“Olá! Hoje fui levar uns sapatinhos ao enxoval das mães carentes do centro espírita, o mesmo no qual faço a campanha do quilo. Sempre que tenho de me interagir com alguém, por menor que seja essa interação, preciso tomar super cuidado para não ficar melancólica, pois revivo a dureza do passado dilemático que variava entre duas péssimas alternativas: tentar mudar e ser diferente ou me aceitar do jeito que era. Quando usava do esquecimento como forma de aceitação, logo voltava a ficar bem (e ainda uso essa tática), mas se tentava mudar-me, aí entrava numa paranoia angustiante ao extremo. Neste momento não quero esquecer e nem mudar, quero apenas retomar pela milésima vez a tática de enfrentamento. Minha constante sensação perto de qualquer outra pessoa é sentir-me desconfortável. Mesmo quando estou perto dos outro prestando um favor, ainda assim não consigo deixar de ter minha natural e indesejável sensação de mal estar. Sempre me julguei uma tímida por ficar automaticamente constrangida, pois esse sempre foi o meu jeito mais natural possível perto de qualquer pessoa, seja conhecida ou não. Por vezes eu me sinto completamente sem graça por imaginar que não estou conseguindo disfarçar a minha irritante sensação de estar sem graça. Daí eu disfarço dos outros aquilo que, em verdade, quero disfarçar para mim mesma. Ainda por cima me sinto culpada, já que o disfarce é uma postura enganosa e errada. Como auto-transparecer que não estou sem graça? Definitivamente é impossível querer convencer os outros daquilo que não convencemos nem a nós mesmos. Daí me pergunto: Por que não consigo assumir que estou sem graça achando isso natural, já que é algo tão instintivo, espontâneo e autônomo no meu comportamento? Preciso relaxar, parar com esse autopoliciamento crítico. É difícil, faz anos que tento, mas não vou desanimar, e até acho que estou quase conseguindo.
O pior da timidez é a tristeza causada mediante:
1. A incapacidade de se relacionar com o mundo dos contatos humanos;
2. A dificuldade de ser uma pessoa decidida, de atitude; e
3. A inveja sentida dos extrovertidos, os despudorados, os corajosos que falam e fazem até o que não deveriam.
Já sofri muito desse mal que atualmente não deixo ser maior do que eu. Confesso que nunca deixei de sentir o tal constrangimento que faz os contatos humanos serem praticamente insuportáveis, mas já superei a melancolia da época em que era tímida e, dependendo do meu querer, suporto qualquer contato humano (ainda que não consiga gostar dos mesmos). Os terapeutas dizem que as pessoas tímidas tem distorção cognitiva, ou seja, uma visão errada de si mesmo. Isso leva a pessoa a autocensura, a baixa-estima, a rigidez de julgamento, ao medo de errar, ao alto compromisso de êxito e a dificuldade de assimilar derrotas, fracassos e frustrações. Tudo isso impede o tímido e imaturo afetivamente de experimentar o mundo, as emoções, as relações sociais, profissionais e os novos e diferentes desafios e estímulos que a vida nos traz.
Sei que esse comando autônomo de personalidade afetiva e social recatada, reservada e introvertida provêm da própria maneira com a qual me vejo e me sinto diante dos outros. De todo modo, se não consigo deixar de sentir-me constrangida, de ser recatada, reservada e introvertida, quero conseguir sentir e ser tudo isso sem achar que estou sendo errada, sem ficar pensando que sou pior do que os outros por conta disso. Chega de auto-massacre! Fico pouco ou muito sem graça, mas e daí, que mal tem eu estar constrangida e os outros perceberem o meu desconforto? Desde que eu não fique melancólica, triste ou deprimida, não há mal algum em ser recatada, reservada e introvertida, assim como não é crime ficar constrangida perto dos outros.
Ser assim obviamente pode diminuir minhas relações sociais e afetivas, mas ao menos estarei de bem comigo mesma. Uma vez que, ainda possuidora da tal distorção cognitiva, eu não me sinto bem com os outros e isso faz eu não gostar dos contatos humanos, é fácil entender porque não sinto falta dos mesmos e prefiro estar sempre sozinha no meu canto. Aceitar o que não conseguimos mudar é difícil, mas pela prática sei que é possível e, aliás, é o primeiro passo para a mudança, a qual não funciona de modo impositivo, apenas pelo querer, mas sim gradualmente conforme o amadurecer geral de nosso ser psíquico e emocional.
Sou uma pessoa reservada e introvertida que também é desinibida e segura. Agora me resta ser isso com auto-estima e parar de ser tão severa comigo mesma na busca implacável de auto-perfeição. Não existe um manual de instruções ou de regras para viver e evoluir, portanto, preciso parar de me regular demais. Preciso deixar de ser tão racional. O querer humano parece um feitiço que vira contra o feiticeiro. Nossa ansiedade nos afasta do que almejamos. Quando não conseguimos deixar de querer algo, é preciso querer o que não queremos para conseguir exito em nossos desejos. Preciso deixar de querer ser perfeita ou então querer ser imperfeita para conseguir ser uma pessoa normal, natural, em paz com o meu jeito autônomo de ser. Se já me faltava humildade para conseguir expor-me com meus defeitos, agora percebo que também preciso de humildade para conseguir ser imperfeita e aceitar isso sem melindres. Em suma, minha tática de enfrentamento será ser humilde perante minha própria imperfeição e me permitir sentir, sem pudor, a sensação de constrangimento que sempre tenho quando estou perto das pessoas.
É isso, até breve e obrigada por ler minhas longas reflexões”.
(E-mail enviado para uma amiga)
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