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domingo, 15 de fevereiro de 2009

Capítulo 1 – A descoberta de Carol

A chave da antiga escrita composta de um hermético sistema de ideogramas estava prestes a ser descoberta por Carol. Ela estava diante de anos de historia e desejava descobrir aquilo tudo como se fosse uma grande investigadora. Primeiramente pesquisara de que tipo de linguagem se tratava aquela e descobrira que a palavra hieróglifo era tirada do grego, hieros se traduzia em sagrado e gluphein em gravar. Cerca de setecentos símbolos serviam aos egípcios para escreverem as palavras de sua língua. Os sacerdotes tinham suas maneiras de expressar o pensamento. Poderia ser de forma clara e simples, simbólica e figurada, ou sagrada e hieroglífica. A mesma palavra tomava segundo a vontade deles, o sentido próprio, figurado ou transcendente.
De acordo com os conhecimentos, Carol sabia que nas ciências teogônicas e cosmológicas, os sacerdotes egípcios empregavam sempre a terceira maneira de escrever. Por muito tempo, ninguém conseguiu decifrar tal escrita, até que o imperador Napoleão Bonaparte descobriu com sua tropa, em Alexandria, uma pedra cheia de inscrições. Um mesmo texto aparecia escrito em dois tipos diferentes de hieróglifos, um islamita e outro babilônico e também em grego. Foi tal pedra, que recebeu nome de Roseta, que os estudiosos puderam ler a escrita egípcia.
Seria então aquelas escritas feitas por algum sacerdote? Há quantos séculos pudera aquele material ficar escondido naquele local sem ninguém saber? Porque exatamente Carol os achara? Talvez aquela escrita muito parecida com a hieroglífica ocultava uma quarta interpretação que somente era perceptível a cérebros preparados como o de Carol.
Carol achava que apenas era possível encontrar aquele tipo de escrita nos antigos afrescos, esculpidos nos diferentes templos do Egito antigo e jamais em pergaminhos ou num livro como aquele que agora estava em suas mãos. Nas suas pesquisas sobre o assunto, descobrira que os hieróglifos incisos em pedras se apresentam com uma repetição perfeitamente visível. Tais sinais eram tidos como feitos por seres dotados de faculdades naturais ou adquiridas por uma ascese especial. Como poderia aqueles símbolos tão perfeitamente ter sido grafados naquele papel também tão diferentemente fabricado?
Tais símbolos apresentam-se como decodificáveis imagens. A superposição daria uma interpretação complementar em três dimensões. Carol não sabia como desvendar o que estava escrito ali e nem tinha vontade de compartilhar daquele seu segredo com mais ninguém. Era a única, a saber, que tinha posse de algo tão antigo em suas mãos. Ali poderia estar inscrito algum dos grandes mistérios que os sacerdotes não quiseram deixar perecer. Além do mais, também poderia estar escrito ali uma simples historia da humanidade em determinado período, ou então, uma diferente historia pessoal escrita por qualquer um que em tal época viveu. Poderia ter ali algum ensinamento esotérico edificado centenas de anos antes de sua era. Enfim, qualquer coisa que pudesse ter escrita, lhe causava naquele momento, uma curiosidade infindável.
A primeira coisa que Carol fez foi encher sua mesa de livros que continham diversas explicações. Ela tinha conhecimento de que quando a escrita surgiu, ainda não se usava nenhum tipo de alfabeto. As pessoas desenhavam pequenas figuras que representavam as coisas as quais queriam se referir. Tal tipo de escrita recebia nome de pictográfica, cada palavra tinha um desenho diferente e, portanto, o processo era muito lento.
Carol nunca se imaginara traduzindo aquele tipo de linguagem. O máximo que já estudara sobre o tema era sobre os sons representados pelos conjuntos de letras, os quais não significam nada isoladamente. Para comprovar suas idéias, encontrava em suas pesquisas praticamente a mesma coisa: o primeiro alfabeto mais moderno fora inventado pelos fenícios, povo que viveu há milênios atrás na região do Oriente Médio, no litoral do presente Líbano. Foram os romanos quem aperfeiçoaram a adaptação deixada pelos gregos, moldando o latim e muitas outras línguas do Ocidente. Os romanos empregavam letras do alfabeto para representar números. No original apenas existiam letras maiúsculas. Foi ao século VIII que começaram a surgir às maiúsculas usadas em siglas, no começo das frases e na primeira letra dos nomes próprios.
Carol se dispunha, todos os dias, para lidar com aquele envolvente livro cheio de escritas tão diferentes, mas não encontrava material suficiente que retratasse daquele tipo de linguagem especifica e, portanto, a tradução se fazia sempre muito complicada. Mas ela usava de sua persistência e curiosidade, estando sempre cheia de animo para desvendar o que relatava cada um daqueles rabiscos.
Dentre os livros que verificava, encontrava exemplos e demonstrações de escritas em cirílico, os ideogramas chineses, a linguagem hindi, árabe, japonês, coreano e principalmente japonesa, escrita da direita para a esquerda. Embora estivesse sendo bastante trabalhoso, Carol a cada minuto sentia-se mais interessada por tantas coisas novas e que lhe eram absolutamente desconhecidas. Em alguns relatos de enciclopédias mais antigas, dizia que uma das primeiras formas de escrita fora a cuneiforme, desenvolvida cerca de dois milênios antes da escrita pictográfica dos gregos. Os povos da mesopotâmia não conheciam o papel. Escreviam sobre tabuletas de argila úmida, usando varetas com pontas em cunha.
