Acabei de ler outro livro chamado Complexo de Cinderelai. A autora relata seus problemas pessoais, o qual é semelhante ao de muitas outras mulheres, inclusive eu. Ela diz que as mulheres não estão acostumadas a enfrentar o medo e ultrapassá-lo. Fomos sempre encorajadas a evitar qualquer coisa que nos amedronte; desde pequenas fomos ensinadas a só fazer as coisas que nos permitissem sentirmo-nos seguras e protegidas. O fato é que nós mulheres não fomos jamais treinadas para a liberdade, mas sim para seu oposto: a dependência. A auto-suficiência não é um bem agraciado aos homens pela natureza; ela é um produto de aprendizagem e treino. Os homens são educados para a independência desde o dia de seu nascimento. De modo igualmente sistemático, as mulheres são ensinadas a crer que, algum dia, de algum modo, serão salvas. Esse é o conto de fadas, a mensagem de vida que ingerimos juntamente como leite materno. Podemos aventurar-nos a viver por nossa conta por algum tempo. Podemos sair de casa, trabalhar, viajar; podemos até ganhar muito dinheiro. Subjacente a isso tudo, porém, está o conto de fadas, dizendo: aguente firme, e um dia alguém virá salvá-la da ansiedade causada pela vida. O único salvador de que o menino ouve falar é ele próprio.Simone de Beauvoir (escritora, filósofa existencialista e feminista francesa, 1908-1986) dissera astutamente em sua época que as mulheres aceitam o papel de submissas para evitar a tensão envolvida na construção de uma existência autêntica. Isso persiste ainda na época atual. O papel de organizadora doméstica é chato, mas muitas mulheres preferem por ser infinitamente seguro. Temos a crença errônea de que os homens merecem ou podem suportar mais riscos (principalmente profissionais) do que as mulheres. É possível que o desejo feminino de ser salva tenha suas origens nos primórdios da história, quando a força física masculina era necessária para proteger mulheres e crianças dos perigos naturais. Mas tal desejo não é mais adequado nem construtivo. Nós não necessitamos ser salvas. As mulheres de hoje se acham entre o fogo cruzado de velhas e radicalmente novas ideias sociais; a verdade porém é que não podemos mais refugiar-nos no antigo papel. Ele não é funcional, nem uma opção verdadeira. Podemos crer que o seja; podemos desejar que o seja; mas não é. O príncipe encantado desapareceu. O homem das cavernas é hoje menor e mais fraco. Na realidade, em termos do que se requer para a sobrevivência no mundo moderno, ele não é mais forte, mais inteligente ou mais corajoso do que nós. Todavia, ele realmente tem mais experiência. Reconheço o sentimento da autora quando ela relata que nós mulheres geralmente temos o maldito duplo vínculo: não confiamos em nossa capacidade de vingar no mundo às nossas próprias custas e, igualmente, duvidamos da nossa capacidade de ser bem-sucedida no velho papel feminino de seduzir um homem com o propósito de fazer dele nosso benfeitor e protetor. Como Cinderela, algumas mulheres de hoje (inclusive eu) ainda esperam por algo externo que venha transformar suas vidas.É fácil ver-se por que, estatisticamente, as mulheres demonstram pouco entusiasmo por seus empregos, uma vez que oitenta por cento delas deixam o conforto do lar para apenas conseguirem faxinar escritórios ou arquivar papeladas por baixos ganhos e muitas vezes sem direito a previdência. Muitas dessas mulheres não apreciam o fato de estarem trabalhando. Elas se sentem sobrecarregadas por isso; e mais: às vezes sentem-se até exploradas por fazê-lo. Bem no intimo, ainda creem que as mulheres realmente não deveriam ter de ganhar a vida. Ao deixarem o conforto e a segurança de suas cozinhas para tornarem-se força de trabalho, várias delas são movidas não pelo sentido de responsabilidade por si mesmas ou por uma questão de justiça para com seus maridos, mas principalmente por uma crise externa. Mulheres muito talentosas engravidam para evitar a ansiedade resultante ao desenvolvimento de suas carreiras.As mulheres voltam-se para os outros (geralmente o marido ou os filhos) para obter um autodefinição, o sentido do que são. A extensão com que se veem através dos olhos do outro é tal que, se algo acontece ao outro, se ele morre ou a deixa, ou apenas se modifica de modo significativo, elas não mais conseguem ver-se a si próprias. Imagino que isso, por mais real que seja, é horrível! Precisar trabalhar, de tal modo, acaba sendo percebido como um sinal de que, de algum modo, a mulher falhou no seu papel básico principal, ou então fica com a sensação de que o sonho ilusório em si era uma fraude. Todos esses problemas na realidade são formas sintomáticas da ansiedade de desempenho, a qual se associa com outros temores mais gerais (indicativos do sentimento de inadequação e desamparo no mundo). Assim, temos o medo de retaliação por parte daquele de quem se discorda; o medo de ser criticada por se fazer algo errado; o medo de dizer não; o medo de colocar as próprias necessidades clara e diretamente, sem manipulação. Estes são os tipos de temores que afetam as mulheres em particular, pois fomos criadas de modo a acreditar que cuidar de nós mesmas e afirmarmo-nos é não-feminino. Desejamos intensamente ser atraentes para os homens: não-ameaçadoras, doces, femininas. Tal desejo tolhe a alegria e a produtividade com as quais poderíamos estar dirigindo nossas vidas. Isso para mim faz total sentido!O medo, irracional e caprichoso, um medo sem qualquer relação com capacidades ou mesmo com a realidade, é epidêmico entre algumas mulheres de hoje. Medo de ser independente (que poderia implicar em acabarmos sozinhas e desamparadas); medo de ser dependentes (que poderia implicar em sermos engolidas por algum outro dominador); medo de ser competente e boa no que faz (que poderia implicar em termos que continuar a ser boa no que fazemos); medo de ser incompetente (que poderia implicar em termos que continuar a sentir-nos inúteis, deprimidas e inferiores). É característico da personalidade dependente ignorar os sinais de problemas, examiná-los o mínimo possível, aguentá-los. 