes do que pensamos, e se tentarmos amenizar a dor que agora nos abate, verá que o sol brilhará em nossas vidas antes mesmo do que você imagina. Algumas situações que enfrentamos no dia-a-dia são como embarcações em que você entra sabendo que ela pode naufragar. Mas se isso me acontecer, saberei nadar com braçadas fortes, porque uma praia de areias brancas e sol forte me esperará logo à frente, entende o que quero dizer? Agora, quanto a você, terá de decidir, é impossível, deve gostar mais de um, imagino que seja ele – disse Luiz com a voz fraca e as faces molhadas de lágrima.
___ Não diga isso. Não acredita no que sinto por você?
___ Acredito, mas creio que o ama mais. Não percebe que enfrentar dia após dia desse casamento é uma farsa ao seu próprio coração? Está mentido a si mesma. É bom saber disso, para mim é duro dizer isso mas saiba que você é livre. Não terei raiva de você pois foi...
Luiz tampou os olhos e mal conseguiu dizer as ultimas palavras, estava chocado com aquela revelação.
___ Não vê que não quero me separar de você?
___ Não quer que eu a divida com outro, quer?
___ Não, só quero que me de um tempo para que possa entender os dizeres do meu coração, qual dos dois ele vai querer.
Luiz nada disse, estava arrasado. Sentia uma solidão por dentro que era inexplicável. Não agüentava mais chegar em casa e ficar com os pensamentos atordoados na cabeça sem entender de fato o que se passava dentro daquela casa. Era como se os pensamentos saltassem pelas paredes e numa batida de vai e vem retornassem para si próprio. Mesmo estando no meio de muita gente, sendo admirado por muitos, tendo dinheiro, se sentia rejeitado e sozinho sem entender ao certo a situação e sem saber o que pensar.
___ Acredite que gosto muito de você – disse Analice aos prantos.
___ Quero acreditar.
___ Eu te amo também.
___ Se suas palavras fossem verdadeiras, cairiam como chuva em terra seca e deixaria nosso amor germinar, mas não são. Se algum dia tiver de realmente acontecer algo entre nós, quero que esteja com seu coração aberto para me amar e se entregar de corpo e alma, sem medos ou receios, sem se preocupar com outro alguém, entende? Eu lhe quero bem, se quer se separar de mim, tudo bem, quero que seja feliz, apenas isso. Se não der certo, estarei aqui, pronto para recebe-la.
Analice ao escutar tais palavras desabou-se num choro tempestuoso e deixou-se cair sobre o sofá. Jamais desejava aquilo para seu casamento e em sua vida.
Minha vida está acabada, já vi que vou acabar sem ninguém. Porque não fui naquele maldito cruzeiro, droga. Se tivesse ido não teria conhecido Tiago e tudo teria sido maravilhoso. A vida de Tadeu foi ruim por ter fugido do destino e eu acabei fazendo a mesma besteira, como pude ser tão tola?

Dois dias depois, Analice esperava por Luiz na saída da faculdade quando repentinamente Tiago apareceu.
___ O que faz aqui? Não vai me dizer que está aqui por acaso? – questionou ela espantada.
___ Não, vim de propósito. Ligue para o Luiz e diga que uma amiga vai lhe dar carona – insistiu Tiago.
___ Porque faria isso? Alias, já não te pedi varias vezes para...
___ Não dá para acabar um sentimento só porque você quer, entenda isso. Não se pode escolher pela razão e desobedecer ao coração.
___ Pára com as suas conversas fiadas, não temos mais nada para conversar, vai embora, Luiz deve estar quase chegando.
___ Porque não me dá uma chance? Eu estou tentando arrumar emprego e não é justo...
___ Chega – gritou Analice. – Posso parecer frívola, mas estou me apaixonando de verdade pelo meu marido, como já tentei dizer, meus sentimentos mudaram com relação a sua pessoa.
___ Pois sei que você ainda me ama – disse ele num cochicho ao segurar os pulsos de Analice.
___ Me larga, esta me machucando. Não quero escândalo, por favor – pediu Analice desesperadamente observando as pessoas que curiosas começavam a ver a cena.
___ Está bem, eu vou, mas saiba que isso não vai ficar assim, não me conformo.
___ É assim que você me ama, não é? Sendo egoísta, preferiria me ver infeliz ao seu lado a ver-me feliz junto do homem que hoje é meu marido, pois saiba que estou ficando com nojo de você – disse Analice irritada. - Contei tudo a Luiz, ele não se importou, foi compreensível e disse que se a separação fosse me fazer feliz nos divorciaríamos, mas jamais farei isso, não vale a pena.
Os olhos de Tiago marejaram de água.
___ Se acha que é mais feliz com ele, com esse amor vago e mentiroso, que você se dane – disse Tiago saindo irritado ao finalmente soltar os pulsos de Analice. – Em todo caso, não te darei paz, até o ultimo dos meus dias.
Analice tentou não chorar e se não fosse Luiz ter chegado logo em seguida, não teria suportado o transtorno que as palavras de Tiago lhe causara.
Deveria ter dito a ele o que pensei, ter mentido dizendo estar grávida, parece ser essa a única solução.
Ao entrar no carro, Luiz a olhou e sentiu que algo não estava bem.
___ Que cara é essa? – questionou ele.
___ Você demorou – desculpou-se ela não sabendo o que dizer.
___ Vim na mesma hora de sempre, sua aula acabou mais cedo?
___ Não – respondeu ela balançando a cabeça.
___ Não vai me dizer o que aconteceu?
___ Encontrei com alguém que não queria.
___ Entendo.
Analice não resistiu e começou a chorar.
___ Não sei o que faço – resmungou ela.
___ Para tudo tem um jeito.
Analice olhou para Luiz e não soube definir o semblante dele naquele momento. Não sabendo se fizera bem em ter-lhe dito o ocorrido, permaneceu calada durante todo o trajeto.
Luiz entretanto continuava na mesma frialdade, como se pouco estivesse ligando para os sentimentos e conflitos de Analice. Não suportando mais, Analice retornou a conversa:
___ Ele queria que mentisse para você dizendo que ia pegar carona com uma amiga.
___ Se o ama, porque não fez isso.
___ Porque sou sua esposa hora essa, por acaso se fosse com você teria coragem de sair com outra mulher?
___ Conversamos sobre isso depois – disse ele indo para o quarto assim que chegaram em casa.
Analice sentia que seu casamento estava acabando, mas não desejava que este chegasse ao fim. Tudo acontecera de forma tão rápida e não era da mesma maneira que esperava pelo final de tudo. Aquele conflito interior estava sufocando-a cada vez mais.
Após a janta, Analice olhou timidamente para Luiz e ficou esperando que ele a dissesse algo. Naquele dia praticamente não haviam conversado e as vezes que Analice tentou puxar conversa, acabou sendo em vão.
___ Vou me deitar – disse ele ao levantar da mesa. – Você nem tocou na comida, não vai comer?
___ Não, estou sem fome.
___ Boa noite.
___ Ainda não tomei banho, como minhas coisas estão lá no quarto queria...
___ Fique a vontade para usar o banheiro e novamente, boa noite.
___ Obrigada, boa noite para você também.
Analice demorou em baixo do chuveiro e ao sair vestiu sua camisola e o penhoar preferido que ganhara de Luiz no primeiro dia em que dormiram juntos na noite de núpcias.
Saindo do chuveiro, observou seu rosto no espelho, seus olhos ultimamente estavam inchados de tanto chorar e sua pele parecia pálida e sem vida. Estivera tão preocupada e triste nos últimos dias que nem reparara na sua aparência, esquecera de usar os cremes e até mesmo seu perfume adorado ficara de lado. Abriu a porta do banheiro com cautela não querendo acordar Luiz e surpresa ficou ao ver que a luz continuava acesa.
___ Pensei que já estivesse dormindo.
___ Na verdade não estou com sono – comentou ele sem tirar os olhos do livro. - Resolvi ler um capitulo... – Luiz rompeu a frase repentinamente olhando Analice de frente.
___ O que foi?
___ Nada, é que... – Luiz novamente bloqueou suas palavras se levantando da cama.
___ Não quero te atrapalhar, me desculpe, vou deixa-lo para que continue sua leitura.
___ Não, você não está... – novamente um olhar o fez calar.
___ O que está acontecendo, estou te estranhando, porque me olha como se me devorasse inteira de uma só vez?
___ Porque talvez seja isso que está acontecendo – respondeu ele percorrendo os olhos por todo o corpo de Analice. – Você nesse penhoar fica...
Acho que ele não está muito bem, é melhor deixa-lo em paz.
___ Boa noite – disse Analice saindo do quarto.

Analice acordou meia hora depois e sentindo uma terrível dor nas costas e o braço formigando, percebeu que dormira de mau jeito. Indo até a cozinha beber um copo de água, verificou que a luz do quarto continuava acessa.
Será que ele dormiu com a luz acessa? Melhor ir verificar.
___ Ainda acordada? – perguntou Luiz ao vê-la na porta.
___ Não, eu cochilei de mau jeito e... bem, estava passando e pensei que... – gaguejou ela ainda perturbada pela maneira como Luiz a olhava.
___ Se antes estava sem sono, depois de vê-la... meu desejo em possui-la e ter-la...
___ Juro que não o incomodarei de novo, é que pensei...
___ Claro, mas é claro que pode vir dormir aqui de volta, foi isso que pensou?
___ Não, mas talvez...
___ Não precisa ficar assim, não lhe encostarei um dedo como sempre foi até hoje.
___ Eu vou só tomar um copo d’água, estou com a boca seca.
___ Desde nossa primeira noite, nunca a vi tão sensual e... – Luiz interrompeu as próprias palavras ao se levantar e caminhar até Analice.
___ E?
___ Te desejo mais do que tudo nesse mundo. Morreria se...
___ Não diga isso – pediu Analice. – Jamais gostaria que um homem morresse por mim.
Analice buscava uma reconciliação e sentia que não suportaria o desprezo de Luiz por muito mais tempo.
Também se aproximando, Luiz passou a mão sentindo os cabelos macios e cheirosos de Analice, em seguida desceu suas mãos tocando a pele do seu pescoço. Analice fechou os olhos sentindo seu coração pulsar velozmente. Suas respirações se misturavam numa perda de fôlego até que seus lábios tocaram um no outro. O perfume de Analice conturbava os sentidos de Luiz que devoto àquela paixão, amava Analice como nunca sentira por nenhuma outra pessoa.
Pegando-a nos braços, Luiz levou-a até a cama e deitou sobre ela ainda beijando-lhe o pescoço. Ardente de desejo, Luiz tirou a camiseta e mais um beijo deu em Analice que maravilhada por aquele momento, deslizava suas mãos pelos músculos do peito de Luiz até que repentinamente, caiu em si do que estava para acontecer.
___ Não, não dá, não posso.
A noite terminou péssima e mesmo tendo Analice ao seu lado na cama novamente, a situação era devastadora e deprimente entre os dois.
No outro dia, Analice quase se cedeu às vontades de Luiz. Primeiramente ele a buscara na faculdade como sempre de costume fazia. Ao chegarem em casa, Luiz guardou o elegante automóvel na garagem. A chave de Analice retiniu na fechadura da porta de entrada. Ela segurou a porta enquanto Luiz entrava e depois a fechou com leveza, deixando de fora a noite controversa e ventosa. Ela o acompanhou até a sala de estar e entretida olhando-o, perguntou como fora o dia. Luiz olhou-a de maneira diferente:
___ Passo todos os dias esperando o momento de retornar para nosso aconchego e lhe ver no final da tarde. Pena que para você...
___ É melhor não dizer – interrompeu Analice. – Cometerá uma injustiça se disser o que estou imaginando.
Analice segurou carinhosamente as mãos de Luiz.
___ Temos macarronada do almoço, mas estou sem fome, quer que a esquente para você? – perguntou ela.
___ Não, comi na rua com o produtor.
___ Novidades?
___ Talvez em breve afirme um novo contrato.
Analice sorriu demonstrando sua felicidade pelo sucesso cada vez mais expansivo de seu esposo. Luiz olhou para os olhos dela e Analice continuou retribuindo calmamente o seu olhar.
___ Tenho fome de outras coisas e se me adiantasse lhe carregaria agora mesmo para o quarto.
___ Não sabe o quanto sou grata pela paciência que me tem.
___ Não pode retribuir um pouquinho? Nosso relacionamento está...
Analice se aproximou ainda mais de Luiz deixando-o sem jeito de continuar a expressar seus pensamentos.
___ Você é como uma rosa: linda, sedutora, perfumada, encantadora, mas guarda alguns espinhos escondidos que ficaram bem claros no nosso relacionamento de casado – disse ele por fim.
___ Sei que tenho sido uma péssima esposa – confessou ela se sentindo segura em pronunciar aquelas palavras. – Você é maravilhoso! – elogiou-o passando a mão em sua face.
Inesperadamente ele mostrou um sorriso maroto.
___ Adoro quando me lisonjeia, pena que isso aconteça tão poucas vezes.
Ela pensou um pouco, deu uma risada e puxou-o para seus braços se aninhando em seu peito. Com charme ela aproximou seus lábios dos de Luiz e refugou criando um clima de atração. Permaneceu esfregando seu nariz ao dele e fechando os olhos deixou com que Luiz provasse sua boca doce e ligeiramente vermelha como a pele de um pêssego maduro. Aquele beijo vibrou junto e instantaneamente pelos dois corpos como um choque elétrico. Quando seus lábios se separaram, Analice o olhou romanticamente e passou a língua nos seu próprio lábio inferior.
Luiz segurou firme em sua cintura e em seguida, suas mãos deslizaram no intuito de desabotoar a camisa de Analice. O clima estava esquentando quando Analice se recuou examinando-o criticamente, como se quisesse decidir se ele pensava realmente o que dissera ou se era apenas o costumeiro tipo masculino.
Não vai ser dessa vez. Pensou ela ainda o olhando.
___ Quer me endoidecer?
Analice terminou a inspeção percorrendo o olhar pelo corpo de Luiz e curvando-se para frente beijou o rosto dele.
___ Ainda temos uma vida pela frente, não precisamos dessa pressa.
___ Acontece que...
___ Sei o que pensa e tenho consciência de que estamos casados a algum tempo, mas nada do que disser irá me convencer a fazer o que você deseja nesse momento – interrompeu ela sendo clara e franca.
___ Certo – disse ele por vez. – Vou tomar o meu banho.
Luiz entrou no banheiro e abriu o chuveiro. Alguns minutos mais tarde, quando ele vestia seu roupão ainda no banheiro, Analice entrou para escovar seus dentes. Luiz se retirou do recinto enquanto Analice usava o seu secador de cabelo no espelho a sua frente como desembaçador. Minutos depois ela saiu com os cabelos presos na nuca e o rosto brilhando com o creme noturno que comprara há poucos dias. Luiz ficou atordoado com sua beleza e de repente sentiu-se demasiado grande idiota olhando para ela como se nunca houvesse visto uma mulher. Analice acabara de vestir sua nova camisola longa de seda esverdeada e dava para sentir o cheiro do creme que esparramara pelo corpo, o qual Luiz achava muito gostoso.
___ Deixe que eu faço isso – ela se ofereceu ao ver Luiz passando a camiseta que deveria vestir no outro dia.
Com a eficiência de qualquer mulher acostumada a lidar com as coisas de casa, Analice pegou o ferro e continuou o serviço que Luiz iniciara.
O vento soprava do lado de fora fazendo estremecer os vasos bonitos e bem cuidados do jardim de inverno do quarto.
Quando Analice terminou de passar a camiseta, Luiz estava submerso no fofo e aconchegante edredom.
___ Que folga a sua.
___ Foi você quem se ofereceu.
___ Nem me esperou para se deitar.
Luiz rapidamente se levantou da cama ficando de pé.
___ Se faz questão, deitemos-nos ao mesmo tempo.
___ Estava brincando – sorriu ela. – E quanto à camiseta, passei-a com o maior prazer imaginando o quando fica esbelto ao vesti-la.
___ Obrigada pelo elogio e por ter feito o serviço para mim, não levo jeito com certas coisas e passar roupa é uma delas.
___ Eu percebi – disse ela com deboche.
___ Veja só, agora fica me olhando dessa maneira sarcástica, tirando onda com minha cara apenas porque sou chique e não mexo com...
___ Acho que deveria aprender – interrompeu Analice.
___ Eu? – perguntou ele apontando para si mesmo num gesto de surpresa. – Por mim deveria contratar...
___ Você é tão divertido – interrompeu ela.
Analice sorriu mais uma vez e então se deitaram lado a lado. Com malicia ela se escorregou na cama juntando-se a Luiz e abraçando-o com afabilidade logo em seguida. Ele encostou o rosto nos cabelos dela e deixou-se descansar assim. Era muito bom estar com ela embaixo das cobertas, abraçados daquela forma enquanto o vento uivava e soprava as plantas do lado de fora.
___ Se existe paraíso, posso dizer que estou nele, mesmo não tendo feito nessa cama, o que gostaria de fazer contigo.
Analice o beijou próximo aos lábios e num piscar de olhos demonstrou a Luiz que de certa forma concordava com o que ele a dissera. Luiz continuou acordado, talvez mais uns dez minutos ou quinze, apertando-a em seus braços, aspirando à mistura de perfumes que se desprendia de sua pele morna, regalando-se com o acetinado macio e sensual sob suas mãos, extasiando-se mais com o estar ali do que com os acontecimentos negativos dos últimos dias.
O vento soprava em rajadas e gemia do lado de fora, produzindo um som chiado na janela tampada pelas persianas. Luiz sorriu feliz, enquanto o vento rugia do lado de fora, ele permanecia seguro em seu abrigo e do lado da pessoa mais especial em sua vida naquele instante. Quando o vento soprou no vidro da janela novamente, Luiz nem se quer ouviu pois adormecera calmamente.
Alguns dias se passaram e Analice voltara a ser tão fria e insensível quanto antes. Sua cabeça estava confusa e seus sentimentos nunca estiveram tão atordoados. Praticamente toda noite, tinha pesadelos horríveis onde Luiz e Tiago se agarravam numa briga violenta e coberta de telespectadores e fotógrafos.