Carol também verificou a imensa quantidade de lendas a respeito da intenção da escrita. Muitos dos povos antigos consideravam a invenção da escrita e até mesmo das runas como atribuição a deuses. Segundo os arqueólogos pesquisadores, a escrita foi inventada por volta de 3.500 a.C. pelos sumérios, que a usavam para calcular e guardar registros. Os pictogramas seriam assim, exatamente a escrita primitiva na forma de imagens estilizadas dos objetos do cotidiano de tais povos. O que se achava nas pinturas dos homens paleolíticos seria sim esse tipo de escrita. Gradualmente a evolução transformou os símbolos para idéias abstratas, com um sistema mais complexo: os ideogramas. Tal escrita tinha pouco a ver com a fala, pois não representava sons de nada. Os alfabetos são sistemas fonéticos e como dito antes, o som de uma única letra não significa nada por si só.
Com aquele estudo minucioso, Carol concluiu que os gregos foram os primeiros a usar um alfabeto com símbolos para todos os sons e criar letras para representar as vogais. Sobre a escrita cuneiforme, evidenciara o fato dela não ter sido mais utilizada desde o século I a.C. Ela também acreditava que fora por volta de 1000 a.C. que os gregos tivera os primeiros contatos com o alfabeto, em suas relações comerciais com os fenícios. Tal povo também escrevia da direita para a esquerda. Com a mudança ou troca do lado da escrita, esta sendo da esquerda para a direita, muitas imagens foram invertidas dos seus caracteres originais fenícios. Certas palavras só se distinguiam de outras colocando uma vogal correta no inicio. O fenício tinha varias letras para consoantes que não existiam na língua grega. Foi delas que apareceram as vogais. Os nomes das próprias letras sofreram mudança com isso.
Ao termino de tanta pesquisa, Carol estava conseguindo iniciar seu trabalho minucioso e complicado de tradução. Ao certo sobre a historia da escrita, mais lhe valia a curiosidade, pois de resto, apenas tinha interesse em desvendar o que estaria escrito naquele manuscrito.

Meses depois...
Carol insistentemente ficara meses ao redor daquelas escritas empoeiradas que tanto lhe fazia espirar, mas jamais desistiria de desvendar o que aquilo poderia lhe significar. Gastaria o tempo que fosse, mas tinha total disposição para entender o que estaria por detrás de cada um daqueles símbolos.
Estando com aquele livro, composto de folhas duras, grossas e de peso bem proporcional ao tamanho, Carol se surpreendia visualizando o quanto tudo aquilo lhe daria trabalho. Se quisesse ler e descobrir aquele novo material encontrado, teria de começar tudo novamente, pesquisando, estudando e traduzindo. Com muita paciência, dedicação e empenho, cerca de oito meses depois, ela estava com toda a tradução concluída. Não sabia o que pensar a respeito daquela historia, se seria verdade e de quando se datava. Também não entendia como aquele tipo de livro fora parar junto do pergaminho que primeiro encontrara. Tudo lhe era muito estranho, mas Carol sabia que nada daquilo lhe ocorrera por acaso.
Estar com todo aquele material nas mãos envolvia muita responsabilidade e a conseqüência estava no porvir. Carol teria de transcrever todas as suas descobertas para o livro que ela mesma também estava escrevendo como tradição familiar. Enquanto escrevia meditava em cada palavra imaginando o quanto de significados e sentimentos que existiam por trás de uma simples letra, frase ou símbolo.
Aqui inicia o conto do grande livro e deve se ter claro que dados podem ter sido alterados imperceptivelmente no momento da tradução, assim como deixo claro e ressaltado que toda palavra acompanhada do símbolo * significa não tradução, mais um julgamento de interpretação segundo o contexto de toda a historia do livro e seu estudo:

“Não direi quem sou, onde morro e com quem vivo. Espero que possas descobrir ao longo da leitura. De toda forma, é bom que não preocupeis com isso, apenas queira entender minha historia de vida, se isso lhe convier como algo interessante. Não descreverei em momento algum nome de nenhum dos locais. Descrevo sim que é uma região montanhosa no interior, já a parte litoral é repleta de golfos e baia, os solos são pobres. Os habitantes daqui desenvolvem cada dia mais a metalurgia do cobre, do bronze, do ouro e da prata. Meus avos eram originários de outro continente. Eles tiveram contanto com invasões estrangeiras, terremotos, guerras entre as principais cidades e a grande revolução*.
A vida não parece fácil, temos catástrofes e imposições. Sobrevivem disto apenas às lendas e mitos. As mulheres se preocupam muito com a elegância, saias apertadas nas cinturas, cabelos com sofisticados penteados, todas impecáveis em arrumação. Comemos bem, pelo menos nós, os privilegiados. Fazemos o pão do trigo e da cevada, colhemos dos campos e hortas a alface, lentilha*, feijão, ervilha* e abóbora*. Temos os frutos do mar. Homem mantém a forma e mulher a elegância. Também em nossa alimentação inclui a ameixa, marmelo* e figo que amadurecem nos pomares ensolarados. Do mar vem o polvo, mariscos, lulas e peixes. Tomamos vinho e cerveja. A despeito de apreciarmos a boa comida, aparentemente nutrimos um horror feroz à flacidez, o que é evidenciado nas nossas manifestações artísticas.
