“Olá! Obrigada por ter me dado os parabéns, mas embora tenha consciência do meu esforço e do meu crescimento, ainda me falta muito, pois em verdade sou fadada a encarar a minha pequenez diante da vida que é tão maravilhosa, mas que pode ser arrasadora se não soubermos lidar com ela. Em alguns momentos é difícil confiar nessa vida que nos impressiona, nos molda e nos dobra na busca de nos fazer aprender as lições imprescindíveis. A mutação tem seu lado positivo, mas doloroso também. Precisamos ser realistas sem termos preocupações além do necessário, precisamos ter sonhos sem termos ilusões desnecessárias... e isso não é fácil ou simples. Gosto muito de uma música chamada A vida que a gente leva, composta por Fátima Guedes em 1979. Não sei se já escutou a letra dela que diz um pouco da minha postura perante a vida: “Não tenho medo de nada; porque vivo minha vida; como quem sorve uma taça; de preciosa bebida; saboreio lentamente; cada hora, cada dia; nas coisas que tão somente; fazem a minha alegria. Eu te dou um forte abraço; eu canto; eu digo um agrado; tudo pra ver teu sorriso; o teu sorriso é sagrado; e, às vezes, apenas isto; é luz que dissipa a treva. A gente leva da vida, amor; a vida que a gente leva”.
Por momentos tudo o que eu vivo é a arte de sorrir e contagiar a todos com meu ar sereno de viver, mesmo que ninguém consiga crer que essa serenidade possa ser usufruída com naturalidade, sem problemas, sem os preconceitos originados pela vaidade ou pelo orgulho que busca muito além de uma vida apenas e puramente serena, simples e tranqüila. Eu sinto que a vida não é para ser enfrentada, mas unicamente vivida, experimentada, escolhida. Essa dinâmica não é de paz constante, mas de superação, porém uma superação que é natural, por mais forçada e obrigatória que possa parecer. A justiça e bondade das leis divinas não atropela as nossas capacidades, mas nos favorece a desenvolvê-las. É preciso acreditar nisso com todas as forças da alma, pois se não for possível crer nesse detalhe, não há fé que fique inabalável. Entretanto, isso não tira de mim ou de qualquer ser humano a responsabilidade de pagar o preço pela vivencia amena, a qual é opção de escolha daqueles que a desejam ter, como no meu caso. É como se não comportasse pessoas desse padrão de personalidade num mundo como a Terra. Eu confesso que me sinto deslocada de tudo, por vezes completamente desambientada. Eu me sinto incompatível com as pessoas e vivo deslocada da engrenagem que move o mundo. O preço de estar escolhendo ser assim e viver dessa forma ainda não me foi jogado na cara, mas um dia ele me será cobrado, seja de forma mansa ou violenta e traiçoeira. Durante a vida toda pagamos o preço das nossas crenças e mesmo julgando que estamos certos em nossas convicções, a verdade é que cada um tem as suas verdade e, pensando assim, não existe uma verdade absoluta e sim milhares de verdades diferentes. No final das contas estamos todos sendo obrigados a viver de tentativa e de escolhas. Tentamos acertar e escolhemos o que pensamos ser o mais certo, mas sempre corremos o grande risco de deparar com o pior que não deixa de ser o melhor que precisamos para superar o que até então era insuperável, para aprender o que até então desconhecíamos na profundidade, para nos fortalecer em nossos pontos fracos.
Mesmo que eu de nada lembre, ou quando por ventura lembro alguma coisa, meu inconsciente só mostra imagens inteiras, completas, com começo, meio e fim. Não há como fugir de suas projeções claras, coloridas, sentidas em todos os níveis de sentidos, desde os mais necessários até os mais desenvolvidos. Ele atua sobre meu crescimento, me informa o que devo mudar, me coloca frente às situações mais terríveis e ameaçadoras para que eu consiga desenvolver capacidades novas perante tensões supremas. Ele também é compensatório e regenerante para que eu não sofra danos psíquicos. A nossa máquina humana chamada corpo é muito mais sábia do que por vezes pressupomos, assim como nosso crescimento e amadurecimento é muito mais gradual e real do que concebemos ou percebemos. Somos cobrados o tempo todo, pela dinâmica da vida, a enfrentar a nós mesmos, ao que nos corrompe, nos bloqueia, nos atormenta, nos amedronta. Somos cobrados o tempo todo, por nós mesmos, a buscar o que nos liberta, nos expande, nos supera, nos faz evoluir. Somos destinados a amadurecer e a sermos plenos conosco mesmos. A vida nos dá prazer, alegria, paz e felicidade, mas também nos deixa suscetíveis à fome, ao frio, a doença, ao confronto, ao perigo, a ameaça, ao julgamento, a crítica, a seca, a destruição, as catástrofes, a agonia, ao desespero, a preocupação, a morte, etc. É preciso aproveitar o que a vida dá se preparando para as suscetibilidades que surgem no nosso caminho de forma enigmática e repentina. Nos fortalecemos quando nos dispomos com coragem a sofrer até a ultima das piores suscetibilidades da vida. E creia que ninguém escapa disso, pois precisamos desenvolver nossa força interior. Quem melhor enfrenta, melhor ressurge das cinzas.
Eu tenho os meus medos, mas estou fazendo de tudo para não ser abalada por eles, para sentir que eles nunca serão maiores do que eu se eu estiver disposta a dominá-los. Tenho medo da instabilidade do futuro, tenho medo da incerteza do que poderei viver, tenho medo da fome, do relento frio, do abandono, dos julgamentos impiedosos, da descrença, da sofreguidão, de cometer ingratidão, e sobretudo, tenho supremo medo da perda da proteção e do conforto materno. Mas eu sinto que não é momento para temer nada disso. Não há porque temer antecipadamente. Na hora em que eu tiver de enfrentar cada uma dessas situações, a vida já terá me dado o preparo, a força, a desenvoltura e o conhecimento necessário para superar e seguir adiante. Eu nunca vou estar sozinha ou desamparada, mesmo que não tenha ninguém do meu lado. Eu nunca vou ter de suportar um fardo mais pesado do que a capacidade dos meus ombros de carregá-lo. A vida não é impiedosa nem mesmo com os mais teimosos. É preciso reparar os erros, é obrigatório colher o que plantamos, é imprescindível aprender com as lágrimas. Quando penso nos meus medos me dá vontade de chorar até perder todas as forças e muitas vezes no passado fiz isso. Hoje estou aprendendo que os meus medos existem não para me castigar numa tortura infinita, mas sim para me conceber força e capacidades novas de enfrentamento e de superação. Não devo tentar eliminar os medos como tanto já supus, mas sim angariar coragem para estar preparada diante o torvelinho das minhas próprias imprevisões. A vida é imprevisível e, exatamente por isso, eu devo ser minuciosa e precisa em minhas prevenções. Eu continuo temerosa, mas estou me preparando para o que é irreversível, drástico e fatídico. Essa preparação não consiste em mover céus e terras ao meu redor, mas sim em mover forças e capacidades dentro de mim. Por momento acho que escrevi até demais. Um grande abraço, boas reflexões e até breve”.
(E-mail enviado para uma amiga)