Certa noite, Luiz não apareceu em casa conforme sempre fazia ao retornar das suas reuniões com os diretores e cinegrafistas. Entediado do seu relacionamento amoroso e conjugal com Analice, fora a um bar tomar um café expresso coberto de chantilly com um velho conhecido e amigo de carreira.
___ Me vê um café e um chocolate bem quente, por favor – pediu o amigo de Luiz ao atendente atrás do balcão. – Faz muito tempo que não tomo um chocolate quente – disse ele olhando para Luiz sentado ao seu lado.
___ Como vão as coisas?
___ Muito bem, com você também? Parece que não, estou certo? – questionou seu amigo vendo a resposta na cara de Luiz.
___ Meu azar é com relação às mulheres.
___ Seu casamento não...
___ Está péssimo – relatou Luiz abrindo o jogo.
___ Mas porque?
___ Nem te conto. Como as mulheres são complicadas! Sem exceção.
___ Justo você que é um homem de tanta importância, o que há?
___ Não sei o que acontece comigo e muito menos com Analice.
___ Analice é uma beleza de mulher, desculpe a franqueza.
___ Mas não sei o que...
Aquela conversa decorreu mais tempo do que imaginavam e já era de madrugada quando Luiz chegou em casa. Deixando acesa a luz do corredor para não ter que acender a do quarto, Luiz caminhou na penumbra da casa e justamente ao passar perto da cama, em direção ao banheiro, esbarrou na porta aberta do guarda roupa, donde tirara seu pijama. Analice remexeu-se na cama:
___ É você, Luiz?
___ Sim, sou eu. Ainda acordada?
___ Mais ou menos, fiquei te esperando até que resolvi vir deitar para cochilar um pouco. Acho que o sono me pegou. Que horas são?
___ Quase uma.
___ Tanto assim? Pensei que fosse mais cedo – disse ela sonolenta procurando enxergar o marido. – Está com fome?
___ Não, estou bem, não se preocupe.
Luiz sentou-se na cama e desamarrou o cadarço dos tênis.
___ Viu onde coloquei meus chinelos?
___ Deve estar no banheiro, acho que os vi ao lado da banheira.
Luiz se levantou e foi ao banheiro. Analice escutou o barulho da torneira aberta e novamente fechou os olhos com sono.
Onde será que ele foi? Por onde andou e com quem deveria estar? Será que lhe aconteceu algo? Não comentou nada e no entanto, parece diferente do Luiz de sempre.
Analice confiava em Luiz mas uma ponta de ciúme aflorava dentro de si naquela inusitada ocasião. Inquieta ela mudou de posição virando-se de lado sobre a cama. Quando jovem, Analice sonhava com um marido, mas agora que o tinha, não se sentia tão bem. Lembrou-se de uma amiga que morava na mesma rua, certa vez dissera-lhe: “marido rico é praga, e famoso nem se fala”. Analice sorriu com aquela lembrança boba.
Dinheiro não compra a felicidade de ninguém, embora ajude um pouco em certos momentos. Mas felicidade mesmo ele não traz e não estou gostando de Luiz ter chegado a essa hora. No começo é assim, pode-se até marcar no relógio. Com o tempo passará a chegar mais tarde, depois acabará dormindo fora de casa e nem terei coragem de perguntar onde esteve. Não gostarei quando ele chegar, jogar a roupa em cima da cama, tomar banho, vestir-se de novo e sair sem me dar nenhuma explicação. Sei que a situação vai ficar assim e piorar a cada dia. Luiz não merece isso, mas...
Luiz retornou para o quarto. Analice continuava em silencio mesmo com uma grande curiosidade remoendo por dentro.
O que faço, não quero estragar minha vida de casada e ele parece muito chateado comigo.
Nada estava saindo certo para Luiz naquela união e sua impaciência diante àquela situação era enorme. Todos os dias, quando retornava para casa e abria a porta, encontrava Analice pronta para ser levada a universidade. Ela abraçava Luiz estando satisfeita, mas ele não se sentia assim. Ficando com o perfume dela durante muito tempo em sua cabeça, aguardava com custo para poder busca-la novamente na universidade. Suas ânsias esperavam realizar sensações de um casal que vai além de apenas dormirem juntos na mesma cama. Ao se deitar, sentia que o calor do corpo de Analice fazia estremecer o seu próprio na veleidade de favorecer seus estímulos amorosos. A hora de dormir era a pior de todas, Analice virava-se para o canto e lhe dizia boa noite. Era ele quem sempre aproximava e a abraçava por trás puxando conversa. Naquela noite, foi ele quem se deitou virando para o lado e sem dar nenhuma explicação, comentou querendo apoquentar Analice:
___ Afasta um pouquinho para lá, estou quase na beira da cama.
Analice que se mantinha comportada no seu canto chegou ainda mais para a beirada achando tudo muito estranho. Pensou durante algum tempo. Virando-se de repente ela não agüentou o descaso do marido e colocou a mão sobre o ombro de Luiz perguntando o que estava acontecendo, mas ele já estava dormindo e nada respondeu.
Na manha do dia seguinte, quando Analice acordou, encontrou a cama fria e vazia. Tomos seu café da manha sozinha e cuidou de alguns afazeres. Já era quase hora de almoço quando recebeu uma sorumbática ligação.
___ Luiz? O que? – espantou-se Analice deixando as lágrimas escorrerem pela face.
___ Isso mesmo, ele foi seqüestrado.

Os dias passavam e nenhum resgate era noticiado para aliviar o coração de Analice. Somente três dias depois é que a policia conseguiu confundir e enganar o seqüestrador ao dizerem que estariam entregando metade da quantia na frente da Câmara Municipal. Como era previsto, a noticia foi ao ar e saiu em todas as manchetes relatando o agonizante transtorno que Luiz passara ao ficar preso sem comida, sujo e sem ver a luz do dia.
Primeiramente levaram Luiz ao hospital, estava muito machucado pois haviam usado-o como refém e a pressão pelo dinheiro lhe deixara muitas marcas na pele. Após fazer os curativos e diagnosticar que estava melhor, Luiz retornou para casa andando de muletas. Além do corpo dolorido tinha torcido o pé ao tentar fugir do seqüestrador. Analice quando o viu, demonstrou sua preocupação e desespero com um choro amargo e doloroso.
___ Luiz, que bom que você voltou, não sabe o quanto rezei por você, não agüentava mais – disse aos prantos e soluços.
___ Sentiu minha falta? – perguntou ele andando com dificuldades.
___ Deixe-me te ajudar, quer ir para o quarto?
___ Sim, por favor.
Com esmero e dedicado carinho, Analice o ajudou servindo-se de apoio e encostou-o na cama ajeitando as almofadas em suas costas.
___ Lhe machucaram demais?
___ Não, estou vivo.
___ Que está vivo eu sei, mas olhe, o que fizeram no seu ombro? – perguntou Analice vendo as marcas de cortes perto das costas.
___ Não foi nada perto das ameaças e do medo que senti.
___ Posso imaginar. Ah meu amor!, eu sofri tanto sem...
Analice abaixou os olhos enxugando as lágrimas com as mãos e sem terminar a frase tentou reter o choro descontrolado.
___ Estou com sede – anunciou ele.
___ Vou buscar um copo...
___ Não, não precisa, sente-se aqui comigo, fique perto de mim, por favor – insistiu ele retendo as lágrimas que escondia presas no olhar.
___ Porque fizeram isso com você?
___ Maldito dinheiro.
Analice aproximou-se ainda olhando os ferimentos.
___ Esta doendo muito?
___ Estava, mas ao seu lado, não doem mais. Temi tanto que pudessem fazer algo contigo.
___ Prenderam os seqüestradores?
___ Sim, já haviam estado presos há 3 anos e por duas tentativas de fuga escaparam da cadeia. Foi terrível passar por tudo isso, os piores dias da minha vida.
Analice continuava num choro persistente e sentido.
___ Me desculpe por isso.
___ Não tem que se desculpar – disse Analice com meiguice. – Talvez precise descansar.
___ Por favor, sente-se aqui do meu lado.
Analice receosa sentou-se ao lado do marido e permaneceu estática. Luiz pegou na mão de Analice colocando-a entre as suas e depois de alguns minutos beijou-lhe na ponta dos dedos. Comovido com aquele momento, as lágrimas desceram dos olhos de Luiz com suavidade rolando para os lados. Sensivelmente Analice limpou-lhe as lágrimas fazendo o mesmo com suas próprias em seguida.
___ Deixe-me sentir o doce dos seus lábios outra vez – pediu Luiz. – Aquele dia, disse que não podia e não entendi o que quis dizer com “Não posso”. Analice, você é minha mulher, não só pode como deve. Porque não me deixa ama-la e lhe fazer a mulher mais feliz do mundo? Sei que gosta de mim, senti que me deseja tanto quanto eu a anseio em meus braços, sentindo o calor de nossos corpos juntos. Porque, me explique, só me diga o porque, por favor – implorou ele.
___ Tente compreender, eu estou perdida, sem rumo, meu coração está indeciso e... não quero mais falar sobre isso.
___ Pois fale, será melhor se desabafar de uma vez. Somos casados, não devemos guardar segredos entre nós, o que tanto a agoniza e preocupa? Encontrou-se com o outro homem enquanto estive desaparecido? Porque teme quando lhe pergunto certas coisas e porque foge de mim quando a procuro para dar-lhe meu carinho e amor?
___ Meu coração está dividido. Não sei se entende isso.
___ Mas se gostava de outro, porque se casou comigo?
___ Eu não queria, desde a primeira vez que o vi, lembra-se, na sorveteria?
___ Você disse que não gostava de gente famosa, é por causa disso que...
___ Não, é que sabia... – Analice interrompeu antes de dizer o que pensara a respeito de tudo o que Tadeu lhe dissera.
___ Sabia o que?
___ Quando o vi pela primeira vez temi que acontecesse o que aconteceu.
___ Mas porque temer o amor? – perguntou ele sem entender.
___ Porque eu já tinha um amor – revelou-lhe Analice com a mais ampla sinceridade.
___ E mesmo assim, porque se casou se já tinha outro amor?
___ Porque não tive escolha – soltou ela sem perceber.
___ Escolha, eu não a entendo.
___ É que... – balbuciou ela. – Me apaixonei perdidamente por você. – respondeu ela pensando que a necessidade por dinheiro seria a verdadeira resposta.
Analice amava muito mais Tiago do que Luiz na época do casamento, porém, precisava de dinheiro e não tivera outra escolha, aquele casamento era a única alternativa. Mas uma coisa também era valida e relevante, sentia algo muito além de amizade por Luiz e não detinha palavras para explicações. Depois, como realmente estava acontecendo, Luiz tinha todo o charme de conquistar o coração de uma mulher.
___ Lembro o quanto estava linda no dia do nosso casamento e se não estava feliz soube fingir muito bem.
___ Eu estava feliz, muito. Você aceitou em casar-se da minha maneira e lhe sou grata por isso. Sonhei com o dia em que me casaria e sabia que por certo seria um homem muito especial.
___ E logicamente, com muita sorte nas mãos – brincou Luiz.
Analice sorriu timidamente.
___ Ainda gosta muito dele? – temeu Luiz em perguntar.
___ Sim, porém, não mais do que você – disse ela com sinceridade.
___ Nem menos – arriscou ele.
___ Por favor, não sei te...
___ Esta bem – respondeu ele convencido.
___ Eu já o mandei me deixar em paz, juro, não sei o que mais posso fazer.
___ Quer dizer que...
___ Ainda estou em duvida, não quero dizer nada quando digo...
___ Pensei que já tivesse escolhido ficar comigo.
___ Sim, eu escolhi, mas a decisão não é certa.
___ Não, porque faz isso comigo, esta dizendo que corro o risco de te perder?
___ Por favor, não se exalte, pode lhe fazer mal.
___ Mal é o que você me faz, como acha que eu viverei sem...
As lágrimas rolaram mais pesadas e grossas do rosto de Luiz. Analice se levantou e andou desconcertada para o canto do quarto.
___ Não quero lhe magoar ou ferir seus sentimentos.
___ Tente se colocar no meu lugar, como acha que me sinto?
___ Sei que é difícil para você, mas para mim é muito pior, lhe garanto.
___ De toda forma quero deixar bem claro que...
___ Que?
___ Perder você para qualquer outro homem me deixaria muito infeliz, mas teria a consciência tranqüila ao vê-la feliz. Amo-te tanto, tanto, que o meu sonho é te ver feliz, sem preocupações ou angustias, pois sua felicidade é a minha também, mesmo que não estejamos mais juntos. Sinto ciúmes de você, mas compreendo que não adianta ter uma mulher infeliz ao meu lado e que...
___ Prossiga – pediu Analice.
___ E que pense em outro homem ao estar comigo.
___ Não o mereço – soletrou Analice engolindo a grossa saliva que presa estava na garganta.
___ O que você tem, porque não se abre comigo?
___ Porque não vamos embora daqui?
___ Não creio que seja o melhor. Decida o que quer e seja firme. Não vamos nos mudar, a casa foi planejada de acordo com nossos gostos e....
___ É, talvez tenha razão.
___ Me diz uma coisa, já se entregou a ele alguma vez?
___ Não.
___ Mas é a ele que quer se entregar, não é? Guarda-se para ele, não é verdade? Olhe para mim e diga. Nem me deixa toca-la – gritou Luiz dessa vez irritado.
___ Olha aqui, nunca cobrei a sua pureza, aliás você era casado, aposto que já se deitou e se entregou, como disse, a inúmeras mulheres. Não é verdade o que diz, sou sincera quando digo que não sei qual dos dois eu quero, prometo que darei um jeito e...
___ E irá escolher com quem fica?
___ Exatamente – disse ela seriamente. – Ou você, ou ele, ou nenhum dos dois, minha decisão será para o resto da vida.
___ Analice, espere.
Analice se retirou do quarto e quase sem fôlego saiu de casa indo a direção do jardim. Não sabia se gritava, se chorava, ou se fugia dali para sempre, para nunca ninguém mais a ver. Aqueles seriam conflituosos dias em seu viver.
Cansada de ficar ali sentada, Analice caminhou até a rua disposta a dar uma andada pelas ruas e refrescar a cabeça. Porém, o que não desejava acabou ocorrendo, cruzou com Tiago numa esquina e a paz que buscava pareceu-lhe voar de vez. Ia passar por ele como se não o houvesse visto, mas antes que pensasse nessa alternativa para despreza-lo, foi ele quem passou por ela sem dar a mínima. Ao olhar para trás, assustou-se quase sentindo um choque geral por todo o corpo.
Não é possível, não! Pensou ela tendo um péssimo pressentimento.
___ Tiago! – gritou ela.
Ele pareceu não ouvir.
Analice correu de volta e alcançou Tiago já quase na outra esquina.
___ O que vai fazer?
___ Conversar com seu esposo – mentiu ele brincando com Analice.
___ O que vai...
___ Vou dizer a verdade, quero que ele saiba sobre...
___ Pára – implorou Analice colocando-se na frente dele.
Tiago olhou-a nos olhos, aquele impacto para impedi-lo de continuar andando fez com que Analice sentisse uma velha atração. Numa ponta de saudades Analice suspirou o perfume de Tiago.
___ Saia, da minha, frente – disse ele pronunciando palavra por palavra claramente.
___ Não faz isso, estou te pedindo, por favor. De uma vez por todas, duvido que isso seja amor.
___ Aprendendo novas formas de se amar? – a debochou.
Analice retornou a chorar.
Pode parecer muito desequilíbrio da minha parte, mas se tivesse uma arma sairia dando tiro em todo o mundo, tamanha a minha revolta. Se todos pudessem morrer e ir para o inferno eu adoraria pois estou com ódio de tudo, principalmente dessa vida cheia de conflitos amorosos. Tanta gente sozinha procurando um companheiro e eu enrolada no meio de dois amores. Pensava Analice com o coração dolorido.
___ Vai encontrar outra mulher que...
___ Você ainda tem a capacidade de me dizer uma asneira dessa? É você quem eu amo.
___ Não quero magoá-lo.
___ Então fuja comigo.
___ Não se atreva...
___ É a vida que magoa a gente e não podemos mudar a vida, mas podemos impedir certas coisas e não aceitarei que viva ao...
A casa de Analice se aproximava a cada passo.
___ Ele está de cama, não vai querer...
___ Melhor ainda – sorriu Tiago cinicamente. – Sei que você ama a mim e não o quer, mas precisa do dinheiro dele, não é?
___ Não. Nunca me casaria por dinheiro, já te disse isso.
___ Dizia que me amava, agora, não acredito mais numa palavra que sai da sua boca.
___ E porque ainda me quer?
___ Se você não for minha não será de mais ninguém.
___ Pára! – disse Analice mais uma vez tentando impedi-lo de andar e dessa vez, propositalmente, como única alternativa, jogou-se frente dele no intuito de não deixar espaço para nem mais um passo.
___ Porque deixaria de ir conversar com ele? Só porque ele está doentinho? Machucadinho? Não tenho pena nenhuma dele, sabia? Podia ter morrido. Agora se não sair da...
___ Eu estou grávida – mentiu ela.
Tiago ficou pálido como se fosse desmaiar.
___ Está mentindo – gritou ele no meio da rua.
___ Por favor, acabou tudo entre nós, não dá mais.
___ Está certo, desapareço da sua vida com uma condição.
___ Qual?
___ Me mostre o exame.
___ Não acredita em mim?
___ Não. Antes de se casar disse que se guardaria para mim.
___ Antes de casar não, antes de conhecer Luiz, é diferente. Você acha que depois de tanto tempo estando casada não é natural que já tenha...