Os homens mantêm a forma física com ginástica e exercícios vigorosos. Exageramos a esbelteza usando cinturões ajustados. Temos o cabelo longo e em geral nos barbeamos. Vestimos simples tangas no dia-a-dia e, em ocasiões mais formais, saiotes e sandálias ou botas. Em contrapartida, as mulheres, especialmente aquelas que vivem na corte, preocupam-se muito com a postura. As saias além de ajustadas na cintura com força, têm babados e cores vivas, realçando suas delgadas silhuetas, e corpetes justos deixando-lhes os seios a mostra. Seus cabelos escuros são, em geral, arrumados para cima, em sofisticados penteados. Laços e jóias se prendem em suas tranças longas. As vaidosas mulheres colorem seus lábios de vermelho, tiram a sobrancelha e usam sombras nas pálpebras.
Conforme relatava, já passei por vários incêndios, destruições e desastres que ainda nos são desconhecidos à causa. Possuímos nossas técnicas agrícolas e comerciais, bem como construção naval e cultura religiosa. Não deixarei explicita qual é, mas logo constatará. A principal divindade ainda é, pelo menos para mim, em meu particular, a Grande Mãe, deusa representada por uma pomba e uma serpente, que protege a terra e a fertilidade. Associada a ela, temos um Deus subalterno representado pelo touro.
Gostamos dos esportes, muitos são amantes das danças e temos uma variada espécie de diversões. Posso dizer que fora às desavenças, que há de existir, somos um povo alegre e saudável.
Antigamente, na época dos meus antepassados, a sociedade estava dividida em camadas sociais em que o rei e os nobres ocupavam o alto da pirâmide social. Constantemente sofriam invasões por oriundos de outras terras. Isso muito nos provocou de decadência e desordem. As cidades-estados* eram politicamente autônomas.
Algumas das cidades são circundadas por grandes muralhas. Ainda somos uma sociedade de guerreiros e, portanto, temos nossa necessidade de defesa. Durante as épocas de falta de terra, miséria, lutas sociais e políticas, fundamos colônias ao longo dos mares. Depois que isso começou a se tornar cada vez mais comum, outras novas cidades foram surgindo. Tivemos inclusive de sofrer um processo de colonização. As colônias restantes continuam do mesmo jeito, independentes em relação às metrópoles que são as cidades chamadas de mães.
No meu intimo queria ser poeta, como muitos que admiro, mas talvez não leve muito jeito. Gosto de aventura e de historias. As escritas me fascinam até a alma. Meu avô me contava muitas historias. Numa delas ele dizia que conhecera um cavalo de madeira com soldados escondidos no seu interior. Tudo ocorreu depois de muitos anos de duro cerco, quando o povo venceu a resistência. As portas da cidade foram abertas para receber o enorme cavalo, julgando ser um presente dos Deuses. Essa historia sempre me impressionou. Depois de festejos e bebedeiras, todos saíram do cavalo e dominaram a cidade. Muitos pensavam que isso fosse fantasia de um poeta, antepassado do meu avô, mas hoje sei que realmente tal cidade existe.
Ainda temos nossos servos fieis, escravos*, apesar de muitas mudanças terem ocorrido. São tidos como bens moveis, de categoria social desprovida totalmente de direitos. Na família senhorial recebem nome e são associados ao culto domestico. Mesmo como escravo, podem pleitear, representado pelo senhor, seus direitos na justiça. Ao amo é proibido, ao menos pela lei que conheço, injuriar gravemente, aleijar ou matar o cativo. O escravo injustamente seviciado pode até mesmo procurar refugio junto a templos específicos e pedir aos sacerdotes que se pronunciem pela sua venda a um outro senhor. O castigo maior não pode ultrapassar cinqüenta chibatadas.
As jovens que guardam as tradições de boas posturas vivem confinadas nas habitações reservadas exatamente ao sexo feminino. Lá são ensinadas pelas mães a tornarem-se boas esposas. É costume o casamento cedo, até os quinze anos. Quem escolhe os noivos são os pais, de acordo com suas conveniências. Do filho do ventre, quando é rapaz, deixa-se viver, mas se assim não for, é de dever abandonar a criança. Muitas mães desrespeitam isso. Minha própria mãe certa feita me disse que se houvesse nascido mulher, teria me amado da mesma forma e jamais teria me abandonado ou me sacrificado.
Uma mulher é propriedade do pai e depois do marido, até o dia de sua morte. Não casar é mais difícil para as mulheres, pois as solteiras permanecem ao rígido controle do pai, na sua casa e este, considera que falhou, tendo de ficar incorrendo em despesas continuas e desonra para a família. As raparigas nunca atingem a maioridade assim como os filhos homens. Elas são tratadas como filhas durante toda a vida. Isso demonstra nossa sociedade patriarcal, controlada por homens e que não permite quaisquer direitos políticos ou sociais as mulheres.
