Já que comecei com essa conversa, vou escrever as milhares de reflexões que estão surgindo em minha mente. Durante boa parte da vida, até por volta dos vinte anos de idade, eu reafirmava o autoconceito negativo que colhia tanto do preconceito vivido dentro de casa, quanto das chacotas vividas na escola. Sempre me coloquei como vítima não no sentido de colocar o outro como culpado ou malvado, mas sim no sentido de me ver como a coitadinha. Se as pessoas que são referência na minha vida me viam como uma incapaz, com o passar do tempo eu incorporei-me de incapacidade perante a vida. O conceito alheio reafirmava meu próprio conceito, pois eu não tinha um autoconceito de mim mesma. Ocorria um boicote chamado auto-vitimização. Eu sempre incorporava as críticas como se fosse uma esponja. Uma vez que não conseguia corresponder as expectativas familiares e nem ser tanto quanto minha irmã, eu me sentia não merecedora do amor alheio e, consequentemente, me sentia mal-amada. Por outro lado, quando sentia ser bem amada, imediatamente me sentia culpada, ficava decepcionada comigo mesma. A Carla idealizada em verdade era uma idealização de toda a família. A vontade de ser o centro das atenções é algo egoico e insaciável, mas a necessidade de se sentir amado é natural no ser humano, e não obstante é uma necessidade que precisa ser suprida. Trocando a idealização (e por trás dela as máscaras sociais) pela aceitação integral de mim mesma, deixei o ego de lado e passei a valorizar o que sou, o meu eu interior (self). Mas o que fazer se o meio familiar deseja de mim o eu idealizado?
Amar significa gostar de alguém do jeito como ele é. Se desejam de mim o eu idealizado, automaticamente não sou amada. Desfazendo a projeção, isso quer dizer que me falta amor-próprio? Surge um “amor” baseado em compaixão, em piedade. Esse é um amor que dói e muito. Se em primeiro lugar sou vítima de mim mesma, isso quer dizer que me amo porque tenho pena de não conseguir ser o que eu idealizei a vida toda? Esse “amor” diminui o ser amado, o faz se sentir inútil. É doloroso saber que o outro está comigo não por amor verdadeiro, mas por dó. É assim que estou comigo mesma? O amor verdadeiro não apenas aceita o outro como ele é, mas também o valoriza de modo integral. Então, como me auto-valorizar integralmente? Resposta: me auto-admirando. O amor verdadeiro contempla as qualidade e suporta com facilidade os defeitos. Nisso tudo cabe uma observação para o meu caso pessoal: senso de auto-valorização e amor próprio não está associado a vaidade, a luxo ou a contemplação e satisfação dos caprichos. O fato de não ser vaidosa e esbanjatória não é por julgar-me não merecedora disso, mas unicamente por gostar de ser simples e econômica. Ser simplória no meu caso, segundo minha opinião, não é sinônimo de baixa-estima, mas unicamente de preferência. Se existe baixa-estima é por eu não ser uma pessoa comunicativa (eu idealizado), que tem como consequência não a simplicidade, mas sim a fuga dos relacionamentos sociais. Não sou comunicativa por ser introvertida e reservada ou sou introvertida e reservada por não ser comunicativa? Qual a origem desse processo de ser?
As pessoas que fingiram sentir amor verdadeiro por mim tinham um objetivo cruel: me usar, usufruir-se de mim e sair na vantagem (ao menos é a percepção que tive). E não seria isso um reflexo do que eu faço com os outros? Como convencer os outros de que uma pessoa introvertida e reservada merece ser amada (isso implica no mínimo ser aceita e respeitada; e no máximo ser admirada e desejada) se não consigo convencer a mim mesma? Então o dilema é me convencer de que posso ser não apenas aceita e respeitada (algo fácil), mas também admirada e desejada (algo difícil) enquanto sendo exatamente o que sou. Até que ponto consigo verdadeiramente me amar, ou seja, admirar e desejar mais o meu eu verdadeiro do que o meu eu idealizado? Hoje eu continuo tendo consciência de que não sou (e talvez nunca seja) meu eu idealizado e perfeito, mas nem por isso eu me desprestigio como fazia antes. Sem dúvida já é um avanço. Hoje não me melindro com o que não sou. Porém, também há nisso um retrocesso ou processo negativo: antes de receber o desprezo alheio, eu aprendi a me defender sentimentalmente desprezando as pessoas ao não desejar me relacionar com elas. Em outras palavras: eu me recuo dos relacionamentos antes de ser remetida a projeção do auto-desprezo do passado. Mas algo me diz que estou em processo real de mudança psíquica, será? Minha cabeça está quente por demais com toda essa reflexão. A competição entre ser introvertida e reservada ou ser extrovertida e expansiva me parece injusta. Posso não estar na preferência da maioria, mas preciso estar na minha própria preferência. E então, o que fazer? Vou deixar essa e todas as demais perguntas incubadas para meus sonhos responderem.