___ Cale-se, me recuso a ouvir os detalhes, me poupe.
___ Pois saiba que dormimos juntos. Todas as noites nós fazemos juras de amor e concretizamos...
___ Chega, não quero saber. Está grávida mesmo?
___ Sim, estou grávida.
___ Eu troco a condição.
___ Faço o que quiser para que suma da minha vida, de uma vez por todas.
___ Quero que me beije como nos velhos tempos.
___ Mas...
___ Você escolhe.
___ É perigoso que alguém nos veja.
___ O dia está anoitecendo e a noite “todos os gatos são pardos.” Não disse que Luiz está de cama?
___ Está bem, mas garante sua palavra?
___ Pelo nosso amor.
___ Então me beije, seja rápido.
Se a intenção era para ser rápido, as coisas tornaram-se diferentes depois que os lábios de Analice tocaram nos de Tiago. Ainda existia um sentimento muito forte ligando seu coração ao dele. Tiago percorreu a mão pelo corpo de Analice e essa sentia prazer e medo ao mesmo tempo.
___ Deixe faze-la feliz como sonhávamos, lembra-se? – sussurrou ele ao ouvido de Analice fazendo-lhe cócegas.
De repente uma luz brilhou e desapareceu na quase escuridão do anoitecer.
___ Viu isso? – perguntou Analice assustada.
___ Algum carro que piscou os faróis.
___ Pronto, já me beijou, vá embora.
___ Tem certeza?
___ Tenho – confirmou ela ainda com os olhos molhados de lágrimas.
___ Nunca te esquecerei, para sempre será a mulher da minha vida, a razão do meu viver e também, da minha infelicidade.
___ Não diga isso, não parta meu coração como se faz com um vidro ao ser jogado numa parede.
___ Espero que não se arrependa.
___ Será melhor assim, para nós dois.
___ Não, está sendo injusta e egoísta, acha que para mim esse é o melhor?
___ Disfarça, vem vindo alguém.
Após uma senhora passar e virar a esquina, Analice retornou ao assunto:
___ Obrigada, encontrará outra mulher.
___ Seus conselhos não me servem, mas se é o que quer e não posso fazer mais nada, que seu filho tenha muita saúde e que pelo menos você, seja feliz – chorou Tiago ao pronunciar as ultimas palavras.
Num abraço emotivo Analice sentiu as lágrimas de Tiago molharem a gola de sua blusa.
___ Também não o esquecerei, foi o primeiro amor da minha vida.
___ Se soubesse da nossa separação, preferiria ser o ultimo.
Analice sorriu entre as lágrimas e num ultimo beijo foi se afastando de Luiz até que suas mãos não mais alcançaram uma a outra. Num pranto desesperado retornou para casa como se fosse ter um ataque momentâneo de tanta dor e agonia.
Ao entrar no quarto, constatou que Luiz dormia. Foi a cozinha onde preparou uma sopa. Sentia-se estranha e por vezes perguntava a si mesmo se não estaria arrependida. Se seus sentimentos antes estavam conturbados, naquele momento, estavam ainda piores. O mundo parecia intacto e ao mesmo tempo era como se desabasse pedaço por pedaço a cada minuto que corria no relógio.
Assim que Luiz acordou, Analice o serviu com sopa. Entristecido ele a olhou e melancólico ia perguntar algo que não teve coragem.
___ Quer me perguntar alguma coisa?
___ Não, deixa.
Não vou dizer a ele que terminei de vez com Tiago, na verdade era o que tentava desde o casamento, ele está certo, como peço compreensão se fiz tamanha besteira, não deveria ter me casado sem antes ter terminado meu namoro com Tiago, não fui leal com meu esposo, não deveria...
___ O que está pensando? – perguntou Luiz.
___ Quero que se recupere logo.
___ A sopa está uma delicia.
Analice sorriu agradecida.
___ Que bom que gostou, se quiser mais eu pego para você.
___ É, acho que vou querer sim, meu apetite depois de tantos dias sem comida...
Analice o observou e Luiz percebeu que naquele olhar um brilho novo refletia.
___ Porque me olha assim?
___ Acho que apenas agora estou me dando conta do marido que tenho.
Luiz continuou com cara de duvida sem entender o que Analice de fato queria dizer.
___ Vou buscar mais sopa – disse Analice ao pegar o prato das mãos dele.
Retornando da cozinha com o prato cheio novamente, Analice ajeitou-o no colo de Luiz.
___ Porque me olha dessa forma? – questionou ela.
___ Eu não a olho, meu amor, admiro-a – respondeu ele num tom ingênuo.
Será que conto para ele à conversa que tive com Tiago? Não, melhor não tocar nesse assunto de novo, mas...
Toda a alma de Luiz passou para os seus olhos, que se cravaram nos de Analice, reconhecendo nela a mulher que lhe dispensava tantos cuidados como uma mãe e aos poucos ele foi voltando a si com um sorriso. Vendo a preocupação refletida no semblante de Analice desde o momento em que ele chegara, murmurou com um sorrisinho cético:
___ Teria sido mais fácil para você se houvesse morrido, não?
___ Não fale besteira Luiz, como pode pensar isso? Nunca pensei que fosse me dizer isso! – exclamou ela.
___ Bem sei que devemos lutar pela vida – continuou Luiz. – Mas...
Luiz deu um suspiro enquanto colocava uma colherada de sopa na boca. Analice abanou a cabeça para afastar o fluido magnético em que se envolvera com aquelas palavras de seu esposo.
___ Mas viver como estávamos vivendo, talvez fosse melhor se houvesse morrido.
___ Por favor, não diga isso – pediu ela retrucando e na ponta dos pés, como se temesse acordar uma pessoa adormecida, aproximou-se de Luiz.
___ Pode deixar, não vou usar esse infeliz acontecimento para te pressionar. E não quero que chore – disse ele vendo que as lágrimas já eram perceptíveis nos olhos tristes de Analice.
Analice sentou-se numa poltrona ao lado da cama e baixando a fronte curvou-se colocando a cabeça entre as mãos.
___ Não desejo que fique zangada pelo que falei – replicou ele. – Sou suscetível a viver com o que me convier e não reclamarei mais, prometo.
___ Não prometa aquilo que não pode – resmungou ela na mesma posição.
Luiz riu e estendeu-lhe a mão quase terminando de tomar seu segundo prato de sopa. Analice sentindo o toque da mão de Luiz em sua perna direita, tomou sua mão segurando-a firme e olhando para ela reteve-a dentre as suas.
___ Estou tão cansado, podia me dar o resto da sopa, está tão boa.
Analice sorriu. Luiz olhou em redor para esconder sua cara de homem carente querendo mimo. Analice, quebrantada por tantas sensações diferentes, encostou a cabeça ao espaldar da poltrona, fechou os olhos e deixou-se ficar intacta naquela posição durante alguns minutos. Luiz apertou sua mão com avidez e ela abriu os olhos como se acordasse de um sono profundo naquele momento. Então se levantou da poltrona e aproximou sentando perto de Luiz na beirada da cama. O olhar mudo de Luiz voltava a encara-la instintivamente. Recolhendo o prato, Analice fez o que Luiz lhe pedira e calmamente lhe deu o resto da sopa.
___ Acho que me iludi com o nosso casamento – comentou ele.
Analice nada disse. Nenhum dos sentimentos que agitavam a alma da amada de Luiz escapou-se da dor ao escutar aquelas palavras, como se Luiz estivesse arrependido pelo casamento.
___ Queria fazer-te minha rainha, te cobrir de carícias, tirar-te dessa profunda tristeza de preocupações que não compreendo. É difícil suportar essa melancolia que por vezes se mistura com sedução. Não tenho remorso e nem saudade da vida que tinha antes de me casar contigo, mas esperava muito além do que se sucede entre nós agora. Não é sempre que alcançamos triunfo, mas tenho de admitir que já estou no segundo casamento e não posso desviar os olhos do passado para encarar o futuro. Por vezes tenho vontade de toma-la em meus braços e sacudi-la fortemente para ver se te arranco desses conflitos todos que te distanciam de mim.
Analice sorriu inconvenientemente e fitou Luiz com uma estranha expressão de lascívia.
___ Está me aturdindo descrevendo seus caprichos ternos e...
___ E?
___ E passageiros – concluiu ela.
___ Acha que se entregando a mim a abandonarei em seguida? Temes por isso?
___ Já me entreguei a você no dia do casamento.
___ Estou falando na cama e não no altar.
Analice lançou um olhar de nervosismo brando sobre Luiz. Suas pupilas jorravam uma espécie de veneno que avançou em passo rápido espalhando em redor de si um aroma desconhecido. Sentia-se como a virgem revoltada contra o amor.
___ Está tão pensativa – comentou Luiz.
Analice sorriu mecanicamente com os lábios retendo-se em mistério. Luiz abaixou os olhos não querendo constrange-la, mas um leve sorriso perpassou nos seus lábios também.
___ Me responde uma coisa – disse Analice por fim após um instante de reflexão. – Quando essa situação se resolver, caso decida ficar contigo, me perdoará pelo que fiz?
Analice acercou-se com mais curiosidade que receio. Luiz a encarou e seu olhar pedia uma explicação da qual Analice não lhe daria.
___ Não tenho como te responder isso agora, mas acho que jamais terei raiva ou rancor de você pois como lhe disse tantas vezes e não canso de repetir, amo muito você. Não quero interferir na sua decisão, faça o que julgar melhor – respondeu ele apanhando o pensamento de sua esposa.
___ Sei que agi errado e escondi minhas razões.
___ Não, você omitiu mas de toda forma também tentou fugir de mim, na sorveteria mesmo, lembra?
___ Claro.
Analice se movimentava um pouco agitada pelo quarto. Depois se sentou de costas para a porta. Luiz baixando a voz acrescentou:
___ Pois pensando bem, talvez a culpa foi minha em ter sido precipitado, mas você quis casar logo e pensei que nosso amor... bem, apenas não imaginava que houvesse outro homem no meio de nós dois.
___ Não quero perde-lo, mesmo que não fique contigo, quero que seja meu melhor amigo – disse ela atirando-se junto de Luiz e beijando-o com o arrebatamento que punha força naquela ação.
___ Já decidiu ficar com o outro?
Luiz sabia que acabara de passar por uma experiência perturbadora e Analice não ousaria responder que o deixaria, principalmente naquele momento.
___ Minha decisão eu ainda não tomei, mas...
Analice sacudiu vagarosamente a cabeça. Já terminei tudo com o outro. Pensou ela concluindo a frase apenas em sua mente.
___ Mas?
___ Acho que estou apaixonada por você.
Houve um momento de silêncio pasmo e consternado.
___ Deveria ter sentido isso antes de se casar – retrucou Luiz.
___ Não, eu sentia, mas não sabia distinguir o que é realmente estar apaixonada. Quero esclarecer o seguinte, acho que estou sentindo algo novo que nunca senti. Não sei o que sentia antes tanto por você quanto pelo outro, mas não era algo tão puro e forte como agora.
___ O que está tentando me dizer? – perguntou ele inclinando o corpo para frente.
___ Não sei, apenas estou tentando definir meus sentimentos – respondeu ela com voz tremula.
___ Gostaria que me ajudasse a tomar um banho – pediu ele.
___ Claro, vou pegar o roupão e volto para te ajudar.
___ Nunca quis tomar banho de banheira comigo, mergulhar na espuma e ficar entre os meus braços – comentou Luiz.
___ Talvez não tenha chegado a hora para isso.
___ Mas pensei que depois de casado não teria de esperar por... tudo bem – calou-se ele não querendo ser indiscreto.
Analice o olhou com candura nos olhos. Se não segurasse firmemente os seus sentimentos, desataria a chorar amargamente.
___ Para quem tem paciência, a recompensa pode valer a pena.
___ Quando lhe ouço dizer isso sinto o coração bater mais forte e minhas esperanças de ser correspondido vibram dentro de mim. Seria o homem mais feliz...
___ Você será feliz – interrompeu ela. - Um homem como você merece o que de melhor há na vida, principalmente a felicidade. Vou buscar seu roupão.
Analice retornou poucos instantes depois e pacientemente ajudou Luiz a chegar até o banheiro.
___ Vamos minha querida, tome banho comigo – Luiz tomou a palavra enquanto seus olhos brilhavam maliciosamente e acrescentou numa voz indistinta: Está bem, mesmo negando ainda será a mulher mais maravilhosa do mundo.
Carinhosamente ela ensaboou o corpo de Luiz tendo total cuidado com os ferimentos. Ao se enxaguar, Luiz constatou um certo constrangimento nos olhos de Analice.
___ Se molhou quase toda – comentou ele.
___ Não faz mal, também vou tomar banho depois que lhe vestir. Posso fechar o chuveiro?
___ Não, quero ficar mais um pouco, a água está uma delícia.
Analice estava se virando para retirar-se quando Luiz a segurou pelo ombro com sua mão molhada. Ela suspirou receosa e permaneceu de costas para Luiz. Em seguida, virou apenas o rosto timidamente. Luiz tocou as bochechas de Analice com a ponta dos dedos. Por fim Analice se virou e inesperadamente recebeu um beijo rápido de Luiz.
A espuma escoria pelo ralo enquanto a água caia levemente. Analice guardava internamente um riso adolescente suspirando aquele cheiro suave de sabonete.
___ Obrigada pela ajuda – sorriu ele num misto de encanto e sedução.
Analice o olhou mais uma vez e intacta observou-o sobre a água que caia e espirava molhando-a também. Levada por aquele momento que parecia mágico e fascinante, Luiz a beijou novamente e de roupa mesmo, Analice mergulhou embaixo do chuveiro sentindo os braços de Luiz que passavam por suas costas até que as mãos chegaram ao seu pescoço.
Luiz olhou para Analice, sua roupa encharcada e grudada ao corpo estava realçando seus traços femininos que tanto o seduzia e desorientava. Analice recusou outro beijo virando-lhe o rosto.
A fumaça da água quente deixava o ar do banheiro esbranquiçado. Cercando-a, Luiz esticou os dois braços, um de cada lado de Analice, fazendo com que, entre eles, ela encostasse-se à parede. Analice colocou as duas mãos sobre o peito de Luiz tentando manter uma distancia.
___ Está tentando me agarrar?
___ Daqui você não sai – sorriu ele.
Analice olhou preocupada para ele.
___ Brincadeira, eu já estou satisfeito com o beijo – sorriu ele. - Era quase a única coisa que pensava quando estava preso com aqueles seqüestradores. Se quiser pode ir – disse ele abaixando os braços. – Sei o quanto é horrível ficar preço e ser obrigado a fazer algo que não queremos.
___ Vai você, vou tomar meu banho, já me molhou toda.
___ Deixe-me dar banho em você também – pediu ele.
___ Acho melhor não.
Luiz concordou com a cabeça.
___ Certo, obrigada, foi o melhor banho da minha vida – agradeceu ele com charme esticando o braço para pegar o roupão.
Porque não consigo resistir? Questionou Analice em seus pensamentos. Não queria ser beijada, ou queria?
Luiz enrolou-se no roupão, sentia o corpo pesado e foi com dificuldade, que mancando, retornou para a cama. Pouco tempo depois, Analice apareceu também vestida em seu roupão. Remexendo no guarda roupa, ela pegou o pijama de Luiz e deixou-o sobre a cama.
___ Não vai me ajudar a vestir?
___ Se não for tentar me beijar novamente.
___ Mas, foi você quem me beijou, não se deu conta disso? Seus olhos imploravam para...
___ Vou vestir minha roupa – interrompeu ela se virando para o guarda roupa.
Luiz permaneceu quieto observando a roupa sobre a cama. Um tanto insatisfeito não esperou por Analice e desajeitado vestiu o pijama. Deitando-se na cama fechou os olhos e triste respirou fundo pensando nos últimos dias que tivera.
Analice ao retornar do banheiro achou que Luiz já estivesse dormindo e apagando a luz foi até a cozinha tomar água e fechar as portas. Chegou á janela, ao longe viu as luzes e escutou o barulho dos automóveis. Os casais deveriam estar na choupana de vinhos e queijos famosa a dois quarteirões dali. Ela não os via, mas sabia que lá estavam, bem juntos, agarradinhos como via todos os dias ao retornar da faculdade. Sentiu um tremor leve acompanhado de um nervosismo intenso. O desejo de ser abraçada e amada saltitava em suas células.
Ao deitar-se na cama minutos depois, observou Luiz que sossegado permanecia na mesma posição. Num impulso cobriu-o até os ombros e deixou com que sua mão ficasse ali por um tempo. Observou-o pelas costas e num sentimento diferente de amabilidade beijou-lhe a nuca e em seguida a face do rosto. Suspirando disse “boa noite” baixinho e apagou a luz do abajur do seu lado. Estando confortável sobre a cama, virou-se para o outro lado e costa com costa, não viu as lágrimas de brandura escorreram dos olhos de Luiz que fingia estar dormindo. Num choro manso, ele abafou as lágrimas no travesseiro.
O dia amanheceu suave com o canto dos passarinhos brindando o novo amanhecer. Analice abriu os olhos estando preguiçosa e olhou para o lado imaginando que Luiz ainda estivesse dormindo, mas este não estava na cama. Assustada ela se levantou num pulo e levando um susto maior ainda ao se virar, viu Luiz na porta segurando uma bandeja.
___ O bom de todos os transtornos ocorridos é que não tenho de acordar e sair correndo para ficar atrás das câmaras – disse ele. – Trouxe nosso lanche.
___ Você precisa de repouso, não deve ficar se levantando muito e...
___ Eu estou bem e me desculpe se lhe assustei, é que se virou de repente e deu de cara comigo que vinha da cozinha.
___ Tudo bem, não foi nada – respondeu ela sentando-se na cama novamente.
___ Parecia um anjo dormindo ao meu lado e ontem logo depois que dormi, sonhei que me beijava por trás desejando-me boa noite – comentou ele verificando a reação de Analice.
___ Talvez não tenha sido um sonho.
___ É que muitas vezes é mais fácil acreditar que estamos delirando ou sonhando. Acordei em duvida, beijou-me ontem no chuveiro ou também sonhei com isso?
___ Não foi sonho, mas no chuveiro foi você quem me beijou.
___ Me encantaria poder roubar o seu coração – sussurrou ele.
___ Porque não faz isso?
___ Porque me pergunto se devo ou não fazer isso e na duvida não me arrisco.
___ Talvez valesse a pena.
___ Você tem o direito de buscar sua felicidade e temo que esta não seja ao meu lado. Sabe o que diz quando fala que pensa em me deixar?