No geral, quando nasce uma criança, esta é examinada pelos anciões que sacrificam as fracas e aquelas com defeitos físicos. As fortes podem tornar-se bons guerreiros e são entregues as mães. Dos sete aos dezoito anos as crianças estudam em escolas especiais, onde se dedicam a toda sortes de exercícios militares. A dura educação faz do soldado o mais corajoso e bem preparado dos homens, capaz de enfrentar tudo e todos. Uma mãe, ao permitir que seu filho parta para a guerra, durante a despedida, apenas lhe entrega um escudo. Isto significa que seu filho deve voltar como vencedor, ou morrer como herói.
Chamamos de tiranos aqueles que tomam o poder através de um golpe de estado. A tirania é o contrario da democracia.
Aos dezessete anos, fui junto de outros de minha idade, submetido a uma prova de habilidade. Consiste em espalhar-se pelo campo durante o dia e a noite, degola-se todos os escravos que se consegue apanhar. Quem passa pela prova, assim como me aconteceu, torna-se maior e recebe um lote de terra.
A educação das raparigas também corresponde ao interesse do estado e visa o desenvolvimento harmonioso das futuras mães de gerações sadias. Tanto os meninos quanto as moças raparigas, todos podem aprender ginástica, ter aula de dança, musica e canto nas horas em que não estão sendo educadas pelas mães.
Quando era criança, lembro-me de estar juntamente com todo o povo migrando do norte de onde estávamos para uma península. Nesta o relevo era muito montanhoso. Aos pés das montanhas havia vales e planícies férteis, onde os grupos migrantes se estabeleciam e fundavam suas comunidades. O relevo montanhoso dificultava os contatos entre nós, por isso passamos a levar uma vida separada das demais. Formamos nossa própria civilização. Nossas comunidades não precisavam domar* a natureza como antes, ali não era tão difícil como no deserto. Só então foi que os homens puderam preocupar-se mais com o bem-estar, as formas de conveniência, as regras de vida comunitária benéficas para todos.
Como outro povo qualquer, nossos mitos explicam a origem do universo e da nossa própria existência. Temos inclusive nossas explicações sobrenaturais envolvendo os deuses. Conforme cresci e fui me tornando adulto, compreendi que muitas coisas eram uma mistura de ficção e realidade, explicando de forma imaginaria, os sentimentos e comportamentos dos seres habitantes deste mundo.
Creio que daqui a milhões de anos, muitos não entenderão mais a vida da mesma maneira como nós. Não sei o que restará de todo este contesto em que vivo, tanto falando nas coisas materiais quanto das outras. Espero que tudo seja conservado para as futuras gerações. Sempre preservamos aquilo que temos convicto como certo ou como gosto pessoal. Pode ser que daqui a milhões de anos, apenas reste ruínas de antigas cidades. Se isso não sobrar, deixarei esse manuscrito e espero realmente demonstrar como são as coisas hoje. Do mesmo jeito como questiono como será o futuro daqui a milhões de anos, os homens do futuro se questionarão como deve ter sido o que hoje é meu presente. Eu também me questiono como o mundo foi criado e as respostas que tenho provêm exatamente dos mitos que acredito. Talvez sobre ferramentas, armas, enfeites, ânforas e outros objetos que revelem informações acerca do modo como vivemos. Se for possível, deixarei junto deste livro um vaso muito utilizado para guardar água, azeite e vinho. Eles são pintados com cenas do cotidiano e até mesmo com passagens da mitologia.
As primeiras comunidades que se formaram eram igualitárias, vindas lá da época do meu avô. A terra não tinha divisões sociais, era coletiva. O chefe do grupo liderava de comum acordo com o restante das pessoas. Naquele período provavelmente o povo ainda não sabia escrever. As historias de vida para nós devem ser sempre compartilhadas, contadas de pais para filhos. Sei tudo sobre a vida de meus pais e até mesmo de meus avôs. No que sei, meu avô entendia das escritas, mas nunca deixou nenhum vestígio que me faça comprovar essa desconfiança.
Ainda na época dos meus antepassados, as coisas foram se modificando, cada homem de renda passou a ter sua propriedade de terra. As coisas hoje não são mais como na época dos meus avôs, pois aconteceram muitas subdivisões de grupos. Não sei se as coisas são melhores agora do que antes.
Os desapropriados de terra tiveram de procurar outras ocupações se não quisessem trabalhar para os que a possuíam. Foi daí que ao invés de lideres, surgiram os reis que passaram a mandar nas comunidades sem aceitar desobediências. Para se impor diante de cada grupo, o rei se apresentou como preferido dos deuses usando da religião para convencer a população a obedecer. Sei disso, não sou nenhum tolo, vejo a esperteza que tiveram. Não devo dizer se meus antepassados foram um deles. Não quero correr nenhum risco. Sei das coisas e garanto o que escrevi. Além de tudo, existiam os exércitos para reprimir quem não concordasse com os reis.
Os símbolos que tinham e que continuam existindo são do arado, a espada e o incenso. O arado demonstra o que controlamos da produção vinda da terra. A espada é a força milenar e o incenso vem do contato dos deuses. São esses os símbolos mais usados pelos reis para demonstrar o poder sobre a sociedade.