'Quem sabe um dia tudo mudará', Cinderela pensava, varrendo as cinzas do borralho. Segundo a autora, o comodismo é tudo, menos sinal de dignidade. É uma perda de tempo. Em última análise ela o coloca como uma fuga do destino. As mulheres precisam fazer mais por si mesmas.No reverso da moeda estão as mulheres contrafóbicas que têm dificuldades em se relacionarem positivamente com homens por causa da imperiosa necessidade de se sentirem superiores, de estarem com o controle nas mãos. Seus homens ficam aturdidos, sentindo-se estranhamente culpados sem saber o que fizeram de errado. O erro foi acreditar na imagem de auto-confiança projetada por mulheres que são basicamente dominadas pelo medo. Se levadas a sério, essas mulheres nunca chegarão a encostar-se em seus homens, o que secretamente é, na verdade, o que sempre desejaram. Prevalece um sistema de duplas mensagens onde elas agem de maneira audaciosa, impudente e independente, mascarando seus sentimentos básicos de insegurança e desamparo. Os homens não compreendem que foram enganados por uma falsa fachada de auto-suficiência.Os psicólogos afirmam que a estrutura independente é montada antes da criança atingir os seis anos de idade. Alguns deles creem agora que as meninas são incapacitadas de dar a virada crucial em seu desenvolvimento emocional precisamente porque seu trajeto lhes é demasiadamente facilitado, pois são superprotegidas, exageradamente ajudadas, e ensinadas no sentido de que tudo o que tem a fazer para manter a continuidade da ajuda é serem boas. Acontece que os comportamentos reforçados nas meninas não são reforçados nos meninos. Muito do que se considera bom em meninas é considerado extremamente repulsivo em meninos. Timidez e fragilidade, ser 'bem comportada' e quieta, depender dos outros para obter auxílio e apoio são coisas julgadas naturais e até desejáveis nas meninas. Os meninos, em contrapartida, são ativamente desencorajados e apresentam formas dependentes de relacionamento.Fusão é o termo empregado na literatura da psicologia de casais para descrever um relacionamento no qual um ou os dois parceiros, temerosos da realidade da solidão, renunciam à identidade individual em favor de uma 'identidade amalgamada'. O desejo de se fundir simbioticamente com outro tem suas origens na infância e no profundo desejo de se reincorporar à mãe. Em casamentos onde a fusão persiste ano após ano, marido e mulher estão firmemente fixados num nível de desenvolvimento psicologicamente infantil. O correlativo desta fantasia, obviamente, é que os homens farão as vezes de pais: fortes, inabaláveis, dispostos e capazes de proteger e prestar socorro. Segundo o mito familiar, às mulheres cabe o papel de criar e educar; no entanto, esse mito não leva em conta o outro lado do quadro concreto: as mulheres buscam nos homens o mesmo tipo de proteção, apoio e encorajamento que os filhos esperam dos pais. Após o matrimônio, a decepção visita as mulheres; seus maridos, descobrem elas, estão longe de ser os super-homens imaginados durante o namoro. Os homens são tão vulneráveis como qualquer pessoa e, na tentativa de alcançarem a realização pessoal, tem que se debater com as próprias inseguranças. Segundo a autora, a mulher que devota toda a vida a manter o marido de pé e os filhos protegidos não é uma santa, mas uma covarde. Em lugar de experimentar os terrores de ser só, de ter que encontrar e assegurar as próprias amarras, ela permanece encostada no outro às custas de adversidades inacreditáveis. Se ela realmente é boa nisso, nem chega a aparentar que sofre muito. Externamente o mecanismo que utilizam pode parecer que dá certo; no fundo, contudo, elas não são felizes. Sentem um enorme vazio pela falta de significado em suas vidas. Seu único referencial de competência associa-se à capacidade de controlar, de conseguirem o que desejam através da dependência.Os homens são combativos. Eles podem gerar sua própria fonte específica de ansiedade ao darem passos maiores que os permitidos por suas capacidades inatas, mas ao menos chegam ao meio do caminho. As mulheres se retraem. Reduzem as suas possibilidades, almejando bem menos do que lhes permite seu nível inato de desempenho. A cada dia me convenço mais que seguir o caminho da menos combatividade não dá segurança nenhuma. Isso é mera ilusão. O trabalho, especialmente se concebido como instrumento do próprio desenvolvimento pessoal e não apenas como meio de ajudar a pagar as contas, é uma forma de separar-se ou individualizar-se. A mulher que se liberta tem mobilidade emocional. Ela é capaz de mover-se em direção das coisas que lhe são gratificantes, e distanciar-se das que não o são. Ela também é livre para ser bem-sucedida: para estabelecer objetivos e agir de modo a atingi-los sem temer o fracasso. Sua autoconfiança deriva de uma avaliação realista de suas limitações e capacidade. É exatamente o que mantenho em autoconstrução. Da leitura é isso. De resto troquei minha frase do MSN por: 'Estou com o destino todo na palma da minha mão! E sei imensamente o quanto serei cada vez mais feliz e realizada! Ainda bem que do alto tenho proteção, e do baixo toda a inveja desviada! Quem mexe comigo, mexe com uma multidão...' É isso. Um super abraço cheio de luz a todos e até outra hora...
iDOWLING, Colette. Complexo de Cinderela. Trad.: Amarylis Eugênia F. Miazzi. São Paulo: Melhoramentos, 1982.
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