___ O que?
___ Que terei de viver sem você, sabe o que isso significa?
___ Não.
___ Que vou ficar sem o ar que respiro, sem a água que bebo, sem o alimento que me fortifica, sem nada. Como poderei viver assim? Nada para mim terá sentido e portanto nada mais no mundo me valerá de nada. Nada. Não poderei – suspirou ele sentimentalmente. - Sinto que morrerei sem teu amor. De que me valerá tudo o que tenho se meu coração estará destruído? De que me adianta ter ar se não sentirei seu perfume, ou ter água se eu não mais sentirei o molhado da tua boca e muito menos, de que me servirá apenas a comida do corpo se não alimentar o meu coração?
Analice respirou fundo e ficou calada.
___ Vamos comer? – perguntou ela finalmente para quebrar o gelo.
___ Minhas palavras não lhe tocam?
___ Muito, mas não sei o que lhe dizer. Se pudesse ficaria escutando..
___ Se gosta, posso te dizer mais – interrompeu ele.
___ Tome cuidado para não se tornar um sedutor fracassado – brincou Analice.
___ Entre o seu amor e a negação dos meus beijos, entre meu desejo de murmúrio e dos seus suspiros, ficarei rendido aos seus pés. Não me importa se estou equivocado ou sem razão, faço e farei tudo para conquistar um beijo teu e agradar-te teu coração.
___ Estou gostando, sabe galantear uma mulher, onde escutou esses versos?
___ Larga de ser boba, não vê que acordei inspirado hoje? Deixa-me servir o leite antes que ele esfrie.
___ Continue, gosto do seu romantismo.
___ O que mais quer que eu diga? Que desejo devorar seu corpo? – brincou ele num sorriso cínico.
___ Só não te bato porque está machucado, caso contrario iria levar umas boas palmadas, está ficando muito sem vergonha, sabia?
___ Desculpa, estava brincando.
___ Com a verdade?
___ Lógico, não minto para você.
___ Você é de mais! Tem horas que nem acredito que é meu marido.
___ Digo o mesmo, tem horas que parece um sonho estar do seu lado, mas em todo caso, nem parece que é minha esposa.
Analice voltou a ficar seria.
___ Me desculpe, não quero estragar esse momento – comentou ele tocando o queixo de Analice. – E então, gostou do biscoito de nata? Eu que fiz.
___ Foi? – surpreendeu-se Analice.
___ Esqueceu que não tenho condições de ir a padaria?
___ E conseguiu mexer na cozinha?
___ Não gosto muito pois não tenho costume, nunca fiz uma comida, mas para você, para o nosso lanche matinal, enfrento qualquer coisa, sei que não ficou tão bom quanto...
___ Está bom, está divino – sorriu Analice realmente apreciando os biscoitos.
___ Vejo que gostou mesmo, tem mais na forma lá na cozinha.
___ Se começar a mexer na cozinha vou acabar engordando – brincou ela.
___ Juro que não levo jeito para cozinhar.
___ Se nunca cozinhou, como sabe?
___ Exatamente pela falta de pratica. Estive pensando de contratar uma empregada e talvez até uma cozinheira, na outra casa costumava...
___ Não quero que me conte nada do seu outro casamento, posso pensar que está arrependido de ter se separado da sua primeira esposa para se casar comigo, sei que não estou cumprindo com o papel de...
___ Jamais, me arrepender de estar contigo? Ficou doida? De onde tirou essa idéia? Só pensei que uma empregada...
___ Não precisamos de empregada ou cozinheira, não gosta da minha comida?
___ Gosto muito, eu nunca reclamei.
___ Pois então, quanto às arrumações da casa temos a faxineira que vem limpar duas vezes por semana e passar as roupas, não precisamos de empregada.
___ Tudo bem, se prefere assim.
___ Não quero outras pessoas convivendo conosco.
___ Tenho que te contar uma coisa.
___ Pela sua cara parece que não é boa noticia.
___ No filme que estou gravando, profissionalmente terei de fazer sexo com a atriz depois que a resgato.
___ Como assim? Tudo bem que seja ator, tenha tido uma primeira esposa e tenha agora as suas gravações, mas não, a não – Analice começou a gaguejar sem saber se deveria dizer o que lhe vinha em mente.
___ Pensei que não fosse se importar, é só uma cena. Eu a resgato, coloco-a no cavalo e fugimos juntos. Depois acontece a cena onde tiro a roupa dela, beijo-a toda e...
___ A não, você não vai fazer isso comigo, vai?
___ Já fiz milhares de cenas como essa, lhe disse que é profissionalmente, não tenho e nem terei nada de verdade com a atriz. Alias, vou pensar em você quando...
___ Pára, está me aterrorizando – resmungou Analice já com a voz sumindo da garganta. – Não posso acreditar que me casei com um elemento igual a você. Está vendo porque fugi de você varias vezes quando começamos a nos conhecer? A não, porque tinha de conhecer justo você?
___ Está com ciúme?
___ Já pensou se tivesse de fazer isso, se a atriz fosse eu?
___ Se prometer que vai ficar comigo, posso pedir que um duble faça a cena.
___ Prometer? Está me forçando a te...
Luiz sorriu dando gargalhadas do jeito como Analice dizia. Ela tentava disfarçar o ciúme que fervia em seu sangue.
___ Porque fica rindo, se é assim, pode fazer a cena que quiser com quem bem entender, nunca encostará um dedo em mim, estamos entendidos?
___ Porque está tão brava? – perguntou ele ainda rindo divertidamente. – Sabia que fica muito esbelta e elegante quando tem ciúme?
Analice olhou para ele e sem querer seus olhos molharam-se de lágrimas. O gosto de choro fez-la sentir sal nos lábios. Luiz espalhou a lágrima do rosto dela, como se brincasse com a gota, até que esta se desfez.
___ Diz que é mentira, vai? – o suplicou.
Luiz retirou a bandeja de cima da cama e aproximou-se de Analice com certo esforço para não esfregar os machucados das costas nos travesseiros.
___ Lhe respeito mais que tudo, jamais faria algo que fosse de seu desagrado.
Voltando a seriedade ele segurou a mão fria de Analice entre as suas.
___ Terá um duble, exigi isso assim que confirmamos nosso casamento. Profissionalmente ou não, nada irá acontecer, se queria que dissesse que era mentira, pode ficar feliz, estava apenas brincando para ver sua reação.
___ Não gosto dessas brincadeiras – respondeu Analice retirando suas mãos das de Luiz.
___ Acredito quando me diz que gosta de mim apesar de ter seu coração repartido. Pensei que não fosse dar a mínima com o comentário que fiz.
___ Pois deveria ter feito isso.
___ Não, você foi espontânea, demonstrou que sente algo por mim. Pode não ser a correspondência do meu amor, mas fiquei feliz por saber que tens ciúmes de mim, isso é um bom sinal quando não é exagerado. E não precisa chorar, jamais quero vê-la infeliz – completou ele limpando as lágrima que escoria ligeiramente pela face de Analice.
Analice o olhou com o coração apertado e sem ter controle do corpo, abraçou Luiz que surpreso abraçou-a também. Analice o apertou tanto que Luiz segurou-se para não dizer que seus machucados começavam a doer. Desabafando-se através do choro, Analice não segurou as lágrimas ao sentir sua cabeça comodamente encostada no ombro de Luiz.
___ O que você tem? – questionou ele. – O que tanto lhe faz chorar? Será que é tão complicado ter dois amores desse jeito? Vive com os olhos inchados e fico me perguntando se a faço infeliz, mas já lhe disse que está livre para tomar suas decisões e...
Analice levantou a cabeça e colocou a mão na frente da boca de Luiz num gesto para que se calasse.
___ Não diga nada, apenas me deixe ficar assim contigo, deitada no seu colo, com a cabeça no seu peito, sentindo suas mãos afagando meus cabelos enquanto escuto seu coração batendo. É só o que te peço.
___ Tudo o que mais quero é que além de seu marido, seja seu melhor amigo. Não gosto de vê-la sofrer sozinha, prendendo seus sentimentos, por outro lado, compreendo que não deve lhe agradar ter de me dizer o que sente por outro homem.
___ Gostaria de saber o que lhe aconteceu – pediu Analice dando outro rumo àquela conversa.
___ O que aconteceu?
___ Sim, enquanto esteve seqüestrado, se não for te importunar de mais.
___ Eu estava num bar na zona leste, pode parecer estranho mas estava sem fome para ir a qualquer restaurante e achei melhor tomar apenas uma vitamina com cereais. Estava resolvido de não almoçar naquele dia e não imaginava o quanto tal decisão iria me esfomear depois. Tudo aconteceu por volta de umas 10 horas da manha.
___ Pouco depois me ligaram, já deveria ser próximo da hora do almoço.
___ Sim, tudo foi muito rápido e as noticias também assim o são. Eu estava distraído tomando a vitamina enquanto notava a pintura recente das paredes e as novas luminárias com vitrais e as cortinas franzidas e de listras que não deixavam o sol penetrar. Estava quente e o sol forte iluminava o dia como faíscas vindas do céu. De repente, um homem a minha frente, de calça preta e camisa esportiva virou-se e esbarrou em mim que acabava de sair do caixa com meu pedido. Ele pediu desculpas murmurando com voz arrastada. Disse-lhe estar tudo bem e sem me reconhecer, percebi quando ele me olhou tentando descobrir quem eu era. Mostrou-me um sorriso jovial mas não disse nada. Sentou-se numa mesa atrás da que estava. Assim que comecei a tomar a vitamina, uma mulher sentada na mesa da frente pareceu alarmar-se e gritou para que tivesse cuidado. Virei-me e o homem que se esbarrara em mim com rapidez deteve-me segurando uma garrafa no alto e firmando meu pescoço entre o seu outro braço. Todos praguejaram assustados com aquela cena real e viva ao tempo que muitos saíram correndo aos berros. A conversa no bar silenciou-se subitamente em seguida.
___ Alguém fez alguma coisa?
___ Não, era tarde demais.
___ Onde estavam os seguranças?
___ Dispensara-os naquele dia, estava cansado deles e não imaginava que tamanha tragédia fosse me ocorrer.
___ Então, o que aconteceu?
___ Tentei reagir mas senti uma forte pancada na cabeça. Cambaleei e cai no chão sujo e engordurado de assoalho envernizado. Tinha a sensação de que ia desmaiar e vi quando ele retirou uma arma de dentro da lateral de um das meias do sapato.
___ Se ele estava armado, porque quebrou uma garrafa na sua cabeça?
Luiz balançou os ombros sem responder. Em seguida continuou a narração:
___ Percebi o tumulto e comecei a rastejar antes de perder de tudo os sentidos. Só sei que quando acordei estava longe dali. Na minha cabeça via-me sendo resgatado por um helicóptero e sendo levado a alguma sala do serviço de emergência medica de qualquer hospital mais próximo. Pensava nos trabalhos de turnos cansativos dos médicos de plantões cheios de adrenalina. Escutava o chamado de vítimas acidentadas no transito com lesões e ferimentos graves. Sentia cheiro de anestesia sendo manipulada por enfermeiros e equipes de veteranos estagiando num treinamento mais profundo. Por todo lado o barulho das ambulâncias me enlouquecia e não sei porque aquilo se passava dentro da minha cabeça se nada estava acontecendo de fato. Conseguia ver perfeitamente vários instrumentos médicos e equipamentos de se ressuscitar pessoas em apuros, remédios e estojos variados com bisturi, etc. tudo me deixava agoniado. As sirenes da policia gritava e as luzes piscavam segando minha visão. Mas não estava vendo nada, minha cabeça é que estava a mil. Não sei se sonhava mas sentia inclusive a mão de alguém cortando minha camisa e instalando soro no meu braço. Estava deitado de costas para o chão e este estava gelado. No fundo tinha consciência de estar inconsciente e não sei explicar esse fato.
___ Mas se tudo isso era coisa de sua cabeça, onde estava quando realmente acordou e abriu os olhos?
___ Ele havia me seqüestrado. Estava num local abafado e pouco iluminado, porém conseguia notar alguns cortes doloridos e o sangue seco sobre eles. Estava muito mal e tonto. Não conseguia mexer o pescoço e nem os dedos que pareciam paralisados. Minha pulsação deveria estar muito fraca embora sentisse meu coração estourando dentro do peito a cada batida. Mal conseguia respirar, deveria estar pálido e suava frio. Meus olhos ardiam como se minhas pupilas estivessem dilatadas. Tudo o que mais queria era um anestésico naquele momento. Sentia como se houvesse um tubo enfiado em minha traquéia.
___ Conseguiu identificar onde estava?
___ Sim, trancado num cômodo vazio de um apartamento. Quando me levantei, ainda muito fraco, notei um bilhete pregado na porta.
___ O que dizia?
___ “Se não pagarem o que pedi em dinheiro vivo, o pior acontecerá e o que ninguém sabe é que além de você estar preso aqui, coloquei uma bomba na garagem do prédio”.
___ Mas esses detalhes...
___ Foram mantidos em segredo, não relatei tudo o que me ocorreu, a insistência dos repórteres me deixa furioso certas horas.
___ Continue, o que fez?
___ Tentei sair dali de todas as formas mas não consegui. Tentei fazer sinal pela janela mas quem passava na rua nem imaginava que estaria lá em cima precisando de ajuda.
___ Quer dizer que...
___ Sim, a explosão e o incêndio no prédio Galvi foi...
___ Minha nossa! Você estava lá?
___ Sim.
___ Mas, como foi isso?
___ Imaginei que estaria num dos últimos andares. Usei toda a minha força golpeando a porta mas de fato estava muito fraco e nem sei como consegui arrombar aquela porta após chuta-la.
___ Conseguiu sair de lá então?
___ Sim. Entrei no elevador e apressado apertei o botão do andar térreo. De repente, o elevador parou com um solavanco e acima pude ouvir alguns estalos. Fiquei desesperado e me vi realmente sem fuga. Por mais que parecesse, aquilo não era um filme e se não saísse dali iria morrer. Não só eu, mas talvez várias outras pessoas. Tinham de evacuar o prédio, mas na verdade, no fundo, duvidava que aquela ameaça de bomba fosse verdadeira.
___ A notícia geral foi que pegaram o seqüestrador ao engana-lo com o pagamento, não foi isso que de fato ocorreu?
___ Sim, mas essa foi a segunda ameaça que ele fez aos policiais. Até então ninguém sabia que o incidente ocorrido no prédio Galvi fora ocasionado por minha culpa.
___ Porque o tal seqüestrador não fez contato comigo que sou sua esposa?
___ Era arriscado para ele por causa da segurança e além disso, ele não deveria ser profissional, ou então, era até demais e tramava algo que ainda não consegui desvendar.
___ E você estava preso quando o prédio...
___ Conforme o aviso pude escutar o estrondo e não demorou que a fumaça rodeasse por todos os lados. Lembro perfeitamente, o elevador estava passando pelo sétimo andar quando a luz interna piscou e apagou-se. Depois a luz voltou e o elevados continuou descendo. Já estava próximo ao quinto andar quando ele parou de vez e momentos depois o estrondo apavorante zuniu em meus ouvidos. Escutei estalos como fios elétricos soltando faíscas. Imaginava as pessoas gritando “fogo” e outras gritando “todos para fora”. Eu porém, só conseguia gritar: “estou preso, me ajudem, me tirem daqui, por favor”.
___ Como nada disso saiu nos jornais ou foi anunciado?
___ Não deve contar isso a ninguém.
___ Claro, não abrirei minha boca – confirmou Analice àquele pedido.
___ O alarme soou sinalizando o incêndio. Os carros de bombeiros, caminhões de incêndio e inclusive ambulâncias deveriam chegar logo e deve imaginar quão grande era o meu desespero. A fumaça começava a me sufocar. Ninguém sabia que eu, justamente eu, pudesse estar preso ali dentro e no final, ninguém ficou sabendo.
___ Mas como?
___ Consegui abrir uma portinhola no teto do elevador e como ele não havia passado inteiramente o andar, que parecia já estar deserto naquele momento, consegui subir pela lateral numa escada interna de ferros fixos à parede até alcanças o trinco da porta. Sentia vozes fracas vindas da extremidade do prédio. Seguia as vozes dando ziguezigues no meio da confusão. Olhando pela janela de um apartamento vazio, vi o fogo subindo pela parte externa do edifício. Não conseguia achar a escada no labirinto de escombros e em meio a fumaça negra que se espessava por todos os cantos me sufocando cada vez mais. Retornando a janela, abri-a e sentei-me no parapeito. Em baixo podia visualizar os carros de bombeiros e as pessoas aturdidas que desesperadas choravam de aflição em meio àquele pânico terrível. Se elas estavam salvas, eu ainda não.
___ E o que fez?
___ Ao sentir que o fogo estava se aproximando e a passagem para baixo estava impedida, sai da janela buscando alguma saída e nesse exato momento o vidro da janela se estilhaçou atrás de mim e uma bola de fogo passou zunindo pelo teto. Tirando a camisa imaginei que fosse aliviar o calor daquele ambiente abafado. Não havia meio de sair dali utilizando as escadas e mesmo sabendo que as paredes de metal do elevador poderiam deter as chamas, tinha noção que em pouco tempo ele se tornaria uma fornalha. Não me arriscaria a retornar para o elevador. O edifício começou a ceder e pedaços de concreto quente caíam enquanto chamas penetravam pelas frestas ameaçando incendiar-me a qualquer segundo. Já fazia cerca de 15 minutos e não agüentava mais a fumaça arder em meus olhos e garganta.
___ Lembro que acabara de ligar a televisão quando de repente o programa de entrevistas foi interrompido para o noticiário especial sobre o incêndio. Se soubesse que estava naquele prédio teria morrido de vez do coração – comentou Analice quase em choque.
___ Ainda ouvia as vozes para esvaziar o prédio e afirmo que por um segundo estive entregue a morte imaginando que realmente aquele fosse o meu fim. Entra lágrimas me despedi de você e se realmente tivesse que morrer, queria morrer com o seu nome nos meus lábios e a sua imagem, juntamente com a de todos os cativados, no meu coração.