Depois dessa época dos reinados, a qual não vivenciei para poder relatar mais, veio uma outra era. Devo acrescentar que a mudança não ocorreu em geral. Existiram localidades donde o costume e a crença não se modificaram, continuaram sendo comandados por um rei que simbolizava o papel de deus e seu destino era colocado nas mãos do faraó. De toda forma, a mudança tendia a ocorrer, não apenas só entre nós, mas ia se estender dentre todos. Depois de algum tempo, o poder foi se espalhando e passando para o maior numero de pessoas que o pudessem ter. Criaram-se as assembléias e todo o povo passou a discutir e decidir as coisas em conjunto. Foi nesse momento que a religião se separou do poder. Continuamos acreditando nos nossos deuses, mas hoje, diferente de antes, sabemos que nossos governantes são homens comuns. É com essa visão que continuamos lutando pelas melhores condições de vida, nos organizando e exigindo dos nossos governadores a liberdade para refletir sobre o que julgamos ser melhor para nós mesmos.
Temos hoje a possibilidade de expressar as idéias publicamente, sem sofrer nenhum castigo dos deuses. Na época dos meus pais, já era assim, esse sistema renovado. Inclusive devo dizer sobre uma praça publica donde ainda continuamos trocando idéias sobre os mais variados temas. É lá que continuamos discutindo o dia-a-dia da cidade. Também devo revelar que geralmente, quem pode participar realmente dessas reuniões, ou pelo menos aqueles que são ouvidos, são os que possuem renda, propriedades ou os comerciantes. Temos nosso governante e são poucos os que podem participar desse poder. Essa mudança ocorrida foi mais pela própria pressão popular que queria participar das assembléias e dos demais cargos políticos.
Durante muito tempo, as pessoas que não tinham posse de terra, ou seja, os escravos, podiam ser escravizados pelo credor em pagamentos de dividas. Mas isso também foi mudando. Tais homens aproveitaram as guerras e conquistas de territórios para capturar e escravizar os estrangeiros. Enquanto escravos se tornavam livres, outros se tornavam escravos. Tínhamos nossos pedagogos, mesmo que não pudéssemos mais, pela idade, freqüentar as escolas.
O sistema democrático funciona bem, pois acreditamos que a participação política é tão importante quanto nossa profissão e nossa vida particular. Temos orgulho de decidir e participar da administração dos destinos do local em que vivemos. Devo dizer que o contexto dos meus antepassados era de organizar uma sociedade a serviço dos deuses, dirigida por um rei-deus. Nos outros locais construíam imensos impérios para servir a gloria dos monarcas. Durante milênios, civilizações mais antigas consideravam o homem como um ser desprezado que rastejava diante dos deuses e dos déspotas.
Quando digo deuses estou falando, por exemplo, do deus dos deuses; o deus dos mares; a da castidade; a deusa da agricultura; o deus do inferno; o deus da guerra; a deusa da sabedoria; a deusa do amor; o do vinho, do prazer e da aventura; o deus do sol, das artes e da razão; dentre tantos outros deuses. Nossos deuses têm aparência comum como qualquer outro homem, eles também têm sentimentos e defeitos, podem se relacionar com os humanos e até mesmo ter filhos com eles, os quais chamamos de semideuses. Para ganhar a simpatia dos deuses, ainda construímos templos, fazemos orações, sacrifícios de animais e oferta de presentes. Tentamos conhecer as vontades deles consultando sacerdotisas nos oráculos. Temos também nossas festas e competições organizadas especialmente para agradar os deuses. Fazemos os jogos em homenagem ao deus principal que nos rege. Nossos deuses são fortes, belos e inteligentes, necessitam de alimentação e sono. Eles são capazes de terríveis vinganças. Os cultos consistiam-se principalmente em cantos, oferendas e sacrifícios. Os familiares são tradicionais e isso nos faz cultivar nossos antepassados.
No mar usamos barcos movidos à vela e a remos, tendo no interior filas de homens remeiros, colocados três a três em alturas diferentes. Desde muito antes deu nascer, o homem desenvolvera vestimentas especiais blindadas que chamamos de armaduras, elas nos protegem de nossos inimigos. São simples feitas de couro que impede ferimentos de lanças ou espadas rudimentares.
Hoje temos inclusive armaduras metálicas profissionais, alguns possuem armaduras laminadas, capazes de resistir a lanças, flechas e espadas. Dizem que em algumas localidades do mundo, tais armaduras já não têm valor, pois existe um tipo de arma diferente. Nas guerras usamos nossos animais como cães e cavalos que também são protegidos por armaduras. Em alguns locais, muitos anos atrás, usavam-se até mesmo elefantes. As flechas ricocheteavam nas curvas do capacete, sob o qual ainda se usa uma malha metálica.
O peitoral é em cunha e desvia os golpes das espadas. O vambrace é uma peça cilíndrica que protege o antebraço. A cotoveleira protege o cotovelo sem impedir nenhum movimento. A luva é montada com diversos pequenos pedaços de metal, de modo a permitir os movimentos da mãe e do pulso. Apenas a parte dianteira da coxa é protegida, as joelheiras cobrem os joelhos e permitem a articulação dos mesmos. As caneleiras prendem-se a parte dianteira das pernas. Tudo é muito pesado e impedi o homem que a usa de correr. A cota de malha ainda existe, é fácil de ser fabricada. É feita de anéis de aço entrelaçados, deixando os movimentos livres, porem não tem nenhuma eficácia contra machados e espadas pesadas. Os capacetes são variados. Alguns deles podem provocar a morte quando usados em golpes. Temos lanças que usamos para atirar ou golpear. Os bumerangues têm suas técnicas especiais e quem não é bom de pontaria corre o risco de sofrer a reação do mesmo. Os arcos lançam as flechas em distancias grandes e ainda são bastante utilizados.
Segundo eu sei, as primeiras espadas eram de bronze, depois passaram a serem feitas de ferro e aço, existem as de furar e as de corte. É o símbolo do poder armado. Os samurais consideravam que as boas espadas tinham espíritos e recebiam nomes ao serem passadas de pais para filhos. Os punhais são feitos de aço e excelente qualidade. Os melhores possuem varias camadas de metal temperado. Também usamos empunhadura revestida de couro ou osso. O alargamento perto da ponta da lamina torna a arma mais eficaz nos golpes cortantes. O que gosto mesmo são das adagas. Muito se imagina de uma arma que seja longa, delgada e flexível. Quanto às flechas, existem de ponta larga para a caça e as de ponta delgada para penetrar em armaduras.
Nossas construções são de mármore e pedras. As colunas podem ser simples, apenas com placas de mármore, formadas por adornos espirais ou em forma de sino invertido, envolvido por folhas de acanto.
Comemos pouca carne, em ocasiões especiais comemos carne de boi, vitela, carneiro, cabra, porco, cavalo, burro, raposa e até de cão. O peixe é bastante apreciado, fresco, salgado ou defumado. Temos nossos viveiros de criação de peixes. Bebemos leite de cabra, chás, cevada, hidromel e vinho. Temos grande consumo de frutas.
Os teatros representam muito para nós. Pagamos em óbolo, um terço de uma dracma. O estado mantém um fundo especial para subsidiar quem não pode pagar. Quando vamos ao teatro ficamos ali o dia todo, levamos comida para o intervalo dos espetáculos. As peças são de lendas e dos mitos que já conhecemos. Interesso-me bastante para verificar como cada poeta interpreta as historias. Isso como já disse, faz parte dos rituais de honra aos deuses.
Agora que já descrevi sobre o contexto no qual vivo. Relatarei sobre meu dia-a-dia e tudo o que faço. Bem, para começar, vou descrever desde minha infância.
Quando nasci, meus pais viviam em povoados. As cidades, segundo o que sei, iniciaram-se com pequenas indústrias, pois o povo precisava de ferramentas para construir, cultivar a terra e cozinhar. Com a descoberta do ferro, tanto tempo atrás, deu-se origem a industria do aço. Outros buscavam pelo cobre e procuravam fundi-lo. O ouro então, bem como a prata e as pedras preciosas fez surgir os ourives e prateiros. Os construtores de barcos faziam as embarcações para navegar pelos mares desconhecidos além do golfo.
Meu pai me educou dizendo que deveria ser um homem obediente às leis do mundo e as dos deuses. Minha maior preocupação desde criança era amar e ser fiel aos homens de bom coração. Queria viver sempre do lado da justiça, da verdade e da bondade mesmo que o mundo fosse mau. Meu pai sempre procurou me educar devidamente e induzia-me de todas as formas para que guardasse as leis. Carregava comigo sempre a idéia de que deveria servir aos deuses e isso devia não apenas em algum momento, mas em todos os dias do meu viver.
Na minha mocidade estava disposto a me tornar um deus, achava que isso fosse possível. Tenho de afirmar que sempre mantinha meus pés longes do chão e pisava mais nas nuvens dos sonhos e ilusões do que nas verdades existentes no mundo. Para mim não foi fácil tomar tal decisão, pois nunca teria coragem de revelá-la a ninguém. Quem eu me considerava para querer ser um deus? Mas eu acreditava que poderia ser um. Queria ser imortal e foi tamanho meu desejo que comecei a ter visões. Queria ser um homem bendito pelos céus supremos.
Eu queria percorrer além das muralhas da terra, me transformar em bênção para a humanidade. Lembro-me como se fosse hoje quando empacotei meus fardos e atados ao lombo dos animais juntei meus servos encarregados dos rebanhos que se seguiriam ao longo da viagem. Como não pretendia percorrer distâncias muito longas, caminhamos a pé, por vezes parávamos para trocar os cavalos, camelos ou jumentos revezando com os que andavam a pé. Tudo era lento, mas eu não tinha pressa, nem medo. Foi triste me despedir de meus pais, mas queria assumir meus riscos e ter minha vida, ser de alguma forma, um deus como tantos outros que existiam.
Embarquei com a caravana, eram cabras seguidas pelo rebanho de ovelhas, gado e servos que cuidavam dos animais. Os cães nos ajudavam a vigiar o gado e tudo decorria muito bem. Minha mãe chorou quando dei ordem de partida. Os cachorros começaram a latir. Os camelos ajoelhados, carregados de alguns fardos, começaram a se levantar e a andar. Estava disposto a encontrar um novo destino. Tivemos de fazer algumas paradas para comer e suprir as necessidades. À medida que nos dirigíamos para o sul, o panorama se tornava mais bonito. Passamos junto a pequenos povoados. Instalei-me, junto de meus servos, num local mais tranqüilo, de campos abertos e muita mata verde. Todo o ambiente era o mesmo, com os costumes e as tradições. Aquele local me proporcionou muita reflexão e meditação. Nunca deixei de acreditar na existência dos deuses, mas com o passar do tempo, tive uma visão muito própria, um tanto diferente. Não dava tanta fé aos astros e nem mesmo aos deuses. Digo que nunca deixei de ser mantido pela crença em que fui criado, mas muita das coisas que acreditava foram perdendo o importante contesto que antes eu tinha.