Analice sentiu lágrimas lhe abordarem os olhos e tampou-os com a ponta dos dedos.
___ Imaginei que se existe inferno ele deveria ser daquele jeito.
___ Mas como saiu de lá?
___ O seqüestrador apareceu e cobriu minha cabeça com um pano molhado. Perguntei o que ele fazia ali e sem dar explicações ele avisou que eu ainda não podia morrer pois se não perderia de vez o dinheiro do resgate que tanto tinha urgência em receber. Garanti-lhe que teria o dinheiro em suas mãos assim que me tirasse dali e eu mesmo fazia questão de lhe pagar nota por nota. Ele disse para que o acompanhasse e então, segurando um extintor conseguimos descer as presas pela escada a fora. Os bombeiros já haviam apagado a maior parte das chamas e aliviado eu chorei baixinho sem poder acreditar que sobrevivera. O fogo ainda ardia intermitentemente em algumas partes e não queria acreditar que tudo aquilo ocorrera por minha causa.
___ Você não teve culpa – confortou Analice o abraçando enquanto Luiz chorava.
___ Os inspetores de incêndio não descobriram nada. Ninguém percebeu que escondido atrás de um pano que cobria minha cabeça, eu estaria ali, no meio daquela multidão. Seguindo as ordens do seqüestrador, acompanhei-o desviando de qualquer um que tentasse nos oferecer ajuda. Estava machucado e com queimaduras leves, mas não podia fazer nada e no momento que tentei fugir, torci meu tornozelo e a situação apenas piorou.
___ Isso que está me contando é muito grave.
___ Sim, mas prefiro que ninguém saiba.
___ Certo, manterei silêncio se me pedes.
___ Passado o episodio, ele me levou para um esconderijo no meio do mato. Ele era muito esperto e agia sozinho. Fiquei lá trancado e já sem forças para nada, morrendo de fome, desmaiei não vendo quanto tempo fiquei naquele estado. Pelo menos ele salvara a minha vida. Quero dizer, deixando vários feridos e um prédio em ruínas.
___ Puxa vida, estou encabulada!
___ Não sei como a policia o prendeu, parece que foi ao combinar a entrega de parte do dinheiro frente a Câmara. Quando me resgataram imaginei que nem estivesse mais vivo. Estava tão fraco que delirava pedindo água. Depois não vi mais nada e acordei no hospital. Pedi para que não lhe avisassem pois não queria que me visse num leito da forma como estava. Quando o medico terminou de me examinar e verificar meus ferimentos fazendo curativos, fui trazido para casa e como todos perceberam, minha escolta de vigilância se tornou ainda maior que antes.
___ Não acha perigoso que esse doido fuja da cadeia e volte a procura-lo?
___ Às vezes temo sim, mas não irei me mudar daqui e penso que essas coisas acontecem mesmo quando tem de acontecer. Quero que tenha cuidado, entende minha preocupação? Se antes imaginava problemas ao se envolver com um homem famoso, verifique agora que o perigo é muito maior do que poderia supor.
___ Tenho cuidado sim, sofri tanto por você, foram três dias de preocupações.
___ Também temi por você, mas sabia que estando seqüestrado os vigias protegeriam você assim como a policia. É bom saber que se preocupou comigo.
___ Morreria se algo pior lhe tivesse ocorrido – disse Analice abraçando Luiz carinhosamente.
___ Podemos mudar de assunto por favor? – pediu ele.
___ Sim, conversemos sobre um assunto bem calmo e reconfortante. Sobre o que deseja me falar?
Luiz nada disse, apenas buscou o brilho dos olhos de Analice e mordendo o lábio inferior se colocou pensativo.

Conforme os dias foram passando, Luiz foi se recuperando e ao mesmo tempo em que os encantos de Analice por ele aumentavam, também uma certa saudade de Tiago ia lhe invadindo os sentimentos. Ao telefonar para o irmão, ficou sabendo que Tiago se mudara para a cidade onde os pais estavam residindo. Pegando o endereço com Martino resolveu escrever-lhe uma carta: “Caro Tiago. Eu me lembro muito bem de como tudo começou. Ainda estou a vê-lo com aquelas flores tão belas que veio me trazer e dos passeios maravilhosos que realizamos juntos. Lembro-me com grandes saudades do entusiasmo que tínhamos ao nos encontrar. Você sempre com a sua exuberância foi me cativando aos poucos. Ainda sinto suas delicadas mãos segurando as minhas e durante longos momentos, retendo-as entre as suas. Lembro-me muito bem e jamais me esquecerei de tudo o que vivemos e o quanto foi maravilhoso. Não sei o que posso lhe escrever de bom e útil, mas quero dizer que estou bem com meu marido e sinto muito se isso lhe faz infeliz nesse momento. Para mim foi algo muito difícil, mas cada um aprende as próprias custas e não me arrependo da escolha que fiz. Não sei também se lamento ou não por ter me casado com Luiz, mas não quero falar dele, apenas digo que conhecer e namorar você foi uma experiência saudável e feliz. Devemos sempre dizer a verdade, por mais duras que elas sejam, pois é nisso que se fundamentam as amizades verdadeiras e sou muito sincera ao lhe escrever tudo isso. Sei como é difícil romper com o passado e duro desmanchar um romance que o tempo solidificou. Sinto sua falta, mas a nossa separação estava marcada para acontecer assim como a minha união a Luiz. Sinto muito e lhe desejo felicidades. Se não escrevo mais, é porque as lágrimas molhariam este papel borrando o que já escrevi. Nunca te esquecerei... abraços carinhosos de alguém que lhe gosta muito. Sua amada e eterna adorada, Analice.”
Tiago poderia até rasgar aquela carta, mas Analice ficaria mais tranqüila após aquele desabafo. No fundo sabia que Tiago não guardara magoas ou rancores.
Mesmo sentindo profundas saudades de Tiago, Analice considerava que seu casamento estava se revigorando com clima de paz e harmonia.
Poucos dias depois, Analice remexia em alguns papeis quando Luiz chegou mais cedo lhe trazendo uma surpresa, um lindo vestido de festa e uma jóia reluzente. Para completar, uma caixa de bombons variados que espalhou o cheiro de chocolate pelo ambiente.
Analice beijou-o se mostrando gratificada e retirou-lhe o blazer como estava se acostumando a fazer nos últimos dias. Praticamente já se tornara um habito. Ela o recepcionava carinhosa e atenciosamente lhe desapertava a gravata. Luiz adorava quando ela mexia em sua gravata, fosse para dar o nó ou para desfaze-lo.
___ Começo a compreender como é o amor – comentou Analice.
___ E como ele é? – perguntou Luiz.
___ Digo isso não pelo presente que me trouxe, mas pela forma como estou me sentindo ultimamente, pelo jeito como tenho visto os últimos acontecimentos. O amor transfigura valores, transforma as pessoas, a maneira de viver, torna doce o amargo e da plenitude a alegria.
___ Estou muito feliz por termos nos entendido. Não sabe como lhe amo.
___ Também lhe amo muito – sussurrou Analice com os olhos cheios de emoção acariciando o rosto de seu marido.
___ Desde quando descobriu que me ama?
___ Não sei, foi aos poucos, na convivência em si.
___ Pois para mim, foi desde o primeiro momento em que lhe vi – sorriu ele beijando-a.
___ Por favor, aconteça o que acontecer, não deixe de me amar, tenho muito medo de lhe perder.
___ Nenhum mal nos acontecerá e jamais deixarei de te amar porque isso é impossível.
___ Sinto que te amo tanto meu querido – sussurrou ela entre seus afagos carinhosos.
___ Minha vida! Agora eu sinto que tu es minha de verdade – sorriu ele gracejando aquele momento divino na união romântica que se formara de vez entre os dois.
___ Nunca pensei que estar casada fosse tão bom assim, quero dizer, não disse que estava sendo ruim, mas, ah, você entende o que...?
___ Entendo e acho o mesmo, mas um pouquinho diferente: estar casado com você é muito melhor do que poderia supor. Isso porque sou um homem apaixonado que finalmente, tanto tempo depois do casamento concretizado e consumado, ganhou o amor de sua vida. Negou-me durante muito tempo, não sei se foi a mim, mas ao nosso relacionamento de marido e mulher. Agora tem estado diferente, me abraça, me beija, faz-me caricias e mudou até mesmo o jeito de me olhar.
___ Antes eu não estava preparada. Agradeço-te pela compreensão e paciência que teve em esperar minha decisão, mesmo depois de casada, o que sei ter cometido um grande erro por não esclarecer de fato os detalhes da minha situação, mas no fundo sabia, algo no meu interior dizia que você sim era o homem da minha vida, o qual devo constituir família e conviver eternamente.
___ Não ha nada mais bonito do que descobrir e viver um amor puro e real. Somos um casal que finalmente estamos entregues ao sentimento mais belo e harmonioso.
___ E que assim continuemos – disse Analice cobrindo Luiz de beijos mansos, mas ao mesmo tempo, ardentes de sedução e desejo.

Sobressaltada, Analice acordou no meio da noite verificando que tivera um terrível pesadelo do qual nem se lembrava dos detalhes. Abrandando o susto, Luiz lhe deu um copo d’água e permaneceu lendo seus resumos literários na escrivaninha. Fechando os olhos e se acalmando, Analice acabou dormindo novamente. Luiz percebendo que ela dormira, deitou-se com cuidado para não acorda-la e feliz permaneceu na cama. Uma chuva, talvez passageira, começava a cair com seus pingos lentos e enevoados.
Observando o rosto de Analice tão perto do seu, Luiz lembrou-se de inúmeras coisas que foram lhe florindo na mente. Não entendia o porque Analice insistia em esconder-lhe algo misterioso. Luiz sabia que muitos dos sentimentos permaneciam ocultos atormentando os sentidos de sua esposa e por mais que tentasse ajuda-la, era impossível arrancar-lhe a verdade e o que de fato se passava no coração de sua amada. Analice tinha um certo receio inexplicável, uma angustia, um tormento profundo e sobretudo a falta de coragem para se expor e abrir-se com seu marido contando não só o que acontecia como também o que se passava naquela mente tão conturbada.
A chuva engrossava fazendo barulho na janela. Sobre o ambiente do quarto, a calma de quem pudera aproveitar o dia de baixo de uma coberta, ao lado da pessoa mais importante em sua vida naquele exato momento. Luiz pensava em sua vida, no que poderia acontecer se as coisas continuassem daquela maneira por muito tempo. Ele queria ter filhos e mesmo sabendo da correria de sua vida com viagens inesperadas e roteiros de filmes, não deixaria a vida profissional ser mais importante do que seu êxito pessoal, sua família, sua felicidade e seu amor dentro do lar. Era capaz de fazer qualquer coisa para resolver sua situação com Analice mas entendia que não lhe cabia resolver aquele dilema. Em todo caso, tinha profundas esperanças de se entender com Analice e ter-la verdadeiramente como esposa, dedicada ao lar, feliz e enamorada por ele mais do que por qualquer outro homem.
Luiz cheirou os cabelos perfumados de Analice imaginando o que lhe aconteceria caso ela resolvesse lhe dizer adeus e pedir de vez a separação. Seu segundo casamento arruinado sem nem ao menos seis meses, ou pior, sem uma noite de amor se quer. Compreensível ele entenderia, mas um profundo vazio tomaria conta de seus dias e também das noites. Sua cara seria divulgada nos noticiários e espalhada por todas as revistas e jornais. Poderia atrapalhar inclusive sua carreira, mas não prenderia Analice a um casamento sem amor, o respeito e a liberdade, ou seja, sem os verdadeiros símbolos que mantém uma união conjugal ou qualquer outra em geral.
A situação era delicada e chegava a ser constrangedora para Analice. Por horas imaginava e se conscientizava que agira errado não só por se casar com Luiz sem contar a Tiago, como também por esconder tanto tempo de Luiz que tinha um namorado. Pior ainda, se julgava culpada por ter se casado com Luiz ainda sem ter total certeza dos seus sentimentos entre os dois. A principio fora fácil imaginar que aquela era uma oportunidade única na vida e como Tadeu lhe revelara, estava marcada no destino, mas de certa forma, não daquele modo. No fundo ela sentia algo inusitado por Luiz, mas não conseguia tirar da cabeça a preocupação com Tiago e sua conjuntura mal resolvida. Além do mais, guardava um pequeno sentimento caloroso por Tiago, aquele que fora seu primeiro amor.
A vida dera algumas voltas, mas o destino parecia estar simplesmente cumprindo seu trajeto como alguém que não pode impedir ou desviar aquilo que está previsto à acontecer na vida. Analice sabia que se não tomasse uma resolução e firmemente permanecesse estável nas suas decisões, as coisas ainda tendiam a piorar.
Contemplando o rosto adorado de sua esposa, após pensar até exaurir a mente, Luiz acabou dormindo novamente enquanto a chuva continuava batendo na janela do quarto.

Dias depois, retornando de um romântico jantar, Luiz carregou Analice no colo e entre beijos colocou-a na cama. Analice ergueu a cabeça enquanto Luiz curvou-se sobre ela fitando-lhe o rosto. Cheia de desejos, ela o agarrou e suas bocas se juntaram ainda mais ardentemente. Deitando-se solidificaram os corpos unidos que se enlaçaram um ao outro. Analice finalmente iria se entregar àquele que já há muito tempo era seu esposo e portanto, desde o casamento, esperava ansioso por tal acontecimento. Luiz conseguira de vez conquistar por completo o coração de sua esposa. Aquela seria apenas a primeira das melhores noites que o casal merecia e tinha direito.

Meses depois...
Analice foi ao medico e constatou o fato até então duvidoso mas suspeito. Admirada recebeu a comprovação de que estava realmente grávida. Sua vida parecia de fato estar maravilhosa e não queria se desentender jamais com Luiz pois se acertara de vez com ele e sabia que encontrara verdadeiramente o grande amor de sua vida, o homem pelo qual pretendia ter outros filhos e ser feliz até o ultimo de seus dias.
Saindo do consultório com o rosto sorridente, Analice não imaginava como poderia dar aquela noticia a Luiz e pensativa tentava descobrir qual seria a reação que ele teria.
Por vezes ela pensava ainda em Tiago, mas em momento algum se arrependera da escolha feita e cortava os questionamentos do tipo “como teria sido se estivesse escolhido ficar com Tiago?” Ela sabia que tal questionamento não a levaria em nada pois o tempo não iria voltar atrás e assim, ela não tinha como saber de fato o que poderia ter ocorrido já que as possibilidades eram vastas. O que ela reforçava em sua mente era que estava bem com seu esposo e apenas o presente lhe importava. Julgava-se uma mulher com sorte para se casar e ser amada por tamanha celebridade internacional. Analice ficava orgulhosa e encantada ao ver Luiz em filmes que se espalhavam pelo mundo todo e eram o maior sucesso.
Ter um marido como ele exigia certos esforços da sua parte. Sabia que era cansativo e as viagens de um lado para outro não terminariam independente da pretensão que tivesse. Analice tinha vontade de acompanhar Luiz nas viagens e observar como eram feitas as gravações, porém, sua permanência e companhia não agradavam a equipe e até certo ponto, desconcentrava o próprio Luiz. Se aquele era o trabalho de Luiz, ela tinha de respeitar e compreender que como qualquer outra profissão, não era bom que ele carregasse a esposa sempre ao seu lado para cima e para baixo.
Durante todo o trajeto de volta para casa, Analice permanecia distraída e as coisas pareciam distantes como vultos longínquos sem distinção ou forma. Chegando em casa, na esperança de encontrar com seu amado, deixou a bolsa na sala e começou a percorrer pela casa.
___ Luiz! Onde você esta?
Repentinamente, ele apareceu vindo da cozinha, suas feições não pareciam tranqüilas.
___ Preciso conversar com você.
Ele a olhou e irritado sentiu os olhos arderem.
___ Realmente, precisa me explicar o que é isso.
Esticando um pedaço de jornal, Analice teve um choque súbito e inesperado. Sua foto estava estampada na primeira capa: “Traidora acha que o marido é um idiota” e abaixo a foto dela beijando Tiago.
___ Me disse que ele havia ido embora, porque mentiu?
___ Mas não menti...
___ Não tem explicação – interrompeu ele furioso sem deixa-la explicar. - Acho que dessa vez está tudo acabado, sinto muito. Suas mentiras não me convencem mais. Pode arrumar suas malas e dê um jeito de ir embora hoje mesmo. Para mim chega!
Quer dizer que não era o pisque repentino do farol de um carro e sim um fleche fotográfico, não, justo agora. Lamentou-se ela.
___ Não quero vê-la, a não ser na audiência, entendeu?
___ Não acha que está...
Luiz virou as costas e julgando ter sido realmente traído por Analice, não queria mais nenhuma conversa. Analice entre o desespero e a raiva, não sabia o que fazer e na duvida, guardou para si a noticia de que carregava no ventre um filho de Luiz.
Como poderei explicar a ele que essa foto só pode ter sido da minha despedida com Tiago? Também, ele não vai acreditar, está com a cabeça quente e qualquer coisa que eu disser vai virar briga e só aumentará a confusão. Benditos fotógrafos, justo no ultimo encontro, porque? Como poderei provar minha fidelidade? E se ele realmente pretender se separar, o que farei com essa criança? Não quero...
Analice não conseguiu terminar seus pensamentos e numa dor profunda desabou-se num choro sentido enquanto ia para o quarto fazer suas malas conforme Luiz ordenara. Sua vida parecia estar arruinada e sentia-se impossibilitada de fazer qualquer coisa.
Justo quando tudo ia tão bem...
Ao colocar a mala sobre o sofá, Luiz lhe dirigiu a palavra sem olha-la de frente:
___ Te levarei de carro, me de sua mala.
Analice o olhou calada e percebeu que Luiz se acalmara, a rudez de sua fala já não mais existia.
___ Verás quão grande injustiça estas cometendo. Ainda vai se arrepender por me tratar assim como se fosse uma traidora.
___ Sempre tive motivos para desconfiar de ti, ficava sempre acuada e fugia de mim, bem, você melhor do que ninguém sabe que se houvesse esclarecido a situação se separando antes, teria sido melhor do que ter ficado me traindo, se encontrando e ainda pior, beijando o infeliz do tal de Tiago na frente dos fotógrafos. Se sua intenção era acabar com...
___ Não quero mais saber, para mim chega! É inútil tentar...
___ Para mim também chega, não quero mais conversar contigo.
___ Não quero me separar e não vou assinar papel nenhum.
___ A não? Posso saber porque? – perguntou ele tornando a exaltar o tom de voz.
___ Pode não acreditar como sei que não acredita, mas como lhe fui sincera, terminei com Tiago pois descobri que amo você e continuo lhe desejando assim como você sempre disse me desejar. Além do mais, não posso aceitar essa separação pois...
Estou esperando um filho seu. Pensou ela impedindo que as palavras fossem pronunciadas.
___ Diga, o que tem de mais?
___ Não vale a pena lhe dizer.
___ Qual a sua explicação para aquela foto?
___ Foi tirada antes deu romper meu relacionamento com Tiago. Se não acredita em mim, sinto muito, anseio que as minhas esperanças não sejam em vão e que um dia descubra que nunca o traí e que...
E que foi o homem da minha vida, o qual me entreguei de corpo e alma.
___ Vamos, não quero que me enrole com suas conversas.
___ Vai me devolver dessa maneira? Deixando-me humilhada diante de todo o mundo por uma coisa que não é verdade? Terá coragem de olhar para meus pais e dizer o que está pensando a meu respeito? Eles ainda estão na casa da minha tia mas com certeza retornarão ao saber disso. Inclusive eles já devem saber pelo grande vai e vem de comentários indesejáveis, mas eles jamais me julgarão como desleal. Vai acreditar mais nas revistas e jornais do que em mim que sou sua esposa? Passamos por problemas como todo casal, mas você sabe que a imprensa faz absurdos para escandalizar uma pessoa famosa. Sabe muito bem que as noticias que estão espalhadas por aí tomarão proporções muito piores ao saberem que você me expulsou de casa e me escorraçou de sua vida como se realmente fosse uma infiel.
___ Olha, não me...
___ Vejo que seu amor por mim não é como eu imaginava, pois não é capaz de ficar do meu lado negando essas mentiras todas, mesmo depois de todo o meu sofrimento para ficar do seu lado.
___ Quer dizer que sofreu para ficar do meu lado? Não era o que pretendia ao me casar, pelo contrario, achei que estaria lhe dando uma honra e uma das maiores felicidades se sua vida quando te pedi em casamento.
___ Só eu sei o que passei. Quero apenas deixar claro que nunca lhe fui infiel, rendi a um beijo de despedida e não acho justo que isso estrague o nosso casamento, a minha vida. Estou muito magoada contigo, mas não o critico, tem seus motivos com toda certeza de não me querer mais. Sinto muito pelo nosso casamento e pelas infelicidades que o fiz passar, também não era a minha intenção. Se for o fim, que se acabe de uma vez para mim também.
___ Está bem, mudei de idéia, quero que fique, durma na sala ou no quarto dos fundos ou no de visitas como preferir.
___ Não vamos nos separar?
___ Vamos sim, mas chega de escândalos e principalmente de notícias desagradáveis a respeito do nosso casamento. É melhor que fique até o advogado dar entrada nos papeis.
___ Como lhe disse, não consentirei que essa separação prossiga, nosso casamento não vai terminar – disse Analice o encarando. – E isso não é uma ameaça, mas uma promessa.
Luiz a olhou com furor.
___ E tem mais, sinto em dizer-te que estaria bem melhor se não houvesse me apaixonado por você... – continuou Analice.
___ Eu também – interrompeu ele desafiando-a sem medir as palavras de grosseria.
___ Pois Tiago jamais me renegaria dessa forma, me tratando com tanto descaso e desconfiança.
___ Trato-a como merece e não cansarei de repetir isso, entende? – perguntou ele com rispidez. Porque não volta para seu queridinho?
___ Ele não é mais meu queridinho, não percebe...
___ Escuta aqui – irritou-se Luiz segurando-a nos dois braços de forma rude. - Você é uma estúpida se acha...
___ Isso, perca seus escrúpulos e me xingue a vontade. Vai me obrigar a separar, pois vamos ver – desafiou ela mais firmemente. – Se não confia em mim, eu confio no amor que sentia por mim e duvido...
___ Como ousa...
___ Vai me bater também, não basta os seus palavreados sujos e seus atos sem decência? – interrompeu Analice. – Porque não me mata de uma vez?
Luiz olhou-a espantado.
___ Não me diga que tenho motivos para isso.
___ Não, eu é que não tenho mais motivos para viver. Quero morrer e acabar de vez com tanto sofrimento, acabar também com essa...
Criança que infeliz vai ter de conviver sem um pai. Pensou ela guardando para si aquele termino de frase.
___ Com essa angustia de perder o segundo grande amor da minha vida – completou ela buscando por palavras novas enquanto um choro tremido lhe aprofundava o ser.
Luiz teve vontade de abraça-la, porém, por mais doloroso que lhe fosse, largou-a na sala e saiu de casa não querendo ver aquela tortuosa imagem de Analice.
___ Bem eu sabia. Quando alguém se comporta de forma tão estranha é porque esconde algo – comentou ele virando-lhe as costas.
Um dia após o outro se passava em tormentos gigantescos. Estavam de baixo do mesmo teto mas se relacionando pior do que dois estranhos. Luiz a olhava como uma traidora infiel da pior categoria que pudesse existir. Analice não mais chorava e se julgando fraca apenas repetia a si mesmo: “não tem jeito, a vida é assim mesmo”.
Assim como Luiz, Analice também procurou por um advogado e este pode lhe dar maiores informações:
___ O casamento é um contrato e o requerimento de divórcio é dado para a anulação desse contrato. Já que o estado se interessa pelo cumprimento das clausulas do contrato de casamento, deve-se, quando se quer cindi-lo, apresentar provas de que o cônjuge violou as condições do contrato ou tornou-o impossível de ser cumprido – explicou o advogado minuciosamente. – Deve existir uma transgressão das leis matrimoniais sendo constatada por provas e julgada tão grave para justificar a dissolução do casamento. O casamento é um vinculo indissolúvel que somente termina com a morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou pela separação amigável ou judicial.
___ Essa separação é a chamada de desquite?
___ Desquite é a forma peculiar de separação legal entre marido e mulher, mas não dissolve o vinculo conjugal, apenas autoriza a separação dos cônjuges restituindo-lhes a liberdade donde cada um dirige sua vida como bem entender pondo termo à comunhão de bens. Assim, nenhum dos dois pode casar-se enquanto viver o outro. Antes de se mover à ação de desquite, é preciso com conformidade a lei, requerer a separação de corpos concedida pelo juiz. Só se admite desquite com fundamento em uma das causas expressamente especificadas em lei: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injurias grave, abandono voluntário do lar durante dois anos contínuos. Se tiver de deixar o lar, não deve ajuntar todas as suas coisas, mas apenas o necessário para uso imediato. Quando é dada a entrada em juízo de um pedido de divorcio, a justiça se encarrega de fazer cessar a moradia em comum.
___ O que me diz sobre adultério?
___ É a mais grave de todas as causas de divorcio. Atualmente ele é definido pela violação do dever de fidelidade conjugal quando uns dos cônjuges mantém relações sexuais fora do matrimonio com uma terceira pessoa.
___ Isso quer dizer que beijos e trocas de carinho com um outro homem não me enquadraria como adultera?
___ Bem, as leis não foram feitas para satisfazer os princípios de lógica, mas para servirem de diretrizes. Beijar e trocar carinhos ou até mesmo a excitação recíproca dos órgãos sexuais não são considerados pela justiça como adultério. No juízo cível não se exige, para caracterização do adultério, o mesmo rigor da lei penal. Nem sempre o flagrante pode ser constatado e há de ser demonstrado por indícios e circunstancias que apreciadas em conjunto levam a convicção de sua existência. Basta então que o juiz se convença da violação da fidelidade conjugal, em face dos elementos probatórios apresentados.
___ E quanto aos depoimentos?
___ A prova testemunhal é freqüente nas ações de desquite por adultério. Podem ser citados para depor inclusive os parentes próximos e os criados do casal. A pessoa apontada como cúmplice do cônjuge adultero também poderá depor desde que se predisponha a comparecer e a relatar espontaneamente, porquanto não pode ser compelido a dar testemunho, em face de um dispositivo do código que acolhe a recusa da testemunha em falar sobre questões a que não possa responder sem desonra própria ou de outrem. A ação penal de adultério só pode ser intentada pelo cônjuge inocente dentro de um mês após o conhecimento de fato. A lei fixa em trinta dias o prazo de decadência do direito de queixa competido privativamente ao cônjuge enganado. A ação de desquite é causa cível e não criminal podendo assim ser proposta em qualquer tempo, desde que não esteja dissolvida a sociedade conjugal por outro motivo.
___ Quando um dos cônjuges se nega a manter relações sexuais com o outro, isso pode ser considerado como injuria?
___ Sim e é um agravante principalmente para o caso de adultério.
___ E como ocorre o processo de divorcio?
___ Quando o juiz recebe e aceita o requerimento de divórcio, a sentença não é lavrada desde logo em sua forma definitiva, precedendo a um documento provisório, para dar ao casal mais uma vez um prazo de reflexão. A petição inicial deve atender as exigências do código processual. Serão instruídas provas de existência do casamento como pressupostos legais. Sempre existe obrigatoriamente uma fase previa de conciliação. O juiz ouvirá pessoalmente os litigantes, em separado ou conjuntamente podendo se necessário determinar diligencias. Nos processos de desquite é indispensável à audiência do ministério publico. Decretado o desquite, a decisão passada em julgado, deve ser averbada no registro civil, ao lado do termo de casamento e transcrita na circunscrição imobiliária se o casal possuir bens em conjunto existentes por ocasião da sentença. Os bens podem ser partilhados de forma desigual, como convencionarem os ex-cônjuges ou atribuídos apenas a um deles. A desquitada inocente tem direito de continuar a usar o nome do marido, se quiser, pois lhe é facultado inclusive de voltar a assinar o nome de solteira, suprimindo o do marido. No desquite judicial, sendo a mulher inocente e pobre, o marido é obrigado a prestar uma pensão alimentícia fixada pelo juiz e vice-versa. O desquite litigioso pode ser intentado a qualquer tempo e até no dia seguinte ao do casamento enquanto o amigável requer pelo menos dois anos de casados.
___ E quanto aos filhos?
___ No desquite amigável, o destino dos filhos menores resulta dos termos do acordo firmado entre os cônjuges e homologado pelo juiz. No litigioso, compete ao juiz, por expressa determinação da lei, resolver acerca da situação dos filhos. Quando não podem permanecer em poder nem da mãe e nem do pai, a guarda é dada a uma pessoa notoriamente idônea da família de qualquer um dos cônjuges. Ainda que se trate da mãe adultera, não se pode proibir, dificultar ou obstar o direito de visita aos filhos. O juiz poderá fixar datas para as visitas, designando dia, horas e local para sua realização, de acordo com o desejo dos interessados.
Analice já cansada daquela conversa, não queria nem pensar naquilo que o advogado lhe explicava. De uma coisa ela sabia e afirmava com convicção: não permitiria a realização daquela separação, ainda menos tendo de ficar nove meses com uma criança no ventre para depois somente poder vê-la com data marcada. A guerra se estabeleceria e Analice iria lutar com todas as suas forças evitando o pior. As coisas não seriam fáceis como Luiz imaginava e formulando idéias ela pensava no que fazer para salvar seu casamento e provar sua inocência naquela historia mentirosa relatada nos jornais e comentada pela boca do povo.

Analice aguardava numa sala reservada quando uma mulher distinta e bem vestida veio lhe chamar permitindo sua entrada na audiência. Totalmente constrangida, ela procurou não encarar Luiz de frente e sentando na cadeira que a aguardava, permaneceu seria e de cara fechada.
___ Ação de separação judicial número 569028. Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Comarca... Luiz..., brasileiro, casado, ator cinematográfico..., CPF nº..., domiciliado nesta cidade, onde reside no endereço..., postulando por seu advogado e procurado... vem respeitosamente, a presença de V. Exa., para, com fulcro no artigo 5º da Lei... de.... e legislação pertinente a espécie, propor contra sua esposa Analice..., brasileira, casada, do lar, domiciliada e residente..., a AÇAO DE SEPARAÇAO JUDICIAL, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas: 1 – O suplicante contraiu matrimonio com a suplicada, no dia..., nesta cidade, não adotando o regime universal de comunhão de bens, documento..., não havendo filhos dessa recente união.
Analice ouvindo aquelas palavras ficou totalmente pálida e atordoada, estava confusa e não conseguia distinguir o que poderia ser feito.
Ele não vai acreditar que o filho é dele, nem ao menos, bem, é melhor eu prestar atenção.
___ 2 – O casal, na realidade, pouco conseguiu viver harmoniosamente pela atitude da esposa, pessoa de gênio irascível, dada a intransigências, e que, com arroubos de verdadeira matriarca, no dia-a-dia dos cônjuges, acabando por transformar a convivência comum do lar, num verdadeiro suplicio ao suplicante, sendo certo que tais atitudes, num crescendo, acabaram por tornar impossível à vida conjugal. 3 – Alegando traição...
Analice não acreditava que tinha de escutar tais palavras e segurando um choro mais de raiva do que de tristeza, imaginou se conseguiria perdoar Luiz algum dia por tamanha injustiça.
Talvez seja melhor acabar de vez com tudo isso e sumir com meu filho. Não, não quero me separar, ainda o amo e muito, mas ele...
___ Assim, a violação grave dos deveres do casamento segundo o código... em seu artigo..., enumera os...
E se for procurar Tiago? Ele disse que nunca me esqueceria e, não, deve ter ficado magoado com tudo que lhe fiz sofrer. Oh céus, o que eu faço?
___ A dissolução da sociedade conjugal por ruptura da vida em comum, que foi introduzida pela... 7 – Face ao exposto, entende o suplicante perfeitamente caracterizando a injuria grave... Assim tem entendido a jurisprudência, mencionando-se, entre outros, os seguintes julgados: tudo quanto ofende a honra, a respeitabilidade do cônjuge ou tudo quanto constitui falta grave em relação aos deveres especiais dos cônjuges... Nessas circunstancias, é a presente para requerer a V. Exa., se digne de determinar a citação...
Luiz escutava tudo imaginando o fim trágico de seu segundo casamento, estava intimamente arrasado e destruído por ainda ter profundos sentimentos amorosos por Analice. Nem notara a saliência daquela barriga que esperava um filho seu.
Analice estava decidida e negando aquela separação, insistia que tinha um assunto sério a tratar com Luiz. Porém, não sabia se agiria certo contando que carregava um filho em seu ventre. Pelo menos, de alguma maneira, queria deixar sua consciência livre de qualquer peso ou ressentimentos que pudesse lhe causar ainda mais problemas. Analice sabia que conversar com Luiz naquelas circunstancias e a tal altura dos acontecimentos não seria nada fácil, mas disposta, enfrentaria o que estivesse por suceder.

Analice desceu do ônibus próximo a uma copada mangueira e caminhou para a casa de sua melhor amiga que morava em um bonito bairro descampado. De lá avistava quase toda a cidade com suas casinhas baixas e alguns amontoados de prédios em pontos separados. A rodoviária ficava próxima e estavam construindo um segundo piso com lojas e restaurantes. Ali por perto era fácil encontrar bares, lojas de revistas, telefones públicos e diversos artigos artesanais de enfeitar-se a casa.
Sempre que passava por ali, Analice lembrava de sua ultima viagem e a voz feminina provinda dos autofalantes anunciando as partidas e chegadas de ônibus. Ela gostava daquele tipo de ambiente, de observar os passageiros se entrecruzarem, as crianças correndo felizes e principalmente a diferença entre os viajantes bem vestidos segurando malas e mochilas de couro e outros simples que humildemente passavam apressados carregando sacolas e um travesseiro.
Do outro lado da rua, um carro esverdeado parou e uma bela menina vestida de bailarina desceu do carro. Os olhos de Analice brilharam. O carro engatou a marcha e saiu entrando a esquerda no primeiro quarteirão. Sem saber porque, Analice lembrou de sua velha caixinha de musica e sentiu uma estranha sensação que não se tratava nem de alívio, nem de liberdade, muito menos de medo. A menina adentrou pela residência tirando o laço de fita cor de rosa da cabeça segurando-o junto de um chapeuzinho branco enfeitado de flores. Suas pequenas mãos estavam tampadas por uma luva branca de renda e cetim. Aquele mimo de criança ainda teria muito trabalho se quisesse tornar-se uma bailarina, mas já estava com meio caminho andado.
O dia parecia calmo e ventava muito naquele local despenteando o cabelo de Analice que naquele momento estava preso num coque. Contemplando durante alguns segundos a rua pela qual durante muito tempo não via, percebeu algumas mudanças e constatou que o bairro estava expandindo-se. Novas casas estavam sendo construídas e a própria casa de sua amiga acabara de receber uma pintura nova.
Tocando o interfone, ficou feliz quando sua amiga foi lhe receber no portão com um sorriso estampado no rosto. Se Luiz não sentia fidúcia para se abrir e desabafar com alguém, Analice pelo menos podia contar com o ombro de suas amigas.
___ E aí minha amiga, que complicação toda é essa que não para de sair nas revistas? Vai mesmo se separar?
___ Não, pelo menos enquanto não fizer um certo serviço – respondeu Analice melancólica.
___ Como assim?
___ Já tentei de tudo e pelo visto estou perdendo minhas esperanças em me reconciliar com o Luiz, também acho muito injusto meu próprio marido ter as desconfianças que teve e ainda por cima não querer acreditar em mim. Sei que fui culpada e cometi não só um, mas vários erros.