Os dias foram mudando meus pensamentos, deixei de querer ser um deus, um ídolo e me contentaria se pudesse ser nobre e bondoso. Mas quem eu era para isso? Quando senti falta dos meus pais e desejei para junto deles retornar, o fiz sem muito pensar, mas quando retornei, já era tarde e nem direi porque. Continuei vivenciando das crenças e das lendas que se revestiam sobre o povo. Mas a inquieta de minha alma não me permitiu ficar parado por muito tempo naquele local. Foi então que fugi para o deserto maior. Lá me apresentei a um dos grandes Faraós. Pensei que seria humilhado ou recebido com indiferença, mas não. O Faraó tratou-me principescamente e me ofertou vários presentes, mas eu recusei dizendo que era contra minhas leis aceitar favores de um governante mundano. Minha lei era nunca atar minhas mãos ou silenciar minha voz para testemunhar pelo que é verdadeiro. Sabia que apenas estava sendo recebido daquela forma como meio de suborno* posterior. Apenas queria um trabalho, uma cama e um pedaço de pão.
Fui aceito mesmo recusando os presentes. Comecei um trabalho rupestre e o pior aconteceu. Apaixonei-me por Rebeca*, a esposa do Faraó. Ela era filha de uma das anciãs mais ricas daquela região. Nossos olhares não mentiam e eu tinha certeza de que ela também ficara abalada com minha presença ali. Ela também estava apaixonada por mim e esse foi nosso pecado. Nunca poderia cobiçá-la, era o maior dos erros que poderia praticar. Mas não tive como negar ou fugir dos meus sentimentos. Ou morríamos pelo pecado, ou pelo desgosto da infelicidade eterna de jamais podermos ser um do outro.
Meu encontro com ela foi inesperado. Estava trabalhando quando a vi caminhando em direção ao poço. Como nunca tinha visto-a, pensei que fosse uma mulher qualquer, embora seus trajes denotassem a grandeza que mantinha e detinha. Ela foi até o poço, retirou água dele e calmamente caminhou até o bebedouro esvaziando o cântaro e colocando a água no local donde os camelos a bebiam. Aquela cena mexeu tanto comigo que me sentia fora de minha pessoa normal. Até mesmo os camelos estavam diferentes, as mantas que os cobriam brilhavam e as cores reluziam, era como se estivesse vendo aqueles camelos pela primeira vez. Eu parecia um bobo, estava encantado com algo costumeiro que fazia parte do meu cotidiano. O céu pareceu-me mais azul, o verde das montanhas tinha mais intensidade. Eu sentia o frescor de uma sombra mesmo sobre o sol escaldante e pisando na areia quente.
Enquanto eu observava-a, com admiração crescente, senti-me cada vez mais seguro de que era aquela moça que eu procurava para amar. Mas ela estava impedida. Além do mais, nunca teria nem se quer um adorno de ouro ou prata para lhe dar. O que eu não sabia é que de riquezas materiais sua vida estava cheia, mas ela era pobre e carente de amor, de paixão, do pecado que enchia meu coração de tristeza e de esperança. Sentia-me perdido, arrasado e pensava que qualquer força que tentasse manter fosse me levar mais e mais para o mundo das ilusões. No dia em que a conheci como esposa do Faraó e que tomei conhecimento de que estava apaixonado por aquela mulher, quis morrer, apenas morrer. Mas algo me dizia que não deveria morrer antes da vontade dos deuses, apenas deveria morrer quando minha hora chegasse e esta estava muito distante.
Continuei meu trabalho normalmente. Tentava evitar olhar para aquela figura feminina que tanto mexia comigo. No principio ela pouco se importou comigo e creio que seu sentimento por mim não foi à primeira vista como se ocorrera comigo.
Num belo dia de primavera, elegante carruagem atravessou, ao trotar de dois soberbos cavalos, as animadas ruas daquele povoado. Diante do palácio do Faraó as rodas pararam. Devo dizer que aquele era o bairro mais aristocrático. Um servo abriu a portinhola do coche e uma bela moça, trajando ao rigor da moda, desceu lentamente e, correspondendo por leve aceno de cabeça à reverente saudação do porteiro, subiu a passos lentos, a vasta escadaria de corrimão dourada, que conduzia aos aposentos principais do palácio.
___ Vossa irmã espera por vós, senhorita – disse-lhe desembaraçando a recém chegada de seu arco da cabeça e do cinturão externo.
Observei para aquele arco. Era um adorno muito bonito e pesado, com uma serpente de prata enfeitando a fronte. Era algo valioso para uma valiosíssima dama como aquela.
___ Onde ela se encontra?
___ Está no escritório, mas pede que a espere no gabinete.
Sem responder, a jovem senhorita atravessou vários salões mobiliados com excessivo luxo, e entrou no gabinete central do palácio. Era uma ampla sala, ornada com exagerada riqueza, de imprescindível bom gosto. Todos os móveis eram dourados com fundições de cobre, o que distinguia dos demais cômodos. Um espesso tapete cobria o pavimento. Ali estavam as mais preciosas obras de arte.