___ Pois faça de todas as armas que a feriram um caminho para o aprendizado. Um famoso escritor americano dizia que a experiência é um nome que cada qual dá aos próprios erros. Portanto, aprenda com seus erros para não repeti-los, mas não faça com que esses erros a tornem amarga, descrente das coisas e das pessoas. Veja o lado bom de tudo o que te acontece. E vá para a vida sem armas, sem rancores, sem amarguras! Aproveite o que a experiência de vida lhe trouxe de bom! Enfrente o que está por vir de peito aberto e alma leve!
___ Sim, mas de toda forma queria que ele me compreendesse e acho que se realmente me amasse teria pelo menos investigado melhor e sem dificuldade perceberia o quando esses repórteres são falsos e mentirosos. Justo ele, como pode ser tão inexperiente para acreditar em qualquer porcaria que colocam nos informativos de fofocas diárias das drogas de revistas?
___ Também fiquei incrédula com o fato dele ter levado tão a sério essa separação. Ele não voltou atrás nenhum momento? Não conversaram?
___ Ele nem se quer me olha nos olhos.
___ Deve estar sendo dolorosa essa situação – supôs a amiga de Analice.
___ Sim, principalmente por estar...
___ Diz – incentivou a amiga vendo que Analice temia completar o restante da frase que fora interrompido de imediato.
___ Estou pensando seriamente em tomar uma atitude e de fato preciso me desabafar.
___ Se abra comigo, sou sua amiga há muito tempo e sabe disso, não é?
___ Sim.
___ Pois então?
___ É que... é algo muito sério.
A amiga de Analice não quis forçar aquela conversa e ficou calada deixando livre o silêncio entre as duas.
___ Se achar melhor ficar calada eu respeito e entendo – disse por fim vendo que Analice parecia muda.
___ Estou tomando a decisão de fazer um aborto – desabafou Analice.
___ Como? Não, você só pode...
___ É verdade, não estou brincando, não dessa vez e com uma coisa tão grave e seria.
___ Mas se não é brincadeira é loucura, tem noção do que acabou de me dizer?
___ Que estou grávida – respondeu Analice.
___ Não, mas que cometerá um crime, um assassino a seu próprio filho.
___ Não tenho saída e ninguém ficará sabendo, nem mesmo meus pais.
___ Luiz sabe...
___ Não, nem se ele deixasse eu dizer eu não me arriscaria.
___ Porque?
___ Ele vai achar que o filho não é dele e depois de tudo...
___ Você acha que a imprensa não vai descobrir isso? A situação vai ficar muito pior e aí sim é que Luiz terá motivos para nunca mais te perdoar e nem se quer olhar para sua cara.
___ Você tem razão, mas não sei o que fazer. Estou pressionada com a historia de separação, as idas no julgamento, enfim, imagina meu desespero?
___ Não faça isso, é tudo o que lhe digo – implorou a amiga de Analice tendo verdadeira compaixão por aquele ser que deveria vir ao mundo e além do mais, não tinha nada a ver com aquela bagunça toda de separação.
___ Não sei, meu problema é ter coragem – desconversou Analice duvidosa e cheia de receios.
___ Independente de separação ou qualquer outra coisa no mundo, você tem um ser vivo se formando dentro do seu ventre, alguém que Deus está enviando ao mundo e que tem todo o direito de nascer, entende isso?
___ Mas se for para viver sofrendo como a mãe é preferível nem nascer. Imagina como minha vida vai ser? Um filho que será sempre acusado por uma historia falsa de traição?
___ Aposto que Luiz vai se abalar quando souber desse filho, ele te ama e tudo o que mais sonhava era uma família, uma casa com choro de bebe e mais tarde crianças correndo, pulando e brincando. Lembra quando, naquele dia, ele disse que não via a hora de dois olhinhos meigos e inocentes olharem para ele e um pequeno lábio pronunciar papai?
___ Sim, mas não imaginava a situação presente, esse problema em que tudo virou de ponta cabeça. E também, não quero ter um filho nove meses na barriga para depois ele ir na justiça e cheio de poder e dinheiro ficar com a guarda da criança. Isso depois de fazer os exames, porque da maneira como ele duvida da minha honestidade – comentou Analice numa careta de inconformismo. - Não, prefiro cortar o mau pela raiz.
___ Um filho não pode ser um mau, entenda isso.
___ É, vou pensar direito. Não queria optar pelo aborto, sei que não é a melhor decisão, mas minha cabeça não me indica nenhuma outra melhor.
___ Conte para Luiz, ele tem direito de saber desse filho e seria injusto se você tomasse essa decisão...
___ Não, de maneira nenhuma vou contar a ele, principalmente se decidir fazer o aborto.
___ Pois então eu conto – desafiou-lhe a amiga.
___ Nem pense nisso – retrucou Analice de imediato.
___ Pois você escolhe e acho melhor ele ficar sabendo por você.
___ Se contar a ele nossa amizade termina por aqui.
___ Faço isso para o seu bem e prefiro o fim da nossa amizade a um crime tão baixo como é o aborto. Pense bem, são marido e mulher, se amam, estão passando por uma crise que é tudo culpa dos repórteres e fotógrafos como você mesmo não se cansa de dizer, porque agir dessa forma? Só porque ele insiste em se separar?
___ Porque ele não confiou em mim?
___ Coloque-se no lugar dele, não deve ser fácil.
___ Ele vive beijando outras mulheres nos filmes. Diz que é beijo técnico, profissional e não sei o que. Não dá, o maior erro da minha vida foi ter me envolvido com ele, me arrependo de...
___ Nunca mais viu o Tiago?
___ Não. Justo quando tudo estava tão bem no meu casamento...
___ Mas as coisas vão se resolver, tenha fé, você está com sua consciência tranqüila e não deve ficar pensando nessas bobeiras de abortar essa criança, até porque ela poderá unir esse amor rompido.
___ Espero que tenha razão. Conheço casais que assim que se encontram percebem que nasceram um pelo outro, namoram felizes por mais ou menos um ano e então se casam. A minha historia de romance com Luiz foi quase assim. Lembro dele com os braços cruzados sobre o joelho dobrado e um pé apoiado na cadeira, me olhando fixamente com um brilho especial nos olhos, exatamente me pedindo em casamento. Foi uma atitude inesperada mas posso dizer que esperava sim por isso. Nosso namoro foi um período intenso e me julgava pronta para assumir qualquer compromisso mais serio, ou seja, nem pensava muito em Tiago. Na verdade não sabia que quando o visse novamente meu coração se partiria e ficaria tão confusa como aconteceu. Nunca pensara seriamente no que o casamento causaria diante do meu namoro não acabado com Tiago. Podia dizer estar loucamente apaixonada por Luiz e ao mesmo tempo conservava uma combinação de amores que me mantinham ligada a Tiago.
___ Veja só, eu sozinha há tanto tempo e você nessa confusão de amores tendo dois aos seus pés, se arrastando de paixão por você. O que você tem que eu não tenho? – brincou a amiga num comentário eufórico.
___ Pois é, me explica se souber porque eu não sei o que esses homens viram em mim.
___ Você é bonita, mas nem tanto. Ainda mais ao referir-me de Luiz que poderia escolher qualquer modelo, atriz, ou sei lá o que.
___ Mas sabemos que a beleza não garante felicidade de ninguém, muito menos mantém um casamento.
___ Mas se é o amor que une as pessoas e os casais principalmente, vocês não podem se separar.
Enquanto isso, Luiz mantinha-se serio e reservado em seu escritório. Apoiando o queixo sobre a mão direita fechada, rodava a caneta entre os dedos da outra mão com os pensamentos distantes e centralizados apenas no obvio: Analice. Num sobressalto ele olhou para a estante e de frente se deu com a foto de sua amada. Levantou desanimado e largando a caneta sobre a mesa esticou o braço para pegar o porta-retrato. Naquela foto, tirada pouco depois do casamento, Analice apoiava no auto da cabeça os seus óculos de sol com aro de metal. Seus cabelos volumosos pelo vento que lês levantavam realçava um conjunto harmônico de expressões em seu rosto. Luiz analisava aquela fotografia ainda estando distraído em seu completo silêncio. Durante aqueles últimos dias, sua insegurança diante da separação estivera maior e isso aumentava seu pessimismo.
Aproximando novamente da mesa e se sentando na mesma posição de antes, Luiz passou os dedos sobre a fotografia. Se sua cabeça dizia para rasgar aquela foto e joga-la no lixo, seu coração derramava lágrimas que iniciavam a sair por seus olhos. Estava se achando corajoso de mais para ter tomado aquela própria resolução sem ficar dividido pela opinião de qualquer outra pessoa, embora no fundo soubesse que precisava se desabafar e escutar um comentário alheio que lhe fosse sincero.
Levantando-se novamente, ele colocou o retrato onde estava e respirando fundo empurrou a cadeira para debaixo da mesa. Ao chegar na porta que dava acesso a sala, encostou-se na parede e disse a si mesmo: “Vou fazer de conta que nunca conheci aquela peste da qual tanto amo e tentarei começar minha vida nova de agora em diante, sem me martirizar por talvez estar tomando a decisão errada”.
As fofocas espalhadas pelas revistas diziam muitos absurdos sobre o caso e Luiz mesmo sabendo que poderiam ser mentiras, não tinha como provar do contrario. Ele não estava sendo intensamente ele pois a cada dia era levado pelos boatos e se enchia de duvidas.
Para Analice estava claro que toda a grande confusão existia porque entre os homens, principalmente os mais sucedidos, havia uma cobrança dos outros a respeito do modo de ser, de agir, de viver e pensar. Para ela, aqueles jornalistas faziam o papel de críticos, os donos da verdade, os manipuladores que não se importam com a felicidade de ninguém. Como ela mesmo dizia, a sociedade permanece viva porque cada indivíduo existe e quando alguns deles perversamente se unem, cedem parte de liberdade ao todo que tenta esmagar os outros agindo de modo inesperado. Todos buscam pela liberdade mas ninguém é livre por ter de obedecer às regras impostas na sociedade. E se falando de pessoas famosas, o preço pela liberdade ainda é muito mais caro.
Quando ela saia de casa e não era atormentada pela multidão de repórteres num acervo de perguntas, tinha de suportar a estranha sensação de que todos a olhavam com desconfiança. O mundo pouco estava se importando para os reais sentimentos que a sufocavam naquele abalo emocional pelo qual ela estava tento de enfrentar duramente.
Ainda conversando com sua amiga, Analice relatava tudo que lhe vinha em mente:
___ Me casei com Luiz decidida a enfrentar uma vida junta a ele e esquecer-me de Tiago o que a principio não aconteceu. Depois que ele retornou e o vi na minha frente, abatido, surpreso, chateado comigo e querendo uma explicação convincente, não sabe quão grande foi minha dor. Ao mesmo tempo, Luiz passara a tomar conta de mim com muito carinho e respeito, sempre no intuito de me fazer feliz. A casa ficou pronta muito rapidamente e de acordo com nossos gostos a decoramos e mobiliamos. Ele contratou um excelente jardineiro e fora o fato de não termos tido nenhuma relação sexual, mesmo depois de casados, tudo parecia estar dando certo. As viagens dele para o exterior foram poucas depois disso e continuei apenas nos meus estudos sem haver necessidade de procurar por um emprego, mesmo tendo tido vontade certas vezes. Posso dizer que tudo parecia um sonho muito exótico do qual estava realmente vivendo. Algo que estava previsto para se passar e marcado para acontecer em meu destino. Mesmo preocupada e confusa, eu estava satisfeita e tendo consciência de que ainda não terminei os estudos, que sou muito jovem e nova, esperava como a maioria das mulheres, que nossos desafios viessem sob a forma de um filho para mudar minha vida. Agora que estou grávida, não sei o que fazer.
___ Pois para tudo se dá um jeito.
___ Como você sabe, antes desse filho, aconteceu algo diferente e inesperado. Luiz foi seqüestrado e creio ter sido nesse período que percebi o quanto o amava. Vi perfeitamente que meus sentimentos por ele eram mais fortes do que para qualquer outro homem e só de pensar nele meu coração acelerava. Sofri muito imaginando o pior. Você sabe como nessas horas pensamos apenas negativo. Algo horrível acabara de me acontecer e muito tensa procurava ter fé de que tudo acabaria bem. Meu nervosismo não ajudava em nada e minha tensão era absurda quando via os noticiários na televisão ou os repórteres que rondavam minha casa. Ultimamente ele anda retrospectivo, mais silencioso do que o habitual. Sinto falta dos abraços e caricias dele. Tudo o que ando fazendo é mecanicamente pois estou entorpecida desde a decisão definitiva e comprovada dessa separação. Nada me serve de consolo e não vejo a possibilidade de reconciliação. Estou em meio a um terrível pânico do qual não sei mais controlar minhas atitudes. Não agüento mais me sentir rejeitada com palavras de ódio e rancor.
___ Ele vai reconsiderar pois a ama.
___ Por isso mesmo, ele acha que traí a confiança dele. Não escuta nem uma palavra que possa ser pronunciada da minha boca. Só recebo ofensas e insultos quando tento falar com ele. Diga-me, o que fazer?
___ Converse com ele mesmo assim. Não desista. Se a situação já está embarrancada e caiu penhasco abaixo, do chão ela não passará e pior creio que não vai ficar. Estou certa ou não?
___ Parece que sim, pelo menos espero firmemente que sim. Torça por mim minha amiga e deixa que eu mesma vá conversar com ele. Não sei quando, mas darei um jeito. O que acontecerá, só saberemos depois.
___ Sabe o que faz? Tenho uma idéia.
___ Diga.
___ Ele escolhe entre a separação ou o filho. Se resolver que quer se separar, significa que estará livre para ter a guarda do filho e até mesmo aborta-lo e tenho certeza... Luiz não se separará de você.
___ Isso é chantagem e não acho certo.
___ Mas é uma tática imbatível. Você quer continuar casada ou não?
___ Claro que quero, justo agora que descobri amar Luiz de verdade como nunca imaginava poder me entregar tão fortemente a um sentimento. Além do mais, também sonho com uma família e uma casa cheia de crianças. É a felicidade que qualquer casal deseja.
___ Pois então. Luiz a ama e sabemos que ele está sofrendo tanto quanto você. Ele fica com aquela cara séria e dura por ser homem e ter de manter as aparências como se fosse feito de ferro.
___ Esta bem – suspirou Analice. – Vou conversar com ele – sorriu ela decidida.
___ Muita sorte – sorriu sua amiga num gesto de quem deseja tudo o de melhor.
___ Vou precisar mesmo.
___ Então vá logo pois tenho certeza que de hoje, desse justo e bendito momento, a situação não fica mais como está. É tudo ou nada e deixe claro para ele que isso, por mais que se pareça com uma chantagem, se trata apenas de amor.
___ Obrigada pelos conselhos.
___ Quando eu precisar de alguns também, sei que saberá me retribuir – sorriu carinhosamente sua amiga.
___ E com muito prazer – respondeu Analice findando aquela conversa que teria muito proveito para as próximas atitudes a serem tomadas.

Analice retornou para casa e encontrou-a vazia. Já não suportava os repórteres invadindo a sua privacidade na universidade ou quando saia de casa. Tudo lhe parecia um amontoado de trevas naquele período e o desespero a consumia por dentro em grande escala.
Luiz não mais lhe buscava na universidade como antes e quando o motorista particular não o fazia, ela tinha de retornar de ônibus como antigo costume. Seus privilégios estavam ficando cada vez mais ameaçados e tão pouco ela se ligava com isso. Nenhuma mordomia iria consolar o sofrimento que se passava a arrastando para um vale de lágrimas.
Não vou me acovardar, tenho de dar fim nessa angustia e dizer-lhe dessa gravidez. Pensava Analice se remoendo.
O sol penetrava indiscreto pela fresta da janela aberta e atravessava a cortina de veneziana. O dia bonito não tinha sua aparência de beleza para Analice. Embora mantivesse firme ultimamente, sabia que se continuasse muito tempo naquele sentimento de expectativa, ali sozinha, acabaria por dar vazão ao pranto que há muitos dias não fluía livre e forte como antes. Seu peito estava deprimido e nele o coração machucado espalhava em si uma grande tristeza.
Quando Luiz adentrou pela porta, ela o olhou e sentiu um choque perpassar por todo seu corpo fazendo se arrepiar toda. Luiz passou por ela como se não houvesse visto-a, mas ela sabia que algo no ambiente fizera o coração dele pulsar mais forte também.
___ Tenho algo a lhe dizer, é muito sério.
___ Não tenho nada a ouvir de você e apenas desejo que assine aquela porcaria de papel, já estou cansado de você.
___ Então, imagino que...
Luiz entrou no quarto e fechando a porta não lhe deu ouvidos. Analice moveu a cabeça procurando uma alternativa pois sabia que ir atrás dele não adiantaria. Após pensar, retirou uma folha de papel da impressora na sala e buscando por uma caneta encontrou uma em sua bolsa. Com cuidado para sua letra não sair tremula, caprichou no recado que deixaria, na única esperança de que no mínimo ele lesse.
Sei que minha presença lhe é insuportável e por isso tenho ficado o menos possível em casa, principalmente quando você retorna da rua. Compreendo suas magoas e estaria na mesma situação caso fosse ao inverso. Não nego que errei e sabe disso, também não quero me lastimar e já cansei de rogar por seu perdão.
Não quero forçá-lo a nada e portanto estou tomando minhas decisões todas sozinha, mas existe uma que não posso ficar calada, por mais que às vezes queira. ESTOU GRAVIDA! E esta é a minha ultima tentativa de lhe falar, caso não me escute, nem que seja pela ultima vez, então, esqueça não só a mim, mas ao filho seu que carrego comigo. Não me restarão alternativas a não ser um aborto. E não ligarei se isso escandalizar ainda mais sua vida já que prefere acreditar nas idiotices que qualquer um coloca num artigo de jornal do que em mim que ainda sou sua esposa.
Acredite ou não, sei o quanto lhe amo. Não foi fácil para mim, mas aprendi compreender meus próprios sentimentos e deixei as pessoas que mais me amavam nesse mundo para ficar apenas contigo. Não julgo injusto o que me fazes, mas estou tão magoada quanto você, ou até um pouco mais, pois sei da minha fidelidade. Se essas palavras não lhe bastam para provar minha inocência nessa historia absurda de adultério, não mais lhe importunarei e inconformada serei obrigada a lhe dizer adeus. Você perderá não só alguém a quem ensinou o que é o amor cativando um coração, como também a um filho maravilhoso que tem todo o direito de nascer e ter uma família feliz vivendo em harmonia. Percebi que não está usando mais a aliança, fico triste e sinto em lhe contrariar, mas a minha não retirarei jamais do dedo.
Vivi maravilhas ao seu lado e me amadureci para a vida. Essa fase irá passar e bem ou mal continuaremos seguindo nosso trajeto vida afora, juntos ou não. Sinto por tudo, mas não me resta fazer mais nada.
Lembro-me como se fosse hoje do período mais feliz da minha vida que se iniciou quando o conheci naquela sorveteria, mesmo sem saber ou me dar conta de que aquele era um momento tão especial. Eu tinha um envolvimento com outra pessoa, mas não era a essa outra pessoa, que você sabe se tratar do homem que apareceu na foto dos jornais, a quem meu coração estava destinado, mas sim a você, o único amor da minha vida e o grande homem que o destino marcava para cruzar em meu caminho. Passei por preocupações, sofrimentos e agonias enormes na minha indecisão, na minha inexperiência e na confusão que guardava reprimida dentro de mim. Tinha medo de que acontecesse exatamente o que aconteceu e suportar a dor de perde-lo é pior do que a própria morte...
As lágrimas na face de Analice começaram a escorrer sem dó ou piedade externando seus sofrimento interiores.
Deixando o papel sobre a mesa da cozinha, Analice saiu e ainda chorando percorria as ruas vagas da cidade. Por sorte os fotógrafos ou jornalistas pareciam estar dando um tempo dos dois a próprio pedido de Luiz.
Saindo do quarto, Luiz observou o silêncio da casa vazia e contemplou com tristeza a solidão daquele momento. Analice logo retornaria e quando o fizesse, esperava que Luiz soubesse de tudo.
Tendo sua atenção chamada pela folha de papel rabiscada sobre a mesa, ele a tomou em suas mãos e estando mais calmo iniciou a leitura, mesmo sem vontade de ler o que estava escrito.
...O nosso caso romântico de amor permanecerá em nossas vidas e corações...
As gotas de lágrimas amargas escorriam de uma a uma pela face de Luiz que percorria os olhos esquecendo-se do mundo naquele momento.
...Não sei como será nossas vidas de agora para frente e não posso garantir que terei coragem para matar essa criança que permanece tão inocente no meu ventre, dentro do meu próprio corpo. Abortando-a estarei cometendo um crime e acabando com todas as esperanças e sonhos de uma mulher que deseja desde criança a constituir sua própria família e ser feliz ao lado do amor de sua vida. Sei que, em outras condições, tu serias o melhor pai do mundo a qualquer criança...
Luiz não pode deixar de sentir um baque profundo ao ler aquilo e se jogou na cadeira como se suas forças houvessem perdido o comando do corpo.
...Sei que morreria pelo nosso amor e também o faria, mas não sei o que está acontecendo, não deixarei que essa separação ocorra, custe-me o que custar, prometo que retornará a ser meu. Reconquistar-te-ei se é o que queres e se não conseguir permanecer casada, não sei se conseguirei te deixar em paz. Lembra das juras de amor que me fez? É você quem está sendo infiel e portanto não está honrando com sua palavra, pois eu sei muito bem, como já escrevi antes, do quanto sempre lhe fui leal e continuarei sendo enquanto perdurar os sentimentos do meu coração. Tenho algo a lhe dizer além de tudo o que já lhe disse por essa meia folha escrita. Mais do que a qualquer homem eu sou fiel ao meu coração e se me recusava a ter um relacionamento mais profundo contigo, mesmo depois de casada, é porque meu coração estava confuso e meus sentidos não sabiam discernir o que desejava, ou a quem meu amor deveria pertencer. Quando descobri que era você, aí sim, me entreguei de corpo e alma a nossa paixão e não me arrependi. Desse modo, minha escolha estava feita e não haveria motivos para ter um caso as escondidas com nenhum outro homem. Nunca passou pela minha cabeça ficar com dois homens ao mesmo tempo e creia que se não o amasse, teria me separado de você há muito tempo atrás. Reflita sobre tudo isso que escrevi e sobretudo, saiba que continuo amando-o com todas as minhas forças, se é que ainda tenho alguma. Vou dar umas voltas e logo retornarei, se quiser, poderemos conversar cara a cara, como pessoas civilizadas.
Luiz recolocou o papel sobre a mesa sem saber o que pensar. Enxugou o rosto com a mão e levantando-se para olhar sua aparência no espelho resolveu lavar o rosto antes que Analice retornasse. Qualquer um, até ele próprio, podia notar o abatimento que se formara deixando-o ainda mais pálido depois de ler aquele recado escrito por aquela que ainda era sua esposa. De fato, aquele amor era verdadeiro e mesmo que Analice a princípio quisera fugir, agora sabia que não conseguiria se desvincular dele. Além do mais, ele não podia ser interrompido de uma maneira tão trágica e cruel.
Temerosa, Analice girou a maçaneta da porta e antes de entrar deu de cara com Luiz sentado no sofá da sala. Esperando que ele dissesse algo, ela fechou a porta atrás de si e continuou olhando para ele. Estava presente no semblante masculino dele que acabara de ler palavra por palavra do que ela lhe escrevera.
___ Oi – saudou ela com um sorrisinho murcho de quem espera a reação de outrem.
___ Li a baboseira que anotou naquele papel sobre a mesa da cozinha. Você não me comove nem um pouquinho, sabia? – mentiu ele.
___ Não tenho a intenção de lhe enternecer, mas de qualquer forma queria que soubesse...
___ Sim, já sei, não precisa repetir – interrompeu ele.
___ Nunca pensei que um dia fosse gritar tanto comigo e me tratar...
___ Estou tratando-a como merece, alias sempre fui um estúpido em lhe ceder meu amor e tratar-lhe como gente.
___ Não sabe o quanto esta sendo injusto.
Luiz engoliu uma saliva amarga. E se estivesse mesmo? De todo jeito não queria deixar com que duvidas mudassem seu comportamento diante das ultimas descobertas. Não pretendia voltar atrás e sua decisão já tomada permaneceria, queria se separar de Analice.
___ Posso lhe explicar melhor o que escrevi?
Analice não sabia muito bem que reação esperar, mas a que veio excedeu seus maiores desesperos dando fim a suas mais fantásticas esperanças.
___ Não precisa, já entendi tudo e não tenho nenhuma duvida do que aconteceu. Pensa que sou bobo? Logicamente não quer se separar de mim pois assim perderá todo o conforto que lhe proporcionei durante esse tempo.
___ Não me importo com conforto ou dinheiro e sabe disso. A única coisa em que penso é no nosso amor e nessa...
___ Acha que sou idiota? Tudo se encaixa perfeitamente. Veio para cima de mim dizendo que estava apaixonada e que me amava só para justificar e me empurrar um filho que não é meu. Foi por isso que se entregou a mim, não foi? Percebeu que estava grávida e teve de agir rápido, antes que a barriga começasse a crescer, não? Ainda vai tentar me enganar mais? Não vê que piora sua situação? Não caio nas tuas lábias. Recuso a escutar sua voz e espero unicamente que assine aquela porcaria de papel, deixo esse apartamento para você e quero que me deixe em paz. Se quiser fazer um aborto, que faça, assim nunca terá como evidenciar que essa criança é minha e estará apenas comprovando os fatos de que é uma descarada, mentirosa, falsa e traidora.
___ Pois bem, eu tenho minha consciência tranqüila. Quanto aos papeis, irei pensar e pode ficar tranqüilo que não quererei nem um centavo seu. Sou-lhe grata pela dívida que pagou e pela felicidade que me deu nos últimos dias quando...
Analice respirou fundo e sentindo as palavras atropelarem pela garganta num tom tremulo cortou-as no meio da frase.
___ Foi o primeiro, mas não será o ultimo e saiba, se tem alguém que sairá perdendo nesse rolo todo, esse alguém será você.
Analice o olhou entre um misto de profunda melancolia e raiva. Não queria chorar, mas sabia que não conseguiria segurar as lágrimas por muito tempo e talvez até fosse melhor desabafar-se num pranto sofrido junto aos travesseiros, quieta e abandonada em seu canto. Retirando-se em passos largos, quase correndo, se trancou no quarto de visitas onde ultimamente estava sendo seu refugio das terríveis noites que se confundiam com verdadeiros pesadelos.
Não sei se um dia te perdoarei. Lamentou-se ela sentindo o mundo desabar sobre sua cabeça, lhe espremendo e esconjurando-a como uma formiga debaixo de uma pisada devastadora da pata de um elefante.
Ao certo ela não sabia o que fazer e seria incapaz de planejar qualquer vingança, pois mesmo inocente naquela confusão, tinha sua grande parte de culpa e sabia perfeitamente disto.
Analice não agüentava mais aquele estado excessivamente triste e solitário. Suas amigas da universidade a consolavam dizendo que quando um homem ama uma mulher ele acaba se amolecendo, principalmente quando ainda vivem sobre o mesmo teto, mas isso não estava acontecendo e mais duro e frio que uma pedra, Luiz a tratava com desprezo e cada vez mais ela se sentia rejeitada e humilhada. Permanecia com suas desconfianças imaginando coisas que lhe atordoavam e lhe deixavam amedrontada mais do que o comum. Sua imaginação estava opressiva e retraída. Sentia que queria desaparecer, sumir do mundo e nunca mais retornar a ver Luiz. De forma hostil, não suportaria a companhia de ninguém naquele momento. Julgava-se estar enfeitiçada e encontrava aí a única explicação para todos os desgostos de sua existência.
Luiz foi para a varanda e parou olhando sem rumo para um ponto fixo. Estava atordoado e com as pernas bambas, o coração parecia querer sair pela boca fora. Não se atrevia a ir atrás de Analice, mas algo interior lhe enchia de remorsos por ter-la tratado tão grosseiramente. Começou a andar de um lado para outro temendo que pudesse estar errado. Ele estava irritado demais para perceber toda a verdade e principalmente para admitir que Analice nunca fora mau esposa. Dispersou-se olhando para o jardim dos fundos, mas nenhuma planta lhe daria a sensação de derramar balsamo em seu interior e era disso o que mais seus sentimentos precisavam, principalmente seu coração.
Se fosse um homem qualquer, com certeza estaria se consumando em uma bebida forte que lhe retirasse da mente tudo o que nela lhe perturbava. Pela primeira vez compreendeu a necessidade de um homem que gasta todo o dinheiro num bar bebendo até desmaiar. Preferindo ficar quieto ali na varanda, para não cometer nenhuma loucura, sentou-se no chão mesmo e cobriu a cabeça com as mãos como uma pessoa vergonhosa que não quer ser vista e se esconde de si mesma.
Tempo depois, Analice saiu do quarto indo à cozinha em busca de algo para comer e a verdade é que não colocara praticamente nada na boca naquele dia. Luiz voltou-se para ela. Analice tinha os olhos no chão e percebendo que ele a olhava, ela ergueu-os devagar e sem querer, ficaram olhando um para o outro. Analice nada diria e Luiz muito menos. Encontravam-se completamente brigado um com o outro, mesmo contra os mínimos sentimentos que lhes sufocavam a alma. Analice recolheu seu olhar. Abrindo a geladeira ela agiu naturalmente e retirando o que queria voltou para o quarto. O clima continuaria péssimo enquanto ela não tivesse uma idéia melhor do que fazer. E esta não tardaria a aparecer.
Durante a madrugada da noite seguinte, Luiz não conseguindo tirar Analice de sua cabeça e sem conseguir controlar seus impulsos, foi vê-la dormir. Com muita cautela e fazendo ponta de pé, abriu a porta e fechando-a com extremo cuidado, adentrou pelo recinto vendo que Analice dormia tranqüila como um anjo.
Luiz sentou-se na beira da cama e observou cada traço daquele rosto que tanto lhe encantava. Sentindo comichões de vontade toca-la, passou a mão superficialmente pelos pés dela e subiu aproximando-se da cabeceira da cama. Lentamente tomando coragem, tocou-lhe a pele macia do rosto ainda mantendo-se cheio de pensamentos confusos em sua mente. Para ele ,aqueles dias dividindo o mesmo teto com uma pessoa que tanto amava e ao mesmo tempo, tendo de manter distância, tinham sido os piores em suas experiências amorosas e assim, não agüentava mais. Suas forças estavam se esgotando e a fragilidade o rompia em atitudes das quais evitava. Sabia que poderia ceder a qualquer momento, mas seu orgulho não queria que isso acontecesse.
Carinhosamente, passou o polegar pelo queixo de Analice contemplando aquela beleza que se destinara aos seus olhares. Antes que ele fizesse menção de retirar sua mão, Analice acordou espantada e num susto Luiz se levantou ficando em pé ao lado da cama. Analice se sentou atordoada com aquele momento inesperado.
___ O que faz aqui? – perguntou ela arisca.
Luiz aproximou-se tornando a sentar na cama de frente para ela. Sem se controlar, seus olhos se encheram de lágrima e num ímpeto de beija-la aproximou-se ainda mais.
___ Não agüento mais, não consigo esquece-la e nem ao menos dou conta de pensar em outra coisa.
Os lábios de Luiz ardentemente tocaram os de Analice num beijo curto.
___ Por favor, me faça acreditar que esse filho é meu e que tudo não passou de um mal entendido. Diga-me qualquer coisa, suplique, esbraveje, me bata, mas não deixe com que essa separação aconteça. Convença-me pois serei o homem mais desgraçado do mundo se me separar de você.
___ O que quer que eu diga, que me apaixonei por você, que espero um filho teu, fruto do nosso amor?
Luiz de olhos fechados já se sentia fora de órbita como se nada mais existisse, apenas ele, Analice e um individuo que estava se formando sem ter tido culpa nenhuma daquela situação. Finalmente abrindo os olhos como se acordasse de um delírio, olhou fundo dentro dos olhos de Analice vendo que as lágrimas desciam não só dos seus como dos dela.
___ Ainda me ama? – perguntou ele.
___ Sim, sempre o amarei.
___ E quando nos casamos, quem você amava?
___ É melhor que não faça pergunta da qual a resposta lhe ofenderá.
___ Não me respondeu.
___ O que sentia por você era diferente e se quer saber da verdade, o sentimento que tive por...
___ Não diga o nome desse infeliz.
___ Sim. O sentimento que tive por ele quando o revi, assim que ele retornou de viagem, foi mais forte do que tudo o que havia sentido por você até então.
Luiz abaixou a cabeça e entristecido sentiu novas lágrimas lhe aflorarem.
___ Porque não me disse que tinha um namorado e que o amava?
___ Porque não queria perde-lo. Inferior ao sentimento que tinha por ele, também gostava muito de você. Só que eram sentimentos diferentes e jamais serão iguais. Mas afirmo que de uma maneira ainda mais especial me apaixonei por você e o fato de que já éramos casados me fez te desejar como nunca desejei a mais ninguém. Você se mostrou ser a melhor pessoa, o melhor partido e marido que poderia ter. Não pelo seu dinheiro como descreve nas revistas, mas pelo seu amor, pelo seu companheirismo, pelas felicidades que me proporcionou, pelas doces lembranças dos momentos em que me conquistou. Passei a sentir prazer pelo seu cheiro, orgulho pelos seus filmes, admiração pela sua maneira de ser, felicidade pela maneira de me tratar e amor pelo jeito como me amava quando buscava receber uma correspondência afetiva que até então não lhe havia dado. Descobri que você era o homem da minha vida, a pessoa pela qual desejava passar o resto dos meus dias, o pai ideal para os meus filhos.
___ Não sei se devo acreditar no que me diz.
___ Não precisa acreditar, agora sou eu quem não lhe quero mais.
Luiz como se acabasse de receber um grande balde de água fria fez cara de dúvida.
___ Nunca perdoarei as suas desconfianças – complementou Analice.
___ Você errou e se minhas desconfianças e julgamentos foram precipitados e errados, estamos apenas quites um com o outro.
___ Engano seu. Você me humilhou muito e meu nome saiu nos jornais como a vagabunda do ano. Li perfeitamente a entrevista que você deu para a revista... – mentia Analice quando foi interrompida.
___ Eu nunca lhe...
___ Não adianta se desculpar. Penso que não temos mais nada para conversar e espero que continue pouco se ligando para o filho pois ele será só meu e sumirei assim que ele nascer – concluiu Analice querendo dominar a situação e ter o poder de mostrar a Luiz o quanto era difícil se explicar e tentar uma reconciliação com alguém que te vira o rosto e não dá a mínima para os sentimentos, assim como ele fizera com ela. – Me deixe dormir agora, sim?
Se ele pensa que pode me tratar de qualquer maneira e depois as coisas voltarão ao normal assim, sem mais nem menos, ele está muito enganado. Do mesmo modo que ele, os meus sentimentos não vão derrotar os meus princípios.
Luiz saiu do quarto sem entender absolutamente nada e ainda mais entediado passou o resto da noite acordado vagando do corredor para a sala de jantar. O jogo mudara de faceta e Luiz só pode ficar mais sossegado ao tomar uma decisão: iria retirar toda a historia comentada até então e mostrar o caso de outra forma, acreditando na inocência e fidelidade de sua esposa. No dia seguinte, convocaria a imprensa para dizer que sua esposa havia sido vitima não só de seus ciúmes como da artimanha de algum fotografo que fizera uma montagem na suposta foto e que portanto, estaria entrando na justiça numa causa de danos morais contra todas as revistas e jornais que até então houvessem publicado artigos indevidos e mentirosos sobre Analice e os fatos ocorridos desde então. Suspenderia o processo de separação litigiosa o mais rápido possível e só então, depois, retornaria a conversar com Analice.
A reconciliação entre os dois ainda daria muita narração.