Após alguns minutos de espera, impacientemente a jovem senhorita já cansada pelo passeio longo que fizera, atirou-se numa das poltronas e com a cabeça apoiada no espaldar, voltada para o alto, sobrecenho franzido, se deixou manter nos seus pensamentos mais íntimos e intrigantes.
Tive de me retirar logo em seguida e de nada fiquei sabendo sobre o que conversaram. No dia seguinte, conforme de costume, fazia meu habitual passeio na região arenosa donde era de minha função proteger constantemente, quando subitamente ouvi o estalar de ramarias quebradas e uma voz feminina. Precipitei-me na direção e visualizei um cavalo que caíra, com a jovem esposa do faraó que o montava.
À minha chegada o animal levantou-se e quis retomar a marcha, arrastando a cavaleira, cujo pé estava preso no estribo. De um pulo, cheguei junto dela e colhi as rédeas. Era a primeira vez que me via sozinho com ela e meu coração fatigado queria sair pela boca.
___ Retire-se – ordenou ela.
___ Desculpe-me – encurvei-lhe obedecendo.
___ Sei que estás interessado em minha pessoa, não tens medo de morrer?
___ Se for pela senhorita a morte é apenas um insulto.
___ Tolo, insignificante* es tu. Pois eu temo a morte, afaste-se e não fique me olhando desse jeito paspalho.
Com aquelas palavras ela sumiu de vista e no maior dos sentimentos de desprezo fui deixado ali. Naquele dia ela usava os cabelos enrolados em forma de vários canudos. Tinha bracelete dos dois lados, usava brincos grandes e um arco apertado na cabeça, que segurava um véu na parte traseira. Seu vestido tinha uma parte de pala e seguia-se em panos enrolados pelos bustos que desciam dando leveza ao seu corpo.
Para distrair-me da tristeza que sentira naquele breve instante, chamei por um carneirinho que andava próximo da pastagem e senti que pela primeira vez na vida estava sofrendo por amor. Sabia que ela sentia algo por mim, assim como eu por ela, mas sua situação fazia com que ela me desprezasse. Eu não era ninguém para uma jovem tão nobre como ela. Além do mais, ela estava certa. Qualquer envolvimento e traição teriam como condenação a morte.
Relatarei um pouco sobre a história dos antepassados do faraó. Tudo consta pelo que descobri estando no convívio com o próprio, que ele apenas ascendeu ao trono por se apoderar do poder do tio. Estamos na XXX dinastia, donde ocorre o processo ainda da independência do país. Apesar do esforço de conciliação ser antigo, nunca se abandonaram as lutas. O antecedente era filho do insurreto, que levava o mesmo nome de seu ascendente. Foi ele quem encabeçou a rebelião. Tornou-se príncipe e provinha da XXVI dinastia dos faraós. Herdou deles, portanto, direitos não negligenciáveis ao poder. Não conheci os detalhes da luta que empreendeu contra seus rivais, salvo o fato de que só após seis anos de defrontações, se encontrou nesse país livre de novo. Mais feliz que a XXVIII, a XXIX dinastia, que lhe sucedeu, contou com quatro soberanos. A respeito de seus sucessores, sei apenas que em seus reinados eclodiram revoltas intestinas e que o ultimo foi detonado pelo príncipe que fundou a XXX dinastia. Exatamente o tio do atual faraó, a quem tenho servidão. Dizem que a XXX será a ultima dinastia nativa independente. Seu fundador, o tio do faraó, certamente tomou o poder apoiando-se no clero. Parece que, contrariamente à política de seus antecessores imediatos, dispensou a ajuda da região, pelo menos no inicio de seu reinado. Graças a um concurso feliz de circunstancias e aos erros de seus adversários, conseguiu impedir que seus oponentes invasores reconquistassem o país.
Como grande construtor, ele restaurou inúmeros templos que testemunham ainda bastante bom gosto, pelo menos para mim. Seu filho foi associado ao trono ainda enquanto o pai vivia, mas infelizmente, após brilhantes êxitos iniciais, romperam dissensões no seio do exercito e sendo traído pelo irmão, não teve outra saída senão refugiar-se junto ao rei enquanto um usurpador. Foi quando o atual faraó, seu próprio sobrinho, pode se apossar do seu poder.
O faraó apenas ascendeu ao trono e já se viu envolvido na sublevação popular, procedente ao que parece da região próxima e talvez instigada por um descendente da XXIX dinastia. Ele só dominou a revolta com a ajuda do povo. Como seu tio, o faraó também mandou construir inúmeros templos. Assim se constituiu com a imagem de faraó, entrou na encrenca com o grande rei do país vizinho que estava totalmente disposto na conquista das terras. Este formou um grande exercito, que se lançou ao ataque. O faraó também organizou seus guerrilheiros com os mercenários e realmente teve a possibilidade de rechaçar o exercito. Mas o rei logo reiniciou os preparativos para a invasão e os ataques eram constantes, por terra e mar, com meios consideráveis para a época, tendo mais de trezentos mil homens e trezentas trirremes, enquanto o faraó dispunha apenas de cem mil homens. Desta feita à bravura dos mercenários não bastou para deter o exercito e a região foi tomada rapidamente fazendo com que o faraó se refugiasse para essa localidade mais